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Investidor cobra preço da incerteza fiscal com juro alto e dificulta ação do Tesouro

Taxas de títulos mais longos sobem, e governo é obrigado a se financiar com papéis de curto prazo

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São Paulo

Apesar de os juros estarem nas mínimas históricas, com a taxa básica Selic em 2% ao ano, títulos públicos com prazos mais longos têm oferecido retornos maiores, que refletem a preocupação do investidor com a sustentabilidade de política fiscal.

A curva das taxas prefixadas dos títulos do Tesouro Nacional mostra uma remuneração nesse mesmo nível até o próximo ano, mas que sobe para cerca de 3% em 2022, 4% em 2023, mais de 6% em 2026 e superior a 7% em 2031.

Em razão dessa diferença, o governo tem se financiado mais a curto prazo. Segundo dados do Tesouro, 23% da dívida federal vence nos próximos 12 meses, algo próximo de R$ 1 trilhão. Esse percentual era de 16% no início de 2019.

No mês passado, o ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou que, por causa das despesas elevadas durante a pandemia, o governo planeja transferir R$ 400 bilhões do lucro do Banco Central (com o efeito da alta do câmbio nas reservas internacionais) para o Tesouro, dinheiro que pode ser usado na gestão da dívida pública e "ameniza a necessidade da rolagem" dos títulos que vencem nos próximos meses.

O Tesouro terá alguns grandes vencimentos pela frente. Um deles nesta segunda-feira (17), de mais de R$ 60 bilhões em papéis prefixados.

De acordo com levantamento da IFI (Instituição Fiscal Independente), o Tesouro utilizou o lucro repassado pelo BC nos últimos anos para viabilizar o pagamento de despesas relacionadas ao enfrentamento da pandemia. Até 2019, o repasse era recorrente, o que acabou a partir de 2020 por causa da mudança na lei.

"A curva de juros está bastante empinada, como a gente diz no jargão do mercado. Para 2025 e 2026, acima de 6%. A perspectiva é de deterioração no quadro fiscal, e o mercado tem cobrado mais prêmio. Nos contratos com vencimentos mais longos, já está embutindo um aumento de taxa de juros", afirma Adalbero Cavalcanti, presidente-executivo da RB Investimentos.

Cavalcanti diz que não tem visto dificuldades do Tesouro em se financiar no mercado, uma vez que não há falta de demanda pelos títulos do governo, mas que a instituição tem sido conservadora na oferta de papéis com prazos mais longos, de forma a evitar mais pressão sobre os preços.

"Tem uma diferença entre necessidade de mais prêmio e dificuldade de financiamento. A dificuldade é quando nenhum prêmio serve", afirma.

André Pimentel, diretor de Investimentos da Infinity Asset, afirma que o Tesouro tem concentrado as vendas de títulos a curto prazo, com destaque para o vencimento de abril de 2021, o que garante taxas próximas à Selic.

Segundo Pimentel, os juros de longo prazo estão bem acima da Selic projetada para o período, o que significa que o mercado está pondo um prêmio de risco relevante sobre os papéis. Ele também não vê problemas de rolagem e diz que os recursos do BC contribuem para uma administração mais tranquila da dívida.

"Você está com a curva muito empinada, fugindo do que o mercado espera que a Selic efetivamente vá alcançar. Ou seja, você tem um prêmio de risco muito alto. O mercado tem desconfiado dessa queda de juros, de quanto sustentável ela é", afirma Pimentel.

"É nesse contexto que surge o BC com esses R$ 400 bilhões. Com essa transferência, você derruba praticamente 40% dos vencimentos."

Mauro Rached, sócio da Integral Investimentos, afirma que os recursos do BC devem contribuir para que o Tesouro faça uma recomposição do seu caixa aos níveis pré-crise, o que permite à instituição recorrer à estratégia de administrar os vencimentos da dívida sem pressionar os juros.

A estratégia de reduzir a atuação foi utilizada, segundo Rached, nos meses de março e abril, quando os juros tiveram forte oscilação. Em agosto, as taxas voltaram a subir, depois de caírem bastante em julho.

"Em agosto [as taxas] só vem aumentando, muito por causa da celeuma em torno de furar ou não o teto de gastos e com o pedido de demissão desses secretários da equipe econômica. A incerteza com o compromisso do governo com a austeridade fiscal tem gerado esse aumento da taxa de médio prazo e nos prazos mais longos", afirma Rached.

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