Migração de agente autônomo causa prejuízo a investidor e abre debate sobre concorrência entre escritórios

Disputa por profissionais do mercado financeiro que existe pelo menos desde 2018

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São Paulo

Um agente autônomo de um escritório ligado ao BTG Pactual decidiu trocar de trabalho e migrar para outra empresa, também ligada ao banco. Teve seu acesso à plataforma de atendimento a seus clientes barrado.

Um desses clientes tentou fazer uma operação financeira que não poderia ser executada pelo aplicativo, dependia de contato com a mesa de operações. Sem o intermédio de um agente autônomo, ele não conseguiu fazer a transação e o prejuízo foi de centenas de milhares de reais.

O BTG e o escritório Cordier, ao qual o profissional era ligado, afirmam que o procedimento de bloqueio é padrão e visa proteger o cliente.

Essa história é mais uma faceta da guerra dos coletinhos, a disputa por profissionais do mercado financeiro que existe pelo menos desde 2018. E abre debate sobre a proteção de interesse do cliente em um ambiente de contratos de exclusividade.

Painel com logo da BTG Pactual na Bolsa de Valores - Karime Xavier - 26.abr.2012/Folhapress

Agentes autônomos atuam como distribuidores de investimentos e são os intermediários entre corretoras e investidores. Considerados cruciais para a captação de dinheiro para as corretoras, eles se profissionalizaram e criaram grandes escritórios que agregam vários agentes autônomos. E atuam de forma exclusiva com uma instituição financeira, uma das normas da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para a categoria que está atualmente sob revisão.

O investidor dessa reportagem se chama Vicente Camilo, que foi por anos técnico da CVM —e ele promete recorrer ao órgão para ser ressarcido pelo prejuízo.

Ele afirma que na quarta-feira (12) entrou em contato com o agente autônomo que o atendia, vinculado ao escritório Cordier. Planejava encerrar uma operação estruturada de opções, ação que não poderia ser feita pelo home broker. Na quarta-feira, ele já registraria prejuízo, afirma.

O agente autônomo contou a Camilo que estava mudando de escritório e que, por isso, estava sem acesso à plataforma do BTG Pactual. Isso mesmo migrando para um outro escritório ligado ao mesmo banco.

Camilo tentou, então, contato direto com a mesa de operações do BTG e diz ter ouvido do que aquela operação precisaria passar pelo agente autônomo. O resultado é que ele diz não ter conseguido realizar a ordem de investimento, os contratos de opção venceram e o prejuízo saltou de dezenas de milhares para várias centenas de milhares.

Camilo afirma que não foi avisado e não consentiu a troca de agente autônomo e que as falhas operacionais do escritório e do banco levaram ao prejuízo. Diz ainda que BTG e escritório colocaram interesses comerciais acima dos de clientes, algo que contraria normas da CVM.

O BTG nega que clientes tenham dificuldades de colocar ordens de investimento diretamente na mesa de operações do banco. O escritório Cordier afirma que todos os clientes foram avisados da saída do profissional que atendia também Camilo.

Já a CVM publicou, na noite de terça-feira (18), um ofício em que enfatizava as normas de mercado. No texto, o regulador enfatiza que é “vedado, nos termos do disposto no art. 30, parágrafo único, da Instrução CVM nº 505/11, privilegiar os seus próprios interesses ou de pessoas a ele vinculadas em detrimento dos interesses dos seus clientes, inclusive no caso de acesso de clientes por meio plataformas vinculadas ao intermediário”.

As regras de atuação de agentes autônomos de investimento preveem que os profissionais atuem de forma exclusiva com uma instituição financeira. E quando há um escritório, o agente autônomo assina um contrato com essa empresa para prestação do serviço —nesse caso, quem tem o contrato com o banco é o escritório, não o profissional.

Quando o agente autônomo rescinde o contrato com um escritório e migra para outro, ele perde o acesso ao sistema. Isso acontece justamente porque o profissional fica sem contrato com o banco até assinar com o novo escritório. O cliente, porém, permanece conectado.

O Cordier já viveu a experiência de perder o acesso aos clientes na pele, nesse que é um dos primeiros capítulos da concorrência pelos profissionais. O país tem atualmente 8.345 profissionais credenciados para trabalhar como agente autônomo, mais de 7.000 deles estão na XP.

Quando o Cordier deixou a XP e migrou para o BTG Pactual, em 2018, começou uma batalha na Justiça que ainda não chegou a um desfecho. A XP acusou o BTG de incentivar o escritório a acessar os dados dos clientes para facilitar a migração. O acesso dos agentes autônomos ao sistema da XP foi bloqueado.

A XP repete o processo agora com a saída do escritório EQI, também para o BTG Pactual, com bloqueio de acesso e ação na Justiça.

O que ainda não havia sido reportado é o bloqueio de acesso de profissionais que se deslocam ‘internamente’, para escritórios vinculados a uma mesma instituição, e os eventuais prejuízos que isso pode causar ao investidor.

Camilo acusa ainda o Cordier de ter zerado as taxas de corretagem de clientes atendidos pelo mesmo agente autônomo, afetando a remuneração do profissional. Outra consequência é o efeito “anuidade do cartão de crédito”: um cliente que já ganhou a isenção pode se mostrar pouco disposto a voltar a pagar pela taxa.

Isso inibiria a investidor de acompanhar o profissional em outro escritório.

A combinação dessas duas estratégias, segundo Camilo, poderia ser considerada uma prática anticompetitiva.

O BTG diz que os agentes autônomos têm liberdade para definir suas estratégias comerciais. O Cordier disse que não comentaria estratégia comercial.

O discurso do mercado é de que investidores são fiéis ao profissional com quem conversam diariamente, não à corretora e ou escritório. O profissional teria facilidade de carregar consigo a carteira de investimentos quando muda de vínculo, algo que ajuda no poder de barganha por maior remuneração ou para que se torne sócio de um escritório.

Após o EQI e outros três escritórios deixarem a XP em um curto espaço de tempo, a corretora afirmou que apenas 11% dos investimentos trocam de mãos quando um agente autônomo se desvincula.

Já o EQI afirmou ter arrebanhado 2.000 de seus clientes para o BTG em questão de semanas.

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