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Os negócios de Warren Buffett se parecem com os de todo mundo, pela primeira vez

A Berkshire Hathaway precisa fazer mais que vender bancos e comprar ouro para recuperar os dias de glória

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Robert Armstrong
Financial Times

É um pouco alarmante descobrir que Warren Buffett tem feito os mesmos negócios que todos os outros.

Buffett construiu sua reputação sobre o equivalente financeiro a entrar em prédios em chamas. Um dos artigos mais usados em sua coleção de aforismos: "Tenha medo quando os outros são gananciosos, e seja ganancioso quando eles estão com medo".

De acordo com um documento regulatório da semana passada, porém, as grandes negociações de sua empresa de investimentos Berkshire Hathaway no segundo trimestre incluíram a venda de ações do JPMorgan Chase, Wells Fargo e Goldman Sachs e a compra da mineradora de ouro Barrick Gold. Isso se parece muito com estar com medo quando os outros estão com medo. Os bancos perderam um terço de seu valor desde que a pandemia atingiu os mercados pela primeira vez, em fevereiro. Ao mesmo tempo, o preço do ouro atingiu o pico histórico e a Barrick subiu quase 30%.

Warren Buffett, presidente da Berkshire Hathaway; negociações da companhia no segundo trimestre incluíram a venda de ações do JPMorgan Chase, Wells Fargo e Goldman Sachs e a compra da mineradora de ouro Barrick Gold
Warren Buffett, presidente da Berkshire Hathaway; negociações da companhia no segundo trimestre incluíram a venda de ações do JPMorgan Chase, Wells Fargo e Goldman Sachs e a compra da mineradora de ouro Barrick Gold - Johannes Eisele - 4.mai.2019/AFP

A queda das ações de bancos e o aumento do ouro estão intimamente ligados à queda das taxas de juros, e nenhum deles diz nada especialmente bom sobre a economia. Se você acredita que o crescimento está prestes a se recuperar, você acha que os juros vão subir e, com eles, as margens e os lucros dos bancos. O aumento das taxas de juros, entretanto, quase sempre é ruim para o preço do ouro. Buffett, então, parece estar pessimista sobre as perspectivas de recuperação (esvaziando um pouco outro ditado popular que ele usa: "Nunca aposte contra os Estados Unidos").

Como ele é considerado o investidor de longo prazo definitivo (um terceiro slogan: "Nosso período de participação favorito é para sempre"), é um pouco difícil ignorar essas negociações como atividades de curto prazo. E os números envolvidos parecem grandes. A Berkshire vendeu quase US$ 6 bilhões (R$ 32,8 bilhões) em ações de bancos e comprou mais de US$ 500 milhões (R$ 2,7 bilhões) da Barrick Gold.

Se Buffett está vestindo um chapéu de lata, devemos fazer o mesmo? Antes disso, precisamos ter certa perspectiva.

A Berkshire Hathaway ainda tem um enorme investimento em bancos e outras instituições financeiras dos Estados Unidos, no valor aproximado de US$ 56 bilhões (R$ 306,1 bilhões) de seu balanço total de US$ 788 bilhões (R$ 4,3 trilhões).

A pedra angular dessa carteira financeira é um pedaço de US$ 22 bilhões (R$ 120,3 bilhões) do Bank of America; a Berkshire adicionou US$ 2 bilhões (R$ 10,9 bilhões) a ele desde o fechamento do segundo trimestre. Como é uma participação muito maior que no JPMorgan, é interessante considerar por que Buffett e sua equipe estão insistindo nela.

Embora os dois bancos tenham semelhanças significativas —balanços de tamanhos parecidos, grandes operações em bancos de varejo, grandes operações em mercado de capitais—, o BofA tem um balanço menos arriscado.

Essa diferença se manifesta de várias maneiras. As provisões do JPMorgan para empréstimos inadimplentes desde o início da crise da Covid-19, de quase US$ 19 bilhões (R$ 103,9 bilhões), são quase duas vezes maiores que as do Bank of America. É improvável que isso se deva a excesso de otimismo por parte dos gerentes de risco do BofA. O banco, como seus executivos não se cansam de apontar, costuma apresentar as menores perdas com empréstimos entre seus pares durante os testes de estresse do Federal Reserve (banco central dos EUA).

O balanço patrimonial mais arriscado do JPMorgan também se reflete em sua opção, nos últimos trimestres, por adicionar centenas de bilhões em títulos de dívida a seu balanço, mantendo os empréstimos mais ou menos estáveis. Os títulos de dívida têm uma ponderação de risco mais baixa do que os empréstimos sob o regime de capital do Federal Reserve, e o JPMorgan está próximo de seus limites de risco, a menos que queira cortar dividendos e reter mais capital próprio.

O Goldman Sachs e o Wells Fargo, por sua vez, têm seus próprios riscos. O Goldman (que Buffett já vende há algum tempo) está totalmente exposto aos exuberantes mercados de capitais, e o Wells Fargo ainda luta com as consequências do escândalo de contas falsas de 2016.

Portanto, a medida da Berkshire não parece uma liquidação indiscriminada de um banco, e sim uma decisão de cortar posições em bancos mais arriscados enquanto reforça sua posição maior, de menor risco.

Para Barrick, o investimento não deve ser um choque total. Apesar da conhecida opinião de Buffett de que ouro não produz riqueza, ele sempre foi oportunista. Em 1997, comprou cerca de 111 milhões de onças de prata, escrevendo na carta aos acionistas daquele ano que "os estoques caíram materialmente, e no verão passado Charlie [seu parceiro de negócios Charlie Munger] e eu concluímos que um preço mais alto seria necessário para criar equilíbrio entre oferta e procura. Expectativas de inflação... não têm nenhum papel em nosso cálculo do valor da prata".

Buffett pode ter uma tese técnica semelhante sobre o ouro, mas talvez nunca tenhamos certeza. Ele é um homem que gosta de falar sobre estratégia de investimento, mas geralmente fica nas generalidades.

A grande questão sobre a Berkshire é se Buffett e seus assessores têm uma estratégia para reverter o baixo desempenho da empresa durante uma década.

Ela tem fortes aplicações em energia, marcas de consumo e finanças, áreas com antigas tendências contrárias. No passado, podia ter grandes lucros como fornecedora de capital de emergência para empresas em dificuldades, mas essa é a função do Federal Reserve hoje. E o aumento quase universal dos preços dos ativos dificulta gastar seus US$ 147 bilhões (R$ 803,5 bilhões) em dinheiro, o que se tornou um grande obstáculo para o desempenho.

Se a Berkshire quiser vencer no mercado novamente, terá que fazer mudanças muito maiores do que as adotadas no segundo trimestre.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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