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Pandemia põe à prova nova versão do BNDES

Mais enxuto e sem subsídios, banco tenta destravar crédito a pequenos

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Rio de Janeiro

​A crise gerada pela pandemia põe à prova a nova versão do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), desenhada ainda no governo de Michel Temer e aprofundada pelo governo Bolsonaro, que abandonaram a versão “hospital de empresas” para um papel mais articulador na relação entre as companhias e o mercado financeiro.

Por enquanto, na avaliação do mercado, a estratégia vem esbarrando em equívocos na construção dos primeiros programas e na grande aversão ao risco, que provocaram um represamento dos recursos liberados pelo governo federal.

No fim de julho, por exemplo, o BNDES devolveu R$ 13,2 bilhões dos R$ 17 bilhões destinados para pagamento de salários porque o mercado teve dificuldades para absorver os recursos, repassados por instituições privadas.

“A concessão de crédito é o grande calcanhar de aquiles das medidas emergenciais do governo”, diz o presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil), Fernando Pimentel. “O dinheiro não fluiu, pelo menos para pequenas e médias empresas.”

Ao contrário das crises durante os governos petistas, o BNDES elegeu pequenas e médias empresas como foco e manteve condições de mercado para os financiamentos, que são preferencialmente feitos em parcerias com instituições privadas.

Chegou a negociar também pacotes de socorro a grandes empresas de setores mais atingidos, como companhias aéreas, montadoras e empresas de varejo, mas a ideia foi praticamente abandonada — restam apenas negociações com as aéreas

Dados divulgados na sexta-feira (14) pelo BNDES mostram que a pandemia reverteu trajetória de queda em suas operações de crédito, iniciada em 2014. No segundo trimestre, os desembolsos somaram R$ 17,6 bilhões, 61,6% a mais do que no mesmo período do ano anterior.

Ainda assim, o volume equivale a menos de um quarto do verificado no mesmo período de 2014. Com menos BNDES, o mercado privado vem liderando a concessão de crédito na pandemia: entre 16 de março e 31 de julho, instituições privadas ofereceram R$ 426 bilhões em novos empréstimos, contra R$ 200,2 bilhões das instituições estatais.

A redução da fatia estatal no crédito não é nova. Segundo o Banco Central, em maio de 2019, o setor privado voltou a representar mais de metade do estoque de crédito no país pela primeira vez desde maio de 2013. A redução na taxa básica de juros ajudou na diversificação das fontes de financiamento.

Executivos do setor produtivo ponderam que o modelo privado tem sido bem utilizado por grandes empresas, mas a crise gerada pela pandemia fechou a torneira para empresários de pequeno porte, que têm mais dificuldade para apresentar as garantias contra calotes exigidas pelo sistema financeiro.

A taxa de juros média para a linha de capital de giro, por exemplo, está em 11,15% ao ano, considerada alta pelos tomadores. “O BNDES tem boa intenção, mas há problemas que ele não consegue superar”, diz o presidente da Abimaq (Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos), José Velloso.

Ele cita como entraves à atuação do banco o custo de captação dos recursos que empresta — a TLP equivale hoje ao IPCA mais 1,78% ao ano — e a falta de capilaridade e de estrutura para recuperar calotes, o que gera a necessidade de atuação com o setor privado, hoje mais avesso ao risco.

Para economistas ouvidos pela Folha, a crise acelerou mudanças que devem ser reforçadas na nova versão do banco, como a oferta de garantias para empréstimos de pequenas empresas, uma das principais apostas da gestão atual, que vê potencial para liberar até R$ 100 bilhões em crédito.

"Dedicamos muitos esforços para colocar [o programa das garantias] de pé e realmente consideramos que o impacto vai ser muito positivo", disse a diretora financeira do banco, Bianca Nasser, em entrevista nesta sexta para detalhar o balanço da instituição. Nesta segunda (17), o programa chegou à marca de R$ 10 bilhões em contratos assinados.

Em outra frente, também desenvolvida já com a pandemia em curso, o BNDES busca fomentar o uso de canais alternativos de concessão de empréstimo, por meio de maquininhas de cartões ou por market places de grandes redes de varejo. O banco avalia que, como os dois canais conhecem o faturamento do cliente, poderão reduzir a necessidade de garantias.

A oferta de garantia é vista por economistas como um passo importante para destravar o crédito no futuro, ajudando o governo a implantar de fato a nova estratégia que o banco vem desenvolvendo nestes últimos anos.

“A trava hoje está na questão do risco de crédito. Esse é o nó que a gente precisa desatar”, diz Reginaldo Nogueira, do Ibmec. “Temos uma taxa básica de juros baixa. A questão é como conseguimos levar isso cada vez mais para a ponta do crédito.”

“Já deveríamos ter testado esse modelo [de garantias] antes”, comenta Sergio Lazzarini, do Insper, que vê um processo de “tentativa e erro” na elaboração das políticas emergenciais. “A gente está trocando o pneu do carro com o carro andando.”

O banco diz que os programas emergenciais lançados após a pandemia já liberaram quase R$ 60 bilhões, entre novos empréstimos e suspensões de pagamento de contratos já assinados, beneficiando 171 mil empresas e ajudando a manter 5,2 milhões de empregos.

Para o mercado, as novas propostas são positivas, mas ajudarão mais na retomada do que no enfrentamento do momento mais agudo da crise, que parece ter ficado para trás. "Na verdade passamos esse período todo com o auxílio de medidas trabalhistas e tributárias, mas o crédito em si realmente não tivemos", diz Pimentel, da Abit.

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