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Participação feminina no setor agrícola cresce, mas elas ainda enfrentam resistência

Número de estabelecimentos geridos por mulheres cresceu 38% em 12 anos, segundo IBGE

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Andrea Vialli
São Paulo

Neste mês, a agrônoma Malu Nachreiner, 40, se tornou a primeira mulher a ocupar o comando de uma multinacional do agronegócio no Brasil.

Há 17 anos na alemã Bayer, ela começou como estagiária, liderou equipes nas áreas de marketing, comercial e gestão estratégica de produto até chegar ao cargo de presidente da divisão agrícola.

A produtora Cristiane Steinmetz, que lidera a gestão da Fazenda Boa Vista, que produz soja e milho em Mineiros (GO)
A produtora Cristiane Steinmetz, que lidera a gestão da Fazenda Boa Vista, que produz soja e milho em Mineiros (GO) - Divulgação


“Muitas mulheres no campo se queixam da invisibilidade no comando da fazenda, sofrem discriminação, dizem ter falta de autoconfiança e querem ser levadas mais a sério”, explica Malu, formada pela Esalq-USP e com MBAs pela FGV e pela Universidade de Pittsburgh, EUA.

Os avanços são lentos, mas estão em curso. O Censo Agropecuário de 2017, do IBGE, revela que o número de estabelecimentos agrícolas administrados por mulheres cresceu 38% em 12 anos.

Hoje 18,6% das propriedades rurais brasileiras são lideradas por mulheres. Esse número chega a 34,7% quando somadas as profissionais que administram as fazendas junto a suas famílias.

A produtora rural Cristiane Steinmetz,37, gerencia a fazenda Boa Vista, em Mineiros (GO), ao lado da mãe, Clélia, 65, e da irmã, Adriane, 32. Lá, produzem milho e soja em uma área de mil hectares.

Advogada de formação, Cristiane assumiu a gestão comercial da propriedade após a morte do pai, em 2014. Para isso, fez cursos técnicos na área agrícola e uma pós-graduação em gestão empresarial. Na lida diária e no contato com outros produtores, descobriu que era boa em negociação de preços.

Por ser mulher e jovem, enfrentou resistência. “Somos sempre testadas pelo mercado, questionadas por vizinhos, fornecedores, funcionários. Mas acredito que é possível derrubar essas barreiras por meio do conhecimento que gera resultado”, diz Cristiane.

Nos seis anos à frente da fazenda, a produtividade da soja saltou de 59 sacas por hectare para 73. “A mulher é mais aberta a ouvir, testar, experimentar.”

O desafio de desmistificar a atuação das mulheres no campo levou a produtora mato-grossense Geni Schenkel, 37, a criar um grupo para fomentar a troca de conhecimento.

Com mais de 500 membros, o Agroligadas costumava promover eventos, mas, durante a pandemia do novo coronavírus, passou a produzir conteúdo para as redes sociais. “As mulheres querem trocar experiências sobre o que fazem nas propriedades e como superar as dificuldades”, afirma Geni.

Fisioterapeuta, ela trocou a carreira para gerenciar, junto com o marido e o cunhado, a fazenda de 2.500 hectares que produz algodão, milho, soja e feijão em Campo Verde (MT). Ainda sente certa desconfiança por parte dos 25 funcionários, todos homens.

Os números explicam parte da resistência. Apesar de ter crescido na última década, a participação feminina no mercado de trabalho do agronegócio (campo e indústria) equivale a menos da metade da representação masculina. No primeiro trimestre de 2020, eram 5,6 milhões de mulheres empregadas no setor, ante 12,3 milhões de homens.


O índice das mulheres que atuam no campo tem se mantido estável na faixa de 32% desde 2012, segundo estudo do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) da Esalq-USP.

O setor de cana-de-açúcar é um dos nichos com menor participação feminina: apenas 9% no primeiro trimestre de 2020. Mas foi nessa seara que a engenheira eletricista Thaís Fornicola, 40, encontrou espaço para liderar mais de 1.500 funcionários, além de 500 operadores terceirizados.

Gerente industrial do polo de Piracicaba (SP) da Raízen, ela comanda quatro usinas que produzem etanol, açúcar e bioenergia no interior paulista.

Antes, atuou na área de manutenção automotiva da empresa. “Questionavam o que eu estava fazendo ali, no meio da graxa”, conta Thais, que ostenta no currículo cargos nas áreas de auditoria, suprimentos, governança corporativa e recursos humanos, além de um MBA na Espanha.


Agora, busca uma maior inserção de mulheres em atividades operacionais e de gestão. A empresa estabeleceu no ano passado a meta de ter 30% de mulheres em cargos de lideranças nos próximos cinco anos.

Isso não deveria ser uma meta, e sim um mérito das mulheres. Mas é preciso ainda combater o viés inconsciente que barra a contratação das mulheres, mesmo com ótimos currículos”, afirma Thais.

Nicole Rennó, pesquisadora de macroeconomia do Cepea, diz que o avanço da participação feminina no agronegócio se dá também como parte de uma transformação da sociedade. As mulheres acumulam mais anos de escolaridade, em média, do que os homens, e avançam em vários setores.

“À medida que mais mulheres se inserirem e liderarem no agronegócio, mais intensificado será esse movimento e a chance de quebrar as barreiras que ainda existem”, diz.

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