Preços no atacado sobem quase 20% com ajuda de repasse cambial e alta de commodities

IGP-M e seu componente de preços ao produtor atingiram maior patamar desde 2008

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Enquanto os índices de preços ao consumidor atingem os menores patamares da história, por conta da queda na atividade econômica, os preços no atacado registram os maiores aumentos em 12 anos, puxados pela desvalorização do real e pela alta no preço de commodities.

Economistas ainda não veem risco de uma escalada da inflação que obrigue o Banco Central a subir juros, mas avaliam que o período de deflação registrado no meio do ano ficou para trás e que a questão do repasse cambial precisa ser acompanhada com mais atenção daqui para a frente.

Além disso, os repasses do atacado para o varejo têm se concentrado, principalmente, nos preços dos alimentos, algo que torna a inflação mais pesada para famílias de menor renda, que comprometem uma parcela maior do orçamento com esses produtos.

Nesta sexta-feira (28), foi divulgado o resultado do IGP-M (Índice Geral de Preços - Mercado), que acumula alta de 13,02% em 12 meses até o mês atual, maior valor desde agosto de 2008.

O principal componente do indicador é o IPA (Índice de Preços ao Produtor Amplo), que subiu 18,15% no mesmo período, maior variação desde julho de 2008. O IPC (Índice de Preços ao Consumidor) do IGP, por outro lado, avançou 2,34%, patamar baixo, porém mais elevado do que o 1,65% alcançado em maio deste ano.

O resultado do IPC da FGV está muito próximo do IPCA, o índice de inflação ao consumidor calculado pelo IBGE que é utilizado pelo Banco Central como meta de inflação e acumula alta de 2,31% nos 12 meses encerrados em julho. O centro da meta é de 4%. Os alimentos no IPC acumulam alta de 6,81% no mesmo período.

"A única coisa no IPC que está forte é alimentação, principalmente em domicílio, aquilo que a gente compra no supermercado. Isso tem a ver com essa mudança de hábito e um pouco com dólar também, principalmente entre as proteínas (frango, suínos e bovinos) e alguns grãos que tiveram quebra de safra", diz André Braz, coordenador dos Índices de Preços do Ibre/FGV.

"Alimentação subiu muito mais que a inflação média. Com isso, quanto mais humilde a família, maior a percepção de que a inflação está alta, porque ela gasta basicamente com a subsistência."

De acordo com Braz, no caso dos índices ao consumidor, mais da metade do peso está nos serviços, segmento com atividades parcialmente paralisadas, e bens duráveis, com vendas reduzidas por conta do receio das famílias em tomar crédito. Contribuem também os preços administrados, como planos de saúde, que tiveram reajuste adiado.

No caso do índice ao produtor, a composição é outra. "O IPA registra quase que instantaneamente o impacto da desvalorização cambial. Além disso, o preço das commodities em dólar está subindo. A China ajuda muito nesse contexto, principalmente quando a gente fala de minério de ferro, na medida em que ela começa a mostrar sinais de recuperação", diz Braz.

"A desvalorização da nossa moeda ajuda a balança comercial, mas essa exportação mais forte reduz a oferta de produtos no mercado doméstico, principalmente de carnes, e torna os importados mais caros."

Ele afirma que pode haver repasses no futuro para o consumidor sustentados por uma redução de margem da indústria, setor que vem absorvendo o encarecimento da matéria-prima. As commodities do IPA subiram em 12 meses 50%, mesmo percentual verificado apenas para o minério de ferro.

"A probabilidade disso acontecer aumenta na medida em que a taxa de câmbio se estabiliza em torno de R$ 5,30. O IPC já vem absorvendo câmbio, mas absorve de forma muito mais comedida do que o IPA", diz o coordenador.

Segundo ele, algum repasse já pode ser visto em alguns bens duráveis, como computadores e produtos de linha branca, mas a variação desses preços ainda está negativa no acumulado em 12 meses.

Cristiane Quartaroli, economista da Ourinvest, afirma que o repasse cambial ainda é pequeno diante da desvalorização de cerca de 35% do real neste ano e que o cenário de inflação é bastante confortável para a política monetária.

"Contudo, a gente não tem perspectiva do câmbio baixar, principalmente pelo quadro atual, tanto em relação à pandemia como em relação às incertezas políticas e à preocupação fiscal. Isso, associado à prorrogação do auxílio emergencial, à reabertura da economia e a uma retomada aos poucos da produção industrial, talvez implique em algum reajuste por parte da indústria, tanto salarial como de preços", afirma Quartaroli.

Ela lembra que a projeção de mercado para o IPCA neste ano, de 1,7%, ainda está abaixo do centro da meta de 4%, mas tem subido desde junho.

"Aqueles que esperavam uma inflação baixa para este ano poderão começar a rever isso, mesmo que de modo gradual. Os economistas já começam a ajustar esses valores. Ainda está longe da meta, mas pode acender uma luz amarela. É um cenário para a gente ficar de olho. O câmbio nesse patamar por um tempo muito longo me preocupa."

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, afirma que o cenário de uma deflação persistente no Brasil por causa da queda na atividade está definitivamente descartado.

Para ele, a questão do câmbio gera incertezas em relação ao momento em que poderá haver um repasse mais forte para outros preços, quando os fatores que seguram o IPCA, como os serviços, entrarem em trajetória de retomada.

"A inflação não representa ameaça à meta, mas a projeção para os próximos 12 meses já está acima de 3%", afirma o economista. Para 2021, a meta é de 3,75%.

Vieira diz também que o IGP-M pode impactar o reajuste de algumas tarifas, já que é utilizado como um dos indicadores para definir o aumento desses preços.

André Braz, coordenador dos Índices de Preços do Ibre/FGV, diz que essa participação atualmente é bem menor do que no passado, o que ameniza esse impacto.

Sobre o fato de o IGP-M estar presente em muitos contratos de locação de imóveis, ele diz que a inflação do aluguel residencial está em 3,09% em 12 meses, bem abaixo do IGP cheio, devido à situação desse mercado.

"O proprietário que exigir o cumprimento do indexador do contrato corre o risco de perder o inquilino", afirma Braz.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.