Proposta de Guedes trava projetos de congressistas ao exigir análise prévia de impacto fiscal

Nota técnica do Congresso diz que proposta tira a independência do Legislativo; dispositivo foi incluído para 2021

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Brasília

O governo Jair Bolsonaro apresentou proposta que, na avaliação de técnicos do Congresso, poderá travar projetos econômicos apresentados por deputados e senadores.

Pelo dispositivo, projetos que reduzam a arrecadação dos cofres públicos serão encaminhados ao Ministério da Economia para uma avaliação sobre o efeito fiscal.

Esse mecanismo foi inserido na proposta de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2021, que está em tramitação no Congresso. A LDO define as regras para elaboração e alterações no Orçamento.

"A prevalecer o texto do projeto [da LDO], as proposições com origem no Congresso Nacional estariam sujeitas a uma manifestação prévia de outro Poder", diz nota técnica do Legislativo.

Para os técnicos, isso é irregular, pois o Congresso deixaria de ser independente.

Deputados e senadores têm a prerrogativa de apresentare propostas legislativas inclusive na área econômica.

A Lei de Responsabilidade Fiscal determina que atos que criarem ou aumentarem despesas deverão apresentar estimativa de impacto fiscal, comprovação de que a meta não será afetada e compensação por meio de aumento de receita ou corte de outro gasto.

A norma, no entanto, não estabelece que proposições apresentadas pelo Legislativo precisam passar por validação prévia do Executivo.

O auxílio emergencial, que tem custo aos cofres públicos, por exemplo, foi anunciado pelo governo, mas foi incluído num projeto de iniciativa parlamentar. O benefício emergencial foi criado para atender trabalhadores informais e desempregados durante a pandemia do novo coronavírus.

Procurado, o Ministério da Economia disse que o objetivo do projeto da LDO é adotar o critério de responsabilidade fiscal para o debate de políticas públicas com impacto no aumento de despesas ou na redução de receita.

A pasta alega ainda que esses princípios já fazem parte da Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, e na LDO de 2020.

No entanto, a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020 é muito mais enxuta, com apenas um artigo sobre o tema, e com um dispositivo que, segundo técnicos do Congresso, deixa claro que a medida vale apenas para projetos apresentados pelo Executivo.

O plano do ministro Paulo Guedes (Economia) para a LDO de 2021 é que os projetos que mexem com tributos, taxas e outras formas de arrecadação estejam acompanhados de um estudo sobre o impacto da medida e mostrar que a proposta não irá dificultar o alcance das metas fiscais no ano.

No caso de mudança em tributos recolhidos pela Receita Federal (que representam quase a totalidade da arrecadação da União), o órgão precisaria dar uma declaração formal sobre o projeto de lei -- não há prazo para isso.

Em outro trecho da proposta de LDO, o governo quer que projetos legislativos que possam resultar em corte de receita serão encaminhados para análise e emissão de parecer dos órgãos orçamentários do Executivo. O texto também não prevê um rito para isso.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) usa trechos da Lei de Responsabilidade Fiscal e da LDO de 2020 (como prever uma forma de compensar a perda de receita) para vetar medidas aprovadas pelo Congresso, alegando incompatibilidade com as normas de preservação das contas públicas.

Se o projeto das diretrizes orçamentárias de 2021 permanecer dessa forma, o presidente poderia usar os dispositivos questionados para derrubar projetos aprovados no Congresso sem os pareceres do Ministério da Economia e que não seguiram o processo defendido por Guedes, afirma um dos autores da nota técnica.

O Congresso tem o poder de modificar a proposta de LDO do próximo ano. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ainda não marcou a votação desse texto.

Em outro trecho do documento, a área técnica do Congresso ainda questiona a legalidade de outra inovação feita pela equipe econômica ao propor uma meta fiscal flutuante para 2021.

Diante das incertezas sobre o futuro da economia, o time de Guedes pediu autorização para ajustar essa obrigação do Orçamento ao longo do tempo se as projeções de arrecadação sofrerem mudanças.

A nota técnica do Legislativo afirma que o mecanismo é inócuo para a gestão fiscal e ressalta que a medida parece não atender às exigências impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O documento ainda diz que a regra pode constituir infração administrativa porque a LDO foi apresentada sem conter as metas fiscais na forma da lei.

Pela proposta do governo, a meta não terá valor fixo e partirá das estimativas definidas pelo teto de gastos, regra que limita as despesas públicas à variação da inflação. Esse valor será descontado das receitas projetadas para o ano pelo governo.

Na prática, se a projeção de receitas cair, a meta será afrouxada, com permissão para um rombo maior. Se for observado movimento contrário, a meta acompanhará a alta de receitas e preverá um déficit menor.

Com a nova regra, não haverá mais necessidade de cortar gastos de ministérios em caso de perda de arrecadação. Hoje, em situações de frustração de receitas, o governo é obrigado a fazer um contingenciamento para evitar o descumprimento da meta. Com a mudança, se for registrada essa perda, a meta simplesmente será alterada.

Na avaliação dos técnicos do Congresso seria mais apropriado o estabelecimento de uma meta com valor definido. Para eles, ainda que houvesse alguma flexibilização, ela deveria permitir o uso de mecanismos como o corte de gastos de ministérios.

"A flexibilização da meta não deve atingir um grau que praticamente torne desnecessário qualquer esforço da gestão financeira para gerar um resultado fiscal. Isso levaria a que qualquer resultado produzido pudesse ser tido como suficiente para cumprir a meta", afirma o documento.

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