A reforma tributária discutida entre governo e Congresso tem levantado preocupações entre pesquisadores, empresas e parlamentares sobre um eventual impacto gerado para a ZFM (Zona Franca de Manaus).
Considerada chave para a preservação do ambiente na região, a atratividade do polo pode ser reduzida no momento em que investidores globais pressionam pela conservação da Amazônia.
Estudo recente da FAS (Fundação Amazonas Sustentável) aponta que a ZFM ajudou o estado a preservar 95% de sua mata nativa ao atrair trabalhadores do interior. Em comparação, o vizinho Pará preserva 60% da vegetação original.
Estudo da FGV (Fundação Getulio Vargas) tem conclusões no mesmo sentido.
O Ministério da Economia enviou a primeira parte de sua proposta de reforma tributária (fundindo PIS e Cofins) livrando a Zona Franca de mudanças, mas os próximos passos são voltados ao IPI, que pode ser extinto.
Com isso, seria eliminada uma das principais vantagens comparativas da ZFM, o tratamento diferenciado do IPI.
“Reforma tributária mais profunda que extingue o IPI e abertura comercial mais acelerada que reduza o imposto sobre importações podem colocar em risco todo o parque industrial situado na região metropolitana de Manaus”, afirma estudo recente produzido pela FGV.
O plano do governo é eliminar em boa parte o IPI e transformá-lo a algo mais próximo de um “tributo sobre o pecado”, a ser aplicado de forma mais forte em bens como cigarro e bebidas alcoólicas.
Nos últimos dias, o governo sinalizou que sua proposta trará alterações mais brandas do que a eliminação. De qualquer forma, a ideia da extinção e a consequente junção do IPI em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) continua viva no Congresso.
Na quarta-feira (26), Vanessa Canado, assessora especial do Ministério da Economia, falou sobre as mudanças planejadas para as alíquotas do IPI e o fim do tributo.
“A revisão não impede que o IPI entre no bolo do IVA nacional e seja extinto naquela longa transição que varia de uma PEC [proposta de emenda à Constituição] para outra”, afirmou.
Ela se referiu às duas principais PECs da reforma tributária que tramitam no Congresso. Ambas preveem a eliminação do IPI e sua junção com outros impostos.
No caso da PEC 110, do Senado, são mantidas as vantagens das ZFM. “Fica garantido à Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, tratamento tributário diferenciado”, afirma o texto.
Já na PEC 45, da Câmara, vista frequentemente como a proposta com mais chances de avanço, não existe essa previsão.
José Jorge do Nascimento Junior, presidente-executivo da Eletros (Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos, que reúne representantes como Electrolux, LG e Samsung), afirma que a ZFM gera para as empresas competitividade global.
Por isso, busca conversar com o Congresso para preservá-la das alterações.
“A PEC 45 parte do pressuposto de que não se deve ter incentivo fiscal algum. Diferentemente da 110, que determina para a ZFM um crédito presumido, resguardando a vantagem comparativa”, afirmou Nascimento Junior.
“Queremos buscar na PEC 45 [uma solução], e estamos construindo as soluções de maneira técnica”, disse.
No Congresso, o deputado Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM) afirmou que acabar com as vantagens comparativas da ZFM faria as empresas se mudarem não para outros estados, mas para outros países.
“Se a gente tirar a vantagem da ZFM, as empresas vão para outros lugares. Poucos países do mundo fabricam ar-condicionado, por exemplo, e, se a gente perdesse isso, teria de importar da China”, afirmou.
Apesar disso, diversos defensores da política da ZFM reconhecem que é necessária uma atualização das medidas atreladas à região. Uma das críticas é o fato de que a indústria local geraria pouca inovação.
Fábricas de motocicletas, por exemplo, seriam mais montadoras de peças importadas que fabricantes.
Além disso, a preservação do ambiente no Amazonas contrasta com o crescimento concentrado e desordenado de Manaus.
A maior crítica, no entanto, é a falta de políticas ligadas à bioeconomia. O aproveitamento responsável da região poderia até gerar desenvolvimento de comunidades locais.
Especialistas defendem também o incentivo ao turismo. “O imenso potencial turístico da região, comparável aos lugares mais atrativos do planeta, tem sido explorado economicamente muito aquém de seu potencial”, afirma estudo da FGV.
A FAS defende políticas voltadas a eixos produtivos de forma sustentável em fármacos, fitocosméticos, fruticultura, alimentos, piscicultura e produção agroflorestal.
Também defende que possam ser feitas atividades como mineração responsável e fabricação naval.
Há entre especialistas a tese de que o próprio surgimento da ZFM pode ter sufocado o desenvolvimento de outras possibilidades de atividades.
Tiago Jacaúna, doutor em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), diz que a ZFM ainda consegue segurar boa parte das atividades danosas ao ambiente na região.
“Sem a ZFM, seria muito difícil pensar em alternativas sustentáveis, pois seria gerada muita pressão pelo avanço de outras atividades predatórias”, afirmou.
A Zona Franca de Manaus
O que é
Polo de desenvolvimento criado há mais de 60 anos com o objetivo original de promover a integração da região Norte e garantir a soberania das fronteiras
Criação
Em junho de 1957, como porto livre. Dez anos depois, a legislação foi ampliada para permitir incentivos fiscais por 30 anos para implantação de um polo industrial, comercial e agropecuário.
Em 2013, os incentivos fiscais da ZFM foram prorrogados para até 2073
Incentivos
Seu principal instrumento é o tratamento diferenciado de tributos federais (IPI, Imposto de Importação, e PIS-Cofins) e do principal imposto estadual, o ICMS
500 mil
empregos diretos e indiretos são gerados na ZFM, segundo a Fieam (Federação da Indústria do Estado do Amazonas)
R$ 29 bilhões por ano é o total de gastos tributários da União com a Zona Franca, por meio de renúncia fiscal
R$ 24,5 bilhões é o que retorna à sociedade em forma de impostos federais e estaduais pagos por empresas no Amazonas, segundo a Fieam, além de repasses a fundos públicos e investimentos em pesquisa e desenvolvimento
Fontes: Receita, Suframa, Fieam e FAS
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