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Washington Olivetto

2020, o ano em que o morango encalhou

Período marcado pela pandemia e seu impacto negativo nos negócios precisa acabar

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Washington Olivetto

Único publicitário não anglo-saxão no Hall of Fame do One Club de Nova York e no Lifetime Achievement do Clio Awards

Londres

Neste 2020 da Covid, além das tragédias da saúde, tristes e incontornáveis, tivemos também os problemas do business e do show business.

Morando aqui em Londres, cidade que monitora saúde e dinheiro com a mesma volúpia, tenho observado como as diferentes áreas de negócios têm se comportado.

No dia 27 de março de 2020, o guitarrista Carlos Santana e sua banda iam se apresentar na Arena The O2, para mais de 20 mil pessoas. A data coincidiu com o auge da pandemia, e o show foi cancelado. Horas depois do cancelamento, as pessoas que haviam comprado ingresso foram comunicadas de que receberiam seu dinheiro de volta.

2019/2020 marcavam a turnê mundial de despedida dos shows ao vivo de Elton John, com concertos finais em Londres, nos meses de novembro e dezembro. Obviamente os shows foram cancelados, e quem comprou os ingressos antecipadamente recebeu um comunicado dizendo que podia optar por ter seu dinheiro de volta ou manter seu ingresso para os shows de 2021. Elton John vai ter que trabalhar mais um ano.

Prato com morangos
Até fornecedor de morango em Wimbledon foi afetado pela pandemia - Renato Stocker/Folha Imagem

Annabel’s e Soho House são dois clubes exclusivos, com comportamentos diferentes. Annabel’s surgiu em 1963 e se transformou imediatamente no night club mais badalado do planeta. Nos últimos anos, foi ampliado, ganhou mais três restaurantes e uma segunda pista de dança, mas continuou cultuando o estilo de vida dos seus frequentadores, na maioria homens e mulheres que chegam nos seus Bentleys, Jaguars e Rolls-Royces, vestindo grifes famosas e ostentando relógios e joias caríssimas.

Já o Soho House surgiu em 1995 no Soho londrino, como um discretíssimo hotel e restaurante e rapidamente se espalhou por outras capitais do mundo. Em todos esses lugares, manteve a mesma filosofia: só aceitar como membros gente que trabalhe em alguma atividade ligada às artes, não use roupas de grife, muito menos joias, ternos e gravatas, e que não fale em telefones celulares em lugares públicos, nem divulgue fotos nos seus Facebooks ou Instagrams.

Apesar dos perfis opostos, Annabel’s e Soho House, que estiveram fechados de março a agosto de 2020, na sua reabertura fizeram um comunicado idêntico aos seus associados. Avisaram que, por não terem podido usar os seus clubes durante seis meses, cada associado tinha direito a um crédito de £ 1.500, para ser gasto nos seus restaurantes.

Detalhe: as gorjetas deviam ser pagas à parte porque maîtres e garçons dependem delas para sobreviver e não são responsáveis pela generosidade ou prosperidade financeira dos donos dos clubes.
Hotéis e companhias aéreas também sofreram alterações nesse período, assim como os eventos em grandes estádios.

O maior exemplo disso foi a final da Champions League que aconteceria em Istambul, no dia 30 de maio de 2020. Para essa aguardada partida de futebol, ingressos foram comprados com mais de seis meses de antecedência, passagens de avião e hotéis também foram reservados e pagos antecipadamente.

As passagens da Turkish Airlines, com seus inúmeros voos extras, naquele fim de semana de 29 a 31 de maio, custaram cinco vezes o que custavam no dia a dia, assim como os bons hotéis de Istambul também custaram o quíntuplo.

Com o cancelamento da final da Champions, a Turkish Airlines e os grandes hotéis simplesmente avisaram aos seus clientes que honrariam as passagens e as estadias, antecipadamente pagas, até o final de 2020. Mas sem nenhum desconto ou privilégio para quem havia comprado aquele pacote caríssimo.

Entre as atividades que tiveram mais prejuízos neste ano da Covid, certamente se destacam aquelas ligadas à prestação de serviços, como as agências de publicidade, área que conheço bem: na teoria é cinza, e na prática é colorida.

Durante o período da quarentena, conversei com dirigentes de agências de publicidade de toda a Europa e percebi entre eles um ponto em comum: todos trabalharam muito e ganharam pouco.

No período dos home offices, os anunciantes deixaram claro que, a partir daquele momento, só queriam conversar com os dirigentes das agências e com quem criou a ideia que ia ser apresentada, dispensando o diálogo com todo e qualquer intermediário.

O que significa que, quando a pandemia acabar (se acabar), as agências de publicidade vão ter que encolher de tamanho e de número de pessoas. Mantendo só os profissionais essenciais, abrindo mão dos supérfluos e diminuindo seus espaços físicos.

Tem lógica. O negócio da publicidade já estava gordo, precisando ir para um spa por uma questão estética; agora vai ter que ir para um spa por uma questão de sobrevivência.

Mas, dentro dos negócios mais vitimados pela pandemia, mais do que o show bussines, os night clubs, os restaurantes, a aviação, a hotelaria ou a publicidade, quem sofreu mesmo aqui em Londres foi o negócio dos morangos.

Produzindo morangos desde 1893, a Hugh Lowe Farms é a fornecedora exclusiva do torneio de tênis de Wimbledon, onde comer morangos com creme é uma tradição dos frequentadores, desde 1877. Em 2019 foram consumidas 33 toneladas de morangos em Wimbledon. Para 2020, foram produzidas, otimisticamente, quase 40 toneladas, que encalharam com o cancelamento do torneio.

Moral da história: 2020. O ano que precisa terminar. De ano que não terminou, já basta o 1968 do Zuenir Ventura.

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