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Nelson Barbosa

Aceita a mudança do teto de gasto que dói menos

Há saídas para o impasse; tarefa não é simples, e podemos sair de novo, desde que abandonemos ilusões e terrorismos fiscais

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Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research

Volto ao teto Temer, pois a proposta anunciada por Bolsonaro nesta semana —de não pagar dívida para não emitir dívida— só reforçou a inviabilidade do atual limite de gasto.

Assim como o “orçamento com déficit” de 2015, a mudança do teto Temer é inevitável. Logo, sugiro a todos os colegas da Faria Lima: aceita que dói menos!

Em vez de combater a realidade via previsões apocalípticas de juro e câmbio, seria mais saudável discutir qual deve ser a nova regra fiscal, mantendo controle de despesa, mas não necessariamente o congelamento real de gasto em curso.

Paulo Guedes (Economia) e Jair Bolsonaro durante pronunciamento no Palácio da Alvorada - Pedro Ladeira - 1º.set.2020/Folhapress

Na semana passada, 31 senadores assinaram uma proposta neste sentido, para abrir a discussão. Falo da PEC 36/2020, do Senado, que cria espaço fiscal temporário em 2021-22 e propõe nova regra fiscal para 2023 em diante.

Especificamente, para dar saída ao governo Bolsonaro, a ideia é permitir alguns gastos “extrateto” nos próximos dois anos, desde que aprovados pelo Congresso, em projetos de lei específicos, e executados de modo transparente.

Quais gastos? Cinco coisas:

  1. saúde, pois o combate à pandemia pode se estender para 2021
  2. educação, para garantir o mínimo necessário ao funcionamento da rede federal
  3. investimento, para pelo menos manter a infraestrutura existente
  4. crédito para micro e pequenas empresas, pois os efeitos da Covid-19 podem não ir embora rapidamente
  5. transferências de renda, para viabilizar a transição do auxílio emergencial ao novo programa de combate à pobreza ou reforço do Bolsa Família

Todos os gastos acima teriam limite próprio, com máximo aproximadamente igual ao valor de 2017 no caso da saúde e educação, de modo a evitar o “liberou geral”. No mesmo sentido, o espaço fiscal temporário não poderia ser utilizado para aumentar folha de pagamento em 2021-22, de modo a manter o controle de gasto com pessoal já em curso.

E o futuro? A PEC 36/2020 também propõe que, a partir de 2023, no primeiro ano de cada mandato, os presidentes ou presidentas terão que apresentar um plano fiscal, com prazo de quatro anos, incluindo meta ou limite global de gastos, bem como metas específicas para investimentos, folha de pagamento, sustentabilidade ambiental (que passaria a ter destaque no orçamento) e gastos per capita com educação e saúde (mudando a lógica de vinculação de receita para meta de serviços por pessoa).

Além da meta ou limite de gasto, o plano fiscal quadrienal deverá conter cenário de resultado primário e dívida pública, bem como programação de avaliação de gastos —ou “spending review”, em farialimês— incluindo benefícios tributários e despesas com pessoal e custeio por poder.

A lógica da nova regra fiscal é manter o foco no controle do gasto, que passaria a ser a única meta fixada pelo governo, mas sem impor um valor real fixo por 20 anos, como fez a sandice de Temer. A meta de gasto poderá ser constante, crescente ou cadente, de acordo com a decisão de Vossa Excelência, o eleitor, de quatro em quatro anos.

A nova regra não teria meta de dívida, mas o valor do gasto seria decidido com base em um cenário de receita, juros e crescimento do PIB, de modo a ser consistente com a estabilidade do endividamento público, no patamar definido por quem for eleito, para o Executivo e o Legislativo, a cada quatro anos.

Existem saídas para o atual impasse fiscal. A tarefa não é simples, mas também não é impossível. Já resolvemos problemas igualmente difíceis no passado, como crise cambial e alta inflação. Podemos fazer de novo, desde que abandonemos ilusões e terrorismos fiscais.

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