Ações de bancos despencam após reportagem sobre supostas transações ilegais

Instituições teriam suspeitado de atividade ilícita, mas processaram grandes volumes de qualquer maneira

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Nova York

Grandes bancos mundiais tiveram forte desvalorização nesta segunda-feira (21) após reportagens sobre supostas participações em transações ilícitas. No Reino Unido, HSBC e Standard Chartered foram aos menores valores desde 1998, com quedas de 5,3%, a 288 libras (R$ 1.998), e de 5,82%, a 338 libras (R$ ), respectivamente.

Já os papéis do Deutsche Bank despencaram 8,76%, a 7 euros (R$ 44,60), mínima desde maio. Nos Estados Unidos, JPMorgan Chase caiu 3,09%, a US$ 95,31 (R$ 514,67) e Bank of America cedeu 2,94%, a US$ 24,47 (R$ 132,13).O Bank of New York Mellon teve queda de 4%, a US$ 33,97 (R$ 183,43).

Um conjunto de milhares de relatórios que estes bancos apresentaram a reguladores federais indicam que eles teriam ajudado suspeitos de terrorismo, traficantes de drogas e autoridades estrangeiras corruptas a movimentar trilhões de dólares em todo o mundo, apesar das preocupações dos próprios bancos sobre a natureza suspeita das transações.

Escritório do Deutsche Bank em Londres
Escritório do Deutsche Bank em Londres; ações do banco alemão caíram quase 9% nesta segunda (21) - Tolga Akmen / AFP

Os documentos, conhecidos como relatórios de atividades suspeitas (SARs na sigla em inglês), foram obtidos pelo BuzzFeed News e compartilhados com um consórcio mundial de jornalistas. Os mais de 2.100 relatórios, apresentados pelos principais bancos dos Estados Unidos e internacionais, referem-se a mais de US$ 2 trilhões (R$ 10,80 trilhões) em transações entre 1999 e 2017.

Os bancos são obrigados a apresentar os relatórios à Rede de Execução de Crimes Financeiros do Departamento do Tesouro dos EUA, ou FinCEN, sobre transações que poderiam fazer parte de um esquema de lavagem de dinheiro, fraude ou outra atividade ilegal.

O BuzzFeed obteve os SARs apresentados pelos maiores credores dos EUA —incluindo JPMorgan Chase, Citigroup e Bank of America— e por grandes instituições internacionais como Deutsche Bank, HSBC e Standard Chartered. Muitos desses bancos foram penalizados diversas vezes por autoridades dos Estados Unidos e de outros países por atuarem na lavagem de dinheiro.

O BuzzFeed e o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (Ciji), que colaboraram no projeto, não divulgaram muitos dos relatórios reais que obtiveram. Em uma declaração neste mês, o FinCEN alertou que "a divulgação não autorizada de SARs é um crime que pode afetar a segurança nacional dos Estados Unidos, comprometer as investigações judiciais e ameaçar a segurança de instituições e indivíduos que apresentam esses relatórios".

Entre as principais descobertas do BuzzFeed estão que o Standard Chartered, que opera principalmente na Ásia, Oriente Médio e África, pode ter ajudado a movimentar fundos em nome de uma empresa sediada em Dubai que supostamente tinha ligações com o Taleban.

O JPMorgan, o Bank of New York Mellon e outros bancos parecem ter ajudado a movimentar mais de US$ 150 milhões para empresas ligadas ao regime norte-coreano, de acordo com uma reportagem da NBC News.

No final de 2013, os funcionários do JPMorgan Chase também apresentaram pelo menos oito SARs sobre atividades bancárias relacionadas a Paul Manafort, diretor da campanha eleitoral do presidente Donald Trump em 2016. O JPMorgan também movimentou mais de US$ 1 bilhão para o suposto mentor de uma fraude gigante envolvendo um fundo soberano da Malásia.

Em um relatório de atividades suspeitas obtido pelo BuzzFeed, funcionários do Bank of America no início de 2016 alertaram o governo federal sobre sua desconfiança de que o Deutsche Bank estaria deixando de detectar e prevenir a lavagem de dinheiro. O Deutsche Bank está entre os bancos mais penalizados do mundo, em parte por seu trabalho de lavagem de dinheiro para oligarcas russos.

"Desempenhamos um papel de liderança na reforma contra a lavagem de dinheiro que modernizará a forma como o governo e as autoridades combatem a lavagem de dinheiro, o financiamento ao terrorismo e outros crimes financeiros", disse Patricia Wexler, porta-voz do JPMorgan.

"Levamos extremamente a sério nossa responsabilidade de combater o crime financeiro e investimos substancialmente em nossos programas de cumprimento da lei", afirmou Chris Teo, porta-voz do Standard Chartered.

Um representante do Bank of New York Mellon não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.
O Deutsche Bank já havia dito que está trabalhando para melhorar seus sistemas de combate à lavagem de dinheiro.

O Deutsche Bank tem sofrido escrutínio nos Estados Unidos por seu antigo papel como principal credor de Trump. O BuzzFeed disse que não recebeu nenhum relatório de atividades suspeitas envolvendo Trump.

O The New York Times noticiou no ano passado que oficiais de combate à lavagem de dinheiro do Deutsche Bank levantaram preocupações sobre transações envolvendo as contas de Trump e Jared Kushner, genro do presidente, mas que os diretores do banco decidiram não apresentar relatórios de atividades suspeitas.

Os relatórios relacionados a Manafort parecem ter ajudado a trazer à luz a grande coleção de documentos. De acordo com o BuzzFeed, os comitês democratas do Congresso solicitaram os documentos do Departamento do Tesouro enquanto investigavam Trump e a eleição presidencial de 2016.

Os documentos sugerem que os bancos às vezes usam o sistema de denúncia de atividades suspeitas como cobertura jurídica para facilitar atividades potencialmente ilegais, e que os relatórios pouco ajudam as autoridades federais a processar os perpetradores.

Cada um dos maiores bancos apresenta dezenas de milhares de relatórios de atividades suspeitas todos os anos, e o número total aumentou significativamente na última década. Ao mesmo tempo, o pessoal do FinCEN encolheu.

O FinCEN, que não respondeu imediatamente a um pedido de comentários no domingo (20), anunciou na semana passada que estava buscando mudanças para melhorar a eficácia dos programas de combate à lavagem de dinheiro.

Recentemente, os bancos pressionaram o Congresso americano a isentá-los de algumas de suas responsabilidades de combate à lavagem de dinheiro. Eles dizem que estão tão preocupados com as consequências jurídicas de não informar atividades suspeitas que erram ao relatar transações em excesso.

Em 2017, 19 grandes bancos apresentaram um total de 640 mil relatórios de atividades suspeitas, de acordo com um estudo do Bank Policy Institute, um grupo de lobby.

Não é raro que os bancos alertem os reguladores sobre atividades que podem ser ilegais e, em seguida, processem as transações sinalizadas. Entre 2011 e 2013, por exemplo, o JPMorgan transferiu dinheiro para bancos na Suíça, Líbano e Nigéria em nome de um lavador de dinheiro condenado, relatou as transações às autoridades britânicas e americanas e deu continuidade a seus negócios.

O governo nigeriano está processando o banco na Justiça britânica por desembolsar dinheiro em transações que, segundo as autoridades, não deveriam ter sido autorizadas a sair do país.

Especialistas em crime financeiro disseram que as revelações do BuzzFeed deveriam estimular os esforços para revisar a forma como a lavagem de dinheiro é investigada e processada.

"Trilhões de dólares em dinheiro sujo escorrem pelo sistema financeiro em uma mistura tóxica de receitas criminosas", escreveu Linda Lacewell, superintendente do Departamento de Serviços Financeiros de Nova York, no Twitter. "O SAR deve ser o início da análise, não o fim. Precisamos agir."



Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

(Com The New York Times)

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