Descrição de chapéu The New York Times

Como a Amazon conquistou a Itália durante a pandemia com vinho e piscina inflável

Desde 2010 no país, varejista sofre com falta de acesso da população à banda larga e com estradas ruins, especialmente no sul

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Funcionários da Amazon selecionam pacotes em galpão em Arzano, Itália Gianni Cipriano/The New York Times

Adam Santariano Emma Bubola
Nápoles | The New York Times

Ludovica Tomaciello jamais tinha feito compras na Amazon antes de ficar presa na casa dos pais, em março, durante o lockdown do coronavírus na Itália. Certa tarde, ela estava entediada e vendo vídeos do TikTok, e viu elásticos para o cabelo que atraíram seu interesse. Uma busca a ajudou a encontrá-los, e ela fez um pedido na Amazon.

Quando o pacote chegou, ela virou freguesa. Não demorou a assinar para o programa Amazon Prime, e usou o site para comprar uma tapeçaria e luzes néon para decorar seu quarto; blusas de alça, jeans e um par de tênis Air Jordan magenta; ela também pediu um controle remoto que a ajudava a fazer selfies para o Instagram.

“Minha mãe logo começou a reclamar e pedir que eu parasse com aquilo”, diz Tomaciello, 19, que está estudando letras, em uma conversa em um café perto de sua casa em Avellino, cerca de 30 quilômetros a leste de Nápoles. Quando as lojas reabriram, em maio, a Amazon continuou a ser sua forma preferida de comprar, por conta da conveniência, da escolha ampla e dos preços, diz. Uma amiga até pediu que ela usasse sua conta para comprar discretamente um teste de gravidez.

“Minha mãe estava tipo, 'você pode parar com isso?'”, diz Ludovica Tomaciello, 19, que mora em Avellino, Itália - Gianni Cipriano/The New York Times

A Amazon foi uma das grandes beneficiárias da pandemia, quando pessoas em seus mercados mais estabelecidos —Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido— passaram a recorrer à loja para comprar todo tipo de produtos, de papel higiênico a jogos de tabuleiro. Um dado menos percebido foi que pessoas de países que tradicionalmente resistiam à gigante do comércio eletrônico começaram a descobrir seus encantos, quando o varejo passou meses fechado por conta do coronavírus.

A virada foi especialmente pronunciada na Itália, que foi um dos primeiros países a ser atingido com dureza pelo coronavírus. Os italianos tradicionalmente preferem fazer compras em lojas e pagar em dinheiro. Mas depois que o governo impôs o primeiro lockdown nacional a ser causado pelo coronavírus na Europa, os italianos passaram a adquirir produtos online em volume recorde.

Mesmo agora, depois que a Itália se saiu melhor que a maioria dos países em resistir à onda do vírus, permitindo que as pessoas voltem às lojas, a virada de comportamento em favor do comércio eletrônico não perdeu o ímpeto. As pessoas estão usando a Amazon para adquirir produtos básicos como vinho e presunto, bem como webcams, cartuchos para impressoras e pulseiras de fitness. Em determinado momento, os pedidos de piscinas infláveis estavam sendo entregues com tanto atraso, devido ao excesso de demanda no site, que alguns compradores se queixaram.

Salvatore Ciliberti recuperou seu pedido em um armário da Amazon nos arredores de Nápoles, Itália - Gianni Cipriano/The New York Times

“A mudança é real, a mudança é profunda, e a mudança veio para ficar”, diz David Parma, que conduziu pesquisas sobre a mudança de comportamento dos consumidores na Itália para o instituto Ipsos, em Milão. “A Amazon é a grande beneficiária”.

A América do Norte é o maior mercado da Amazon, respondendo por dois terços do seu movimento anual de US$ 245,5 bilhões em negócios de varejo. Mas a empresa sediada em Seattle agora está de olho na Europa e outros mercados novos, para crescer.

A Amazon ingressou no mercado da Itália em 2010; sua primeira venda no país foi de um livro infantil. Mas a companhia obteve sucesso nos últimos 10 anos. Menos de 40% dos italianos fizeram compras online no ano passado, ante 87% dos britânicos e 79% dos alemães, de acordo com a Eurostat, a agência de estatísticas da União Europeia.

A Amazon foi prejudicada na Itália pela falta de acesso da população a serviços de banda larga e pelas estradas ruins para a entrega de pacotes, especialmente no sul. A Itália tem a população mais velha da Europa, e muita gente hesita em fornecer seus detalhes financeiros online. Contas de comércio eletrônico respondem por apenas 8% dos gastos no varejo do país.

“Há algumas questões estruturais que tivemos de enfrentar”, diz Mariangela Marseglia, a diretora nacional da Amazon na Itália. “Infelizmente, nosso país era e ainda é um daqueles em que a compreensão e cultura da tecnologia são baixas”.

O ponto de inflexão foi a pandemia. Parma diz que 75% dos italianos fizeram compras online durante o lockdown. A estimativa de crescimento das vendas online totais é de 26%, para o recorde de 22,7 bilhões de euros, este ano, de acordo com pesquisadores da Universidade Politécnica de Milão.

O Netcomm, um consórcio de varejo online italiano, definiu a tendência como “um salto evolutivo de 10 anos”, com mais de dois milhões de italianos tentando o comércio eletrônico pela primeira vez entre janeiro e maio deste ano.

Restam obstáculos para a Amazon. Pequenas e médias empresas são parte integral da sociedade italiana. Elas respondem por cerca de 67% da economia do país, excetuado o setor financeiro, e respondem por 78% dos empregos italianos, o que é superior à média dos países da União Europeia, de acordo com a Eurostat.

Em Gragnano, uma cidade no topo de uma colina perto da costa amalfitana, que tem um histórico de 500 anos como polo de produção de massas, Ciro Moccia, dono da La Fabbrica della Pasta disse que a Amazon era um monopólio “perigoso” capaz de destruir empresas como essa, que dependem de transmitir ao público a ideia de qualidade de seus produtos.

Membro da família Moccia, Antonino Moccia, em sua fábrica de massas, que começou a vender pela Amazon durante a pandemia - Gianni Cipriano/The New York Times

Mas durante o lockdown, sua empresa não teve escolha a não ser vender via Amazon, por conta do fechamento de muitas lojas. Falando na fábrica da família recentemente, em uma área na qual a farinha de semolina é misturada com água mineral de uma fonte local e cortada na forma de 140 tipos diferentes de massa, Moccia disse que “estou muito preocupado”.

O filho dele, Mario, 24, tentou convencer o pai a vender mais online durante anos, e disse que considerava a tendência como uma oportunidade.

“Se você não está na Amazon, não tem a mesma visibilidade”, diz Mario.

O sucesso da Amazon atraiu atenção. Os sindicatos criticaram as práticas trabalhistas da empresa, e convocaram uma greve de alguns dias de duração em março por conta das normas de segurança adotadas pela companhia com relação ao coronavírus.

As autoridades regulatórias italianas estão investigando se a Amazon manipulou preços durante a pandemia. Em 2017, a empresa fechou um acordo com as autoridades para pagar 100 milhões de euros, ou US$ 118 milhões, a fim de resolver uma disputa tributária.

Marseglia diz que a Amazon foi “um salva-vidas para os clientes” durante a pandemia, e ofereceu um novo caminho para que empresas chegassem aos consumidores online.

Um funcionário da Amazon descarrega um caminhão de pacotes que serão processados em uma estação de entrega em Arzano, Itália - Gianni Cipriano/The New York Time

A Amazon correu para acompanhar a demanda. Planeja abrir dois novos centros de processamento e sete estações de distribuição na Itália. Também planeja contratar cerca de 1,6 mil novos trabalhadores até o final do ano, o que conduzirá sua força de trabalho em período integral a 8,5 mil pessoas no país, ante menos de 200 em 2011.

“Estamos acelerando o ritmo de nossos investimentos e de contratação de pessoal novo”, diz Marseglia, que nasceu na Apúlia, sul da Itália.

Com um índice de desemprego de cerca de 9% no país —e de perto de 20% em certas regiões do sul—, muita gente está ansiosa para que a Amazon se expanda.

Quando Francesca Gemma se formou na universidade, em 2016, a Amazon era a única empresa que estava contratando em sua área. Ela agora trabalha em um centro de processamento da Amazon, retirando centenas de produtos das prateleiras a cada hora para que possam ser encaminhados aos compradores.

“No primeiro dia, a sensação dos músculos das minhas pernas era a de ter corrido uma maratona —eu nem consegui subir as escadas”, diz. “Não é para todo mundo, mas é um emprego”.

Gemma, que também é representante da Cgil, uma das centrais sindicais nacionais, no centro de processamento, diz que o número de pedidos disparou durante o lockdown e que continua elevado. Mas acrescentou que, excetuadas algumas bonificações que recebeu no pico da emergência, a Amazon não deu ao pessoal de seus galpões muita participação no sucesso.

“Não ficou coisa alguma para os trabalhadores”, diz Gemma, acrescentando que seu trabalho havia se tornado mais monótono por conta dos protocolos sanitários adotados.

A Amazon diz que paga salários superiores à média aos trabalhadores de seus armazéns.

A empresa fez um esforço para seduzir os italianos. Os pais são encorajados a comprar em seu seu site por meio de um programa que pode encaminhar uma porcentagem do valor de suas compras às escolas de seus filhos.

Em Calitri, uma aldeia de quatro mil moradores no sul da Itália, a Amazon patrocinou um festival de Natal no ano passado como parte de uma campanha de marketing para demonstrar que é capaz de atingir até mesmo as áreas mais isoladas. A empresa pagou por uma árvore de Natal na praça da cidade e deu presentes às crianças. A esperança do prefeito era que isso levasse mais agricultores e artesãos a vender pelo site.

Mas Luciano Capossela, joalheiro em Calitri, ajudou a organizar um protesto contra o festival de Natal, com outros lojistas, que fecharam suas lojas e deixaram suas vitrines às escuras por uma noite.

Luciano Capossela, joalheiro de Calitri, ajudou a organizar um protesto contra a Amazon no ano passado - Gianni Cipriano/The New York Times

Ele percebeu que a comunidade adotou a Amazon. Um cliente recentemente lhe encaminhou uma imagem de tela de um relógio de pulso à venda na Amazon, perguntando se Capossela podia fazer o mesmo preço.

Quando ele respondeu que o preço da Amazon era mais baixo do que ele pagaria pelo produto ao distribuidor, o cliente não replicou.

“Se continuarmos assim, em 10 a 15 anos só teremos a Amazon e nada mais existirá”, diz Capossela. Em uma área onde a queda de população é tão grave que alguns imóveis estão à venda por apenas um euro, ele disse que o protesto do ano passado pretendia servir como alerta: “Uma aldeia com entregadores mas sem lojas”.

Ele mostrou uma imagem em seu celular, uma foto tirada na manhã seguinte ao festival da Amazon. A árvore de Natal tinha sido derrubada por uma tempestade.

“Foi a vontade de Deus”, diz.

Tradução de Paulo Migliacci

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