Covid-19 pode ser doença ocupacional mesmo fora da lista do governo

Enquadramento depende da perícia médica federal, que é quem estabelece a relação com o trabalho

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São Paulo

A classificação da Covid-19 como uma doença ocupacional –e portanto, relacionada à atividade desempenhada pelo trabalhador– depende da avaliação do perito médico federal, que aprova ou não a concessão de benefícios por incapacidade no INSS.

Na terça (1º), o Ministério da Saúde publicou uma portaria incluindo a Covid-19 na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho. Na quarta (2) pela manhã, em edição extra do “Diário Oficial da União”, revogou a medida.

Na prática, para o trabalhador, isso não quer dizer que a concessão do benefício previdenciário por doença ocupacional fique necessariamente mais difícil.

O INSS utiliza uma relação própria, elaborada pelo antigo Ministério do Trabalho e da Previdência Social (pasta hoje abrigada no Ministério da Economia), para balizar a caracterização de uma doença como acidente de trabalho ou doença profissional –e essa lista não foi atualizada, tampouco revogada.

Quando uma doença não está nessa relação, cabe ao perito médico federal identificar o que o INSS chama de nexo causal entre o trabalho e a doença ou acidente.

Esse nexo causal pode ser explicado como um conjunto de fatores que permitem estabelecer que o acidente ou desenvolvimento da doença tem relação com a atividade profissional.

O advogado Rômulo Saraiva, colunista do Agora, diz que esse nexo não se dá apenas com a contaminação (ou ainda, considerando outras doenças, no diagnóstico), mas a partir de um conjunto de variáveis que podem ser consideradas atenuantes ou agravantes.

Nesse sentido, empregador e empregado têm papéis igualmente importantes na composição dessas variáveis.

Para que um caixa de supermercado diagnosticado com Covid-19, por exemplo, tenha a contaminação considerada ocupacional é necessário que o perito identifique essa relação. Informações constantes no atestado podem ser confrontadas com dados do Cnae (Cadastro Nacional de Atividades Econômicas).

Atualmente, as perícias presenciais estão suspensas, mas o médico também pode questionar as condições de proteção oferecidas pela empresa. Se, a partir dessa avaliação, houver o estabelecimento do nexo causal, a empresa pode contestar e terá de apresentar seu plano de saúde e segurança do trabalho, a relação de EPI (equipamentos de proteção individual), os protocolos de limpeza e higiene e a fiscalização do cumprimentos dessas medidas.

O trabalhador que considere ter ficado doente por conta do trabalho ou porque a empresa não forneceu segurança suficiente também pode entrar com recurso no INSS e solicitar a alteração do tipo de benefício.

São duas as principais diferenças, para o trabalhador, entre ter um benefício previdenciário comum ou um acidentário (como são chamados aqueles relacionados ao trabalho).

Quando está recebendo esse último, o trabalhador tem direito à estabilidade no emprego nos 12 meses seguintes ao retorno da licença. Os depósitos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) também são mantidos.

Entretanto, quando o Ministério da Saúde incluiu a Covid-19 na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, esses direitos não passaram, mesmo que por apenas algumas horas, a serem automáticos e obrigatórios a todos os trabalhadores que foram ou vierem a ser contaminado pelo coronavírus.

Para Luiz Antonio dos Santos Júnior, sócio da área trabalhista do Veirano Advogados, a revogação foi necessária devido à interpretação equivocada da portaria. “O principal efeito é fortalecer a necessidade de confirmação de que a doença foi adquirida no ambiente ou por força do trabalho, o nexo causal”.

O professor Ricardo Calcini, da FMU, diz que havia lógica na inclusão da doença na lista, uma vez que a Medida Provisória 927, que tratava do assunto e chegou a ter sua legalidade discutida pelo Supremo Tribunal Federal, perdeu a validade antes de ser convertida em lei. Para ele, a publicação deixava as empresas em situação de insegurança.

Jorge Matsumoto, do Bichara Advogados, diz que a inclusão na lista do Ministério da Saúde acabava jogando para a empresa a responsabilidade de comprovar que a contaminação não era relacionada à atividade, fortalecendo a presunção de que as duas situações estavam ligadas.

O Ministério da Saúde afirma, em nota, que a portaria foi revogada porque recebeu contribuições técnicas sugerindo ajustes.

"Essas sugestões precisam ser analisadas pela pasta e demais órgãos envolvidos antes da republicação do texto”, afirmou.

Na quarta, o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) apresentou um projeto de decreto legislativo para tentar cancelar os efeitos da portaria que anulou a mudança na lista de doenças. O presidente da CUT, Sérgio Nobre, divulgou nota criticando a revogação da portaria, o que considerou “um descaso com as categorias essenciais”.

*

Diferenças entre o auxilio-doença comum e o acidentário

Carência (tempo mínimo de contribuições efetivamente recolhidas)

  • 12 meses no auxílio comum (doenças como câncer, turbeculose e cardiopatia grave não têm carência)
  • Isenta no auxílio acidentário

Estabilidade no emprego

  • Não há no auxílio comum
  • 12 meses no auxílio acidentário, contados do retorno ao trabalho

FGTS

  • Empresa não é obrigada a pagar no auxílio comum
  • Empresa é obrigada a pagar no auxílio acidentário
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