Equipe econômica recomenda veto a perdão tributário de igrejas, que devem mais de R$ 1 bi

Proposta foi criada por deputado filho de R. R. Soares, fundador de igreja cobrada pela União

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Brasília

A equipe econômica recomenda veto a uma proposta de lei que concede anistia em tributos a serem pagos por igrejas, que têm mais de R$ 1 bilhão em dívidas registradas com a União segundo levantamentos do governo​. A decisão final é do presidente Jair Bolsonaro.

A proposta que beneficia entidades religiosas foi criada pelo deputado David Soares (DEM-SP) e inserida em um projeto de lei sobre a resolução de litígios com a União. Ele é filho do pastor R. R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus (entre as principais devedoras).​​

O texto altera a lei de 1988 que instituiu a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) para remover templos da lista de pessoas jurídicas consideradas pagadoras do tributo, além de anular autuações que desrespeitem a premissa. A justificativa é que a Constituição dá proteção tributária às igrejas, mas o argumento é contestado.

Presidente Jair Bolsonaro ao lado do missionário R. R. Soares, em cerimônia de celebração de 40 anos da Igreja Internacional da Graça de Deus
Presidente Jair Bolsonaro ao lado do missionário R. R. Soares, em cerimônia de celebração de 40 anos da Igreja Internacional da Graça de Deus - Carolina Antunes/PR

Em outro trecho, o projeto concede anistia retroativa à cobrança de impostos previdenciários nas remunerações pagas a membros religiosos (como os pastores). A proposta busca aplicar o entendimento que os valores não são remunerações.

Na visão de membros do Fisco, as igrejas muitas vezes pagam salários a um grande número de pessoas, de empregados a pastores, e classificam os repasses com outros nomes (doações, por exemplo). Como muitas vezes as igrejas têm um grande número de empregados, a União deixa de recolher um volume significativo de recursos em Imposto de Renda e contribuições previdenciárias.

Nem todas as igrejas seguem a prática. Auditores afirmam que há casos em que os empregados e pastores são registrados conforme rege a lei, inclusive sob o regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Em um primeiro momento, a proposta havia sido rejeitada na Câmara. O deputado Fábio Trad (PSD-MS), relator, afirmou que estava se tentando estabelecer algo que a Constituição não diz. A imunidade constitucional é restrita a impostos, não alcançando as contribuições sociais.

Já sobre o segundo ponto, acerca dos valores recebidos por pastores, Trad considerou a norma desnecessária. Mesmo assim, os trechos foram inseridos no projeto de lei, que foi aprovado e seguiu ao Senado.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) tentou retirar os trechos por considerá-los estranhos ao texto original. “Não cabe a este projeto de lei decidir sobre os contenciosos em curso, mas apenas definir as regras para o estabelecimento de acordos para solução desses conflitos”, afirmou ele no texto.

No fim, a proposta foi aprovada e agora está à espera de uma decisão de Bolsonaro por vetar ou sancionar. O Palácio do Planalto acionou ministérios como o da Economia para pareceres técnicos acerca de uma decisão.

Na equipe econômica, dois pareceres já recomendam veto aos trechos que beneficiam as igrejas. Entre os argumentos, está o impacto fiscal da medida.

Conforme já mostrou a Folha, somente na Receita Federal o total de débitos pendentes de entidades religiosas é de aproximadamente R$ 1 bilhão, de acordo com informação colhida pelos auditores a pedido do Congresso em meados do ano passado.

Na PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), havia na mesma época outros R$ 462 milhões em dívidas registradas.

A Receita Federal já foi acionada pelo presidente Jair Bolsonaro para analisar pleitos de lideranças evangélicas, que querem uma solução para deixar de pagar dívidas cobradas pela União. Os evangélicos representam um dos principais grupos de apoio de Bolsonaro.

Em abril, o secretário da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, foi chamado por Bolsonaro para uma reunião no Palácio do Planalto com o deputado Soares. Durante a reunião, foi solicitado à Receita uma análise sobre as dívidas tributárias de igrejas. Uma das queixas das organizações religiosas são autuações sofridas nos últimos anos.

Apesar de membros da Receita afirmarem que não houve pressão no encontro com Bolsonaro e que nada será feito de forma irregular, o Sindifisco (entidade que representa auditores) viu no episódio um atropelo de Bolsonaro nas leis para beneficiar certos contribuintes.

“É com espanto que vemos essa investida do presidente da República, que atropela as leis para, em benefício de alguns contribuintes, atentar contra a administração pública e o equilíbrio do sistema tributário”, afirma a entidade, em nota, na época.

Os pedidos ao governo de medidas no âmbito tributário para as igrejas ocorrem desde, pelo menos, a gestão do então secretário especial da Receita, Marcos Cintra, que deixou o cargo em setembro de 2019.

Em junho do ano passado, duas normas foram publicadas no Diário Oficial da União para atender templos após pedidos de pastores. Uma delas estabeleceu que organizações religiosas que arrecadem abaixo de R$ 4,8 milhões sejam dispensadas de apresentar Escrituração Contábil Digital (ECD), um sistema de envio de dados à Receita. Antes, esse teto era de R$ 1,2 milhão.

Guedes também já foi chamado para reuniões no Planalto com a presença de Cintra e líderes religiosos como o pastor Silas Malafaia. Em agosto de 2019, um desses encontros tratou de “questões afetas àquele seguimento da sociedade” (nas palavras do Ministério da Economia).

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