EUA barram boicote e candidato de Trump é eleito presidente do BID

Americano quebra tradição de 60 anos ao comandar banco; Brasil pode perder espaço

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Washington

Os EUA barraram um boicote na eleição deste sábado (12) e levaram Mauricio Claver-Carone à presidência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Os países que se opunham à candidatura do americano não conseguiram alcançar os 25% de abstenção necessários para adiar o pleito e não impediram a vitória de Carone, que era candidato único.

Indicado por Donald Trump, Carone venceu a disputa com mais de 65% dos votos e quebrou uma tradição de seis décadas em que um nome da América Latina comandava a instituição. Ele deve tomar posse em outubro para um mandato de cinco anos, no lugar do colombiano Luis Alberto Moreno, à frente do banco desde 2005.

Mauricio Claver-Carone, advogado e funcionário público americano. Ele é conhecido por defender uma política linha-dura contra Cuba e por influenciar a política do governo Trump em relação à Venezuela
Mauricio Claver-Carone, advogado e funcionário público americano. Ele é conhecido por defender uma política linha-dura contra Cuba e por influenciar a política do governo Trump em relação à Venezuela - Divulgacao/The White House

Com a escolha de Carone, Trump atropelou o Brasil --que queria respaldo dos EUA a seu candidato, e agora deve perder espaço em áreas estratégicas do BID, mesmo após ter sido um dos poucos países da região a apoiar publicamente o americano.

O movimento dos EUA incomodou diversos países, que articulavam o adiamento da disputa deste sábado.

O objetivo do grupo, que contava inicialmente com integrantes da União Europeia, Chile, Argentina e México, era que a votação ocorresse somente em março de 2021, depois da eleição americana.

Caso acontecesse no próximo ano, o presidente dos EUA poderia ser o democrata Joe Biden, que hoje lidera pesquisas nacionais e em estados-chave e não é alinhado a Carone.

Em agosto, integrantes do governo do México afirmaram que o país defendia postergar a eleição, logo depois de a chancelaria do Chile também ter apoiado a proposta. No fim de julho, o alto representante para a Política Exterior e Segurança Comum da União Europeia, Josep Borell, havia dito que a votação deveria ser feita somente no próximo ano.

Nos últimos dias, porém, a articulação perdeu força, com atuação de Carone e de Trump que, segundo mexicanos, firmou acordo com o presidente Andrés Manuel López Obrador.

Autoridades dos governos da Argentina e do México, dois integrantes-chave do movimento de oposição, foram então a público admitir não haveria voto suficiente para postergar a eleição, enquanto representantes de países europeus afirmavam a americanos que não votariam em bloco --e que muitos apoiariam Carone.

A eleição do BID é feita pela assembleia de governadores da instituição. Os EUA têm 30% dos votos, enquanto o Brasil tem cerca de 11%, assim como Argentina, os dois maiores percentuais da região.

Para vencer, é preciso alcançar a maioria dos votos e ter 15 dos 26 apoios regionais.

Já para adiar o pleito, os países signatários do movimento não deveriam fazer login no sistema virtual do BID. Caso 25% ou mais dos votantes não comparecessem —por conta da pandemia, neste caso, remotamente—, o pleito seria adiado.

Os europeus, somados ao Reino Unido, têm 10,9% se votam em bloco --o que não foi o caso--, argentinos contam com 11,3%, mexicanos, 7,2%, e chilenos têm 3,1% do poder de voto.

Alijado das negociações, o Brasil deve perder poder dentro do banco e ficar com a vice-presidência executiva do BID que, na prática, não tem grandes funções decisórias.

Carone tem sinalizado que pode dar o cargo aos brasileiros mas, segundo pessoas que participam das negociações, o americano tem feito promessas semelhantes a diversos países.

Carlos Alexandre da Costa, secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do governo Bolsonaro, é um dos cotados para o cargo.

Até agora, o Brasil comandava a vice-presidência de setores, um cargo de relevância em diálogo com todos os países para determinar a demanda de empréstimos do banco. Antes disso, já teve a gerência de infraestrutura. Ambos os postos devem ser redistribuídos na gestão Carone.

Em entrevista à Folha, Carone disse que o BID pode ajudar a tirar empresas americanas da China, sinalizando que o banco pode virar mais um instrumento da disputa comercial entre Washington e Pequim.

O governo Bolsonaro acreditava que Trump apoiaria Rodrigo Xavier, ex-presidente do UBS e do Bank of America no Brasil, lançado publicamente pelo ministro Paulo Guedes (Economia) para o cargo, mas não foi o que aconteceu.

Carone é diretor do Conselho de Segurança Nacional para Assuntos do Hemisfério Ocidental, e um dos elaboradores das políticas mais linha-dura contra o governo de Nicolás Maduro, na Venezuela. Mesmo que Trump não seja reeleito, seu aliado seguirá no cargo e deve manter a postura, com muita influência na região.

Caso seguisse a habitual rotação com presidentes de países que ainda não presidiram o BID, candidatos do Brasil ou da Argentina seriam os com mais chance de receber apoio significativo na disputa deste ano.

Com o esquerdista Alberto Fernández presidindo a Argentina, o Brasil avaliou que poderia ter mais um ativo na busca pelo apoio de Trump, mas o presidente americano, mais uma vez, indicou que seus interesses estão acima de qualquer tipo de aliança com outros países.

Em nota, os ministérios da Economia e das Relações Exteriores do Brasil disseram que o governo brasileiro congratula o novo presidente do banco, cuja eleição foi “apoiada pelo governo brasileiro” e “representa uma proposta de gestão pragmática, transparente, eficiente e associada a valores comuns e fundamentais às Américas, como democracia, liberdade econômica, desenvolvimento sustentável e Estado de Direito”.

“Nesse espírito o Brasil acredita que o BID terá papel ainda maior para alavancar os recursos necessários para apoiar a recuperação econômica da região, principalmente por meio de investimentos do setor privado e em infraestrutura.”

Colaborou Larissa Garcia, de Brasília

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