Folha cumpre decisão judicial e publica sentença

Ação foi proposta sobre reportagem veiculada em maio de 2000

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JUIZADO DE DIREITO DA DÉCIMA SEXTA VARA CÍVEL DE BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL. Proc.: 58118-2/00 – Volume II. Autores: SANDRA MARIA DIAS NUNES e OUTROS. Requeridos: OSWALDO JOSÉ BARBOSA SILVA e EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A. Ação: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA. Vistos, etc. SANDRA MARIA DIAS NUNES, CÂNDIDO RODRIGUES NEUBER, WILSON BIADOLA, MÁRCIA MARIA LÓRIA MEIRA, MÁRCIO MACHADO CALDEIRA, VICTOR LUÍS DE SALLES FREIRE, JEZER DE OLIVEIRA CANDIDO, EDISON PEREIRA RODRIGUES, FRANCISCO DE ASSIS MIRANDA, KAZUKI SHIOBARA, SEBASTIÃO RODRIGUES CABRAL, RAUL PIMENTEL, SANDRA MARIA FARONI e CELSO ALVES FEITISA, qualificados, ajuizaram a OSWALDO JOSÉ BARBOSA SILVA e EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A, também qualificados, AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, dizendo na inicial serem eles membros do Primeiro Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, órgão recursal de julgamentos proferidos pelos Delegados da Receita Federal em que processos relativos a imposto de renda de pessoas jurídicas, e que eles, em função desta circunstância, julgaram recursos envolvendo o IGASE, a eles dando provimento, com o que não concordou o primeiro demandado, o que o levou a ajuizar Ação Civil Pública, e, ainda, a dar entrevista publicada pela segunda demandada, caluniosa e difamante, o que lhes causou dano moral, pedindo a condenação dos requeridos a lhes pagar danos morais, além de ser a segunda requerida condenada a divulgar, com igual destaque dada à matéria, pelo mesmo número de vezes, a sentença, e a imposição aos demandados dos ônus da sucumbência. A inicial veio corretamente formulada e acompanhada de documentos. Resposta do primeiro demandado de fls.81/92, acompanhada de documentos, onde o requerido argui preliminares de ausência de pressuposto processual, por falta de pedido certo e determinado, e ser a inicial inepta por não atender ela a lei de imprensa e, no mérito, que nunca fez ataques pessoais aos autores, criticando, na entrevista, atividade funcional, que teve erros gritantes em julgamentos, sendo ela inspirada pelo interesse público, não tendo ele proferido inverdades, terminando por dizer que só citou uma pessoa, e que se houver o atendimento do pedido o valor da condenação deve ser moderado. Resposta da segunda demandada de fls.116/148, acompanhada de documentos, onde sustenta não ter causado dano moral aos requerentes, não tendo a matéria apontada como ofensiva, publicada em nome do interesse público, mantendo-se ela dentro dos limites legais e éticos, sendo dado aos autores, antes da publicação, possibilidade de manifestação, terminando por dizer não haver provas dos alegados danos, e que o valor da condenação, em havendo ela, deve obedecer a lei de imprensa. Decisão de fls.183 que rejeitou as preliminares e determinou especificação de provas, e de fls.194 que deferiu a produção de prova oral e designou audiência, realizada (ata de fls.255), onde se tomou depoimentos pessoais. Agravo retido oferecido pela segunda demandada de fls.195/197. Nova audiência realizada (ata de fls.263), quando se ouviu uma testemunha, encontrando-se razões finais dos autores às fls.268/2852, do primeiro demandado às fls.288/289, e da segunda requerida às fls.290/303. Este o relatório. FUNDAMENTO A DECISÃO. A causa de pedir, a razão de estarem os autores em Juízo são ofensas que o primeiro teria a eles proferido, e que teriam sido divulgadas pela segunda requerida. Correta se apresenta a causa de pedir, se mostrando ela verdadeira. Efetivamente houve ofensa. Disse o requerido na matéria publicada pela requerida a seguinte expressão: “Os conselheiros participaram de um julgamento safado.” Está a ofensa a justificar o dano moral. Safado é aquele que participa de safadezas, e que no dicionário é tido como desavergonhado, descarado, imoral, pornográfico. Evidente que não se pode dizer que uso de expressão tão dura, de conotação tão grave, tenha sido somente no legítimo exercício de função pública, na defesa dos interesses da comunidade. Isto se poderia entender como caracterizado no uso do Poder Judiciário, quando houve o ajuizamento de Ação Civil Pública, e, ainda, quando houve a estranheza com o conteúdo da decisão, que, na visão do demandado, não poderia decorrer de imperícia, mas, nunca, na rotulação dos requerentes como participantes de julgamento safado, sendo evidente que ela extrapola as possibilidades legais de uso de direito e vem a se constituir em ofensa. Não se pode perder de vista que, para as pessoas que souberam da acusação, as tipificações penais, de haver ou não este ou aquele crime, nada dizem, valendo-se elas do senso comum, da verdade estabelecida entre todos de que safados são pessoas sobre as quais se tem juízo negativo. Ensina Moacyr Amaral Santos: “ART.335. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comuns subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial”. DIREITO ANTERIOR – omisso DIREITO COMPARADO – omisso COMENTÁRIO 31. REGRAS DE EXPERIÊNCIA. - Já aludimos a regras ou máximas de experiência nos comentários relativos a fatos notórios e nos referentes à apreciação da prova (ver n.10 e 27). Na definição de STEIN, a quem se deve a iniciativa do seu estudo mais aprofundado, consistem “em definições ou juízos hipotéticos de conteúdo geral, independentes do caso concreto que se tem de julgar e de seus elementos particulares, e que são adquiridos pela experiência, mas que são autônomas em face dos casos particulares, de cuja observação se deduzem e que pretendem ter valor em relação aos novos casos. De tais regras, que integram o patrimônio de noções pacificamente armazenadas por uma determinada esfera social, e assim a do juiz, a que se pode genericamente denominar cultura, se utiliza o juiz como normas destinada, a servir como premissa maior dos silogismos que forma no seu trabalho de fixação, interpretação e avaliação das provas. Síntese perfeita a de ROSENBERG:” Máximas de experiência são tanto as regras da experiência e cultura gerais como as regras de uma perícia ou erudição especiais nas artes, ciência, ofício ou profissão, comércio e tráfico (também os costumes do tráfico, os usos do comércio, etc.): em parte se extraem da observação do modo de viver e de obrar das pessoas, em parte são resultado da investigação científica ou de uma atividade profissional ou artística. Servem para a apreciação jurídica (subsunção) dos fatos, particularmente quando a aplicação do direito depende de juízos de valor; e, portanto, representam elementos essenciais da mesma norma jurídica aplicável, da premissa maior jurídica no silogismo do juízo judicial; ou servem para comprovação de fatos, em particular, na apreciação da prova para examinar o valor probatório do meio de prova e para concluir dos fatos não controvertidos ou provados a verdade de outros fatos discutidos; e formam, assim, a premissa maior do silogismo judicial em relação à estimação das afirmações sobre os fatos”. As regras de experiência, sem o uso das quais especialmente nos sistemas em que atua o princípio da livre apreciação da prova dificilmente poder-se-á chegar à verdade quanto aos fatos, se encontram no plano das normas de que o juiz deverá utilizar-se, salvo a existência de normas jurídicas a respeito, que sobre elas prevalecem. Assim, por exemplo, o juiz não poderá valer-se de máximas de experiência em face de presunções legais, mas, necessariamente, delas se utilizará, como premissa maior, em face do indício, para extrair uma presunção de homem. Uma dessas máximas são comuns, isto é, são inerentes à cultura da esfera social a que pertence o juiz: são as regras de experiência comum; outras se encontram no campo da erudição especial, para o conhecimento das quais é reclamada a informação de técnicos: são as regras de experiência técnica.32. REGRAS DE EXPERIÊNCIA COMUM. - As regras de experiência comum, que surgem pela observação do que comumemente acontece, e fazem parte da cultura normal do juiz, serão por este livremente aplicadas, independente de prova das mesmas: O juiz não pode desprezá-las quando aprecia o conteúdo de um testemunho, ou mesmo de um documento, para extrair a verdade dos fatos testemunhados ou documentados. “Tampouco pode olvidá-las quando aprecia a prova de indícios e somente com o seu concurso poderá reconhecer em vários deles o mérito de formar suficiente convicção, ou a um só a especial qualidade de constituir por si só prova plena. Essa qualificação indício necessário e a capacidade indicadora dos não-necessários conforme sua conexão entre si e com a fato por se provar, não podem reconhecer-se sem o auxílio das regras de experiência, pois de outra maneira não poderia o juiz aplicá-los.” Em suma, o juiz se vale das regras de experiência comum, livremente, para apreciar e avaliar as provas trazidas ao processo pelos meios regulares, a fim de decidir quanto àquilo que lhe pareça a verdade. (In Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, Rio de Janeiro, 1982, 3a edição, volume IV, pags.41/43). Logo, por tudo isto, não se pode ter a qualificação dos requerentes como safados, partícipes, de safadeza, sem a entender como ofensiva. Cometida a ofensa, ela atingiu a todos os Conselheiros membros do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, uma vez que o requerido disse na entrevista, sem excluir este ou aquele membro, que os envolvidos na anulação da dívida do Imposto de Renda do Instituto Geral de Assistência Social Evangélica participaram do julgamento safado, e sendo todos os autores integrantes deste Conselho, óbvio que a acusação contra eles foi dirigida. Estabelecida a existência do dano, de ter ele atingido todos os requerentes, de ter sido ele proferido pelo primeiro demandado, vejo, agora, a participação da segunda requerida. Não se pode negar, porque isto feriria, de morte, Estado Democrático, a importância de imprensa livre, e que para ela assim ser, tem a necessidade de divulgar informações, graves ou não, pertinentes ou não. A questão passa pelos limites deste direito. Evidente que direito, todo ele, sendo este também princípio sustentador de Estado Democrático, tem limites, e sendo ele ultrapassado, tem a pessoa que o desrespeita a obrigação de pagar pelo dano que cometeu. Aqui, evidente que a demandada ultrapassou os limites do direito de informação. Não cuidou ela somente de noticiar possível irregularidade em julgamento sob a responsabilidade dos autores em julgamento. Fez mais. Deu ela voz às ofensas do requerido, cuidando de as divulgar nacionalmente. Teve ela o cuidado de extirpar da publicação o trecho ofensivo, o que poderia fazer sem qualquer prejuízo para a informação de todos, estaria contido seu ato no direito de informar, mas, não o fazendo, sujeita-se a ter que também responder pelo dano, até porque só atingiu ele as proporções que tomou, de conhecimento por todos os cidadãos do território nacional, por ter sido divulgado em órgão conceituado e de ampla leitura como é o jornal editado pela demandada, a Folha de São Paulo. Logo, se a requerida assume o risco de fazer publicar matéria com trecho nitidamente ofensivo, junto com ele assume o risco de ter que responder, de forma conjunta, com quem faz a ofensa. Assim já sumulou a questão o Superior Tribunal de Justiça, dizendo: “221. São civilmente responsáveis pelos ressarcimento de dano, decorrente de publicações pela imprensa, tanto o autor do escrito, quanto o proprietário do veículo de divulgação.” Explica-se a solidariedade. Se não houvesse ela, fácil seria a alguma empresa jornalística não comprometida com a responsabilidade social que tem, com a obrigação de ser imparcial, atribuísse a pessoa financeiramente desvalida afirmações ofensivas, resguardando-se de possíveis responsabilidades e impedindo que o ofendido obtivesse efetiva reparação. Chego, finalmente, ao estabelecimento do quantum da indenização. Sabe-se, à exaustão, que a fixação do dano moral é atividade completamente subjetiva, devendo o valor servir como possibilidade de diminuição da dor, o que poderá se dar com aquisição de bem de consumo ou atividade de lazer, e, muito mais, como punição financeira para quem cometeu o ato. Deve-se, pois, evitar valor ínfimo, que nada representaria para quem o pagaria, sendo mesmo incentivo a novas ofensas, ou exagerado, que significaria ganho sem causa e até ruína financeira do devedor. Sabendo-se, também, que os autores, até pelas funções que exercem ou exerceram, sendo lícito estabelecer-se esta conclusão, muito mais que vantagens financeiras, buscam o restabelecimento da verdade, ficam claro para todos que safados não são e que assim não podem ser chamados, o conforto moral que a reprovação ao dano moral que sofreram lhes dará, e das possibilidades financeiras de cada um dos requeridos, a da segunda demandada muito maior do que o primeiro, correto que a fixação se dê em patamares diferentes. Deve pagar o primeiro demandado, para a relação antes estabelecida seja respeitada R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), e a segunda demandada R$ 3.000,00 (três mil reais). Por fim. Sendo a divulgação das ofensas um dos fatores de seu agravamento, correto que, quando elas forem reparadas, que também haja a sua divulgação, com o mesmo destaque das ofensas, sob pena de não se repor integralmente os danos. Estas as razões de decidir. DECIDO. Ante o exposto: 1) - JULGO PROCEDENTE os pedidos contidos na inicial, CONDENANDO: a) - o primeiro demandado a pagar a cada um dos autores, para reparação do dano moral, a quantia de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais); b) - a segunda demandada a pagar a cada um dos autores a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), e, ainda, a publicar, na íntegra, pelo mesmo número de vezes, e com igual destaque, esta decisão, no mesmo órgão que publicou a notícia tida como ofensiva. 2) - CONDENO, ainda, os requeridos a pagar as despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação. P.R.I. Brasília, DF, 6 de Agosto de 2001. Luciano Moreira Vasconcellos – Juiz de Direito.

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