Uso de precatórios para Renda Cidadã pode afetar 1 milhão de pagamentos

Pagamento anual total de R$ 37 bi em 2019 cairia para R$ 16 bi em 2021 pela proposta apresentada

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Brasília

Mesmo diante das críticas, o governo pretende manter a proposta de limitar o pagamento de precatórios para bancar o Renda Cidadã. A ideia pode atrasar ao menos 1 milhão de pagamentos judiciais devidos pela União, em média, por ano.

Na segunda-feira (28), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o ministro Paulo Guedes (Economia) e líderes partidários anunciaram o programa social que deve substituir o Bolsa Família.

Na sequência, houve reação no Congresso, no TCU (Tribunal de Contas da União) e na Bolsa. Uma segunda fonte de recursos é parte do dinheiro do Fundeb (fundo para educação básica).

A proposta de uso dos precatórios —dívidas reconhecidas pela Justiça— geraria um acúmulo de passivos. Essas dívidas permaneceriam nas contas do Tesouro Nacional. A quitação teria de ser feita no futuro.

Levantamento feito pela Folha com base na média de pagamentos de precatórios nos últimos cinco anos —de R$ 20,9 mil por beneficiário— na base de dados do CJF (Conselho da Justiça Federal) mostra uma estimativa do impacto da medida.

O presidente Jair Bolsonaro, acompanhado dos ministros Paulo Guedes (Economia), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e de vários líderes partidários, durante anúncio à imprensa para falar sobre o acordo para a criação do programa Renda Cidadã
O presidente Jair Bolsonaro, acompanhado dos ministros Paulo Guedes (Economia), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e de vários líderes partidários, durante anúncio à imprensa para falar sobre o acordo para a criação do programa Renda Cidadã - Pedro Ladeira/Folhapress

O pagamento anual total, de R$ 37 bilhões —em 2019, dado mais recente disponível—, cairia para R$ 16 bilhões em 2021 pela proposta apresentada. Esse volume aponta para mais de 1 milhão de pagamentos a serem adiados.

Esses precatórios são requisições expedidas por tribunais para que entes públicos (neste caso, a União) façam os pagamentos a que foram condenados. O impacto cairá sobre aposentados da iniciativa privada e servidores.

Os valores precisam ser incluídos no Orçamento anual para serem pagos. Se requeridos até 1º de julho de cada ano, passam a compor a proposta orçamentária do ano seguinte.

Já os precatórios requeridos no segundo semestre de cada ano somente serão pagos no exercício posterior. Por isso, nem todo o saldo a pagar ao final de cada exercício é quitado no exercício seguinte.

O pagamento dos precatórios federais usualmente é realizado pelos próprios tribunais nos quais houve o julgamento dos processos. Isso ocorre de acordo com um calendário divulgado anualmente pelo CJF.

A ideia do governo é limitar o valor gasto por ano com precatórios a 2% da receita corrente líquida. Para 2021, o teto seria, portanto, de apenas R$ 16 bilhões. A proposta teve o aval de Bolsonaro e Guedes.

Para 2021, estão previstos no Orçamento R$ 55 bilhões para pagamento de precatórios. Com a proposta, seriam liberados para o Renda Cidadã até R$ 39 bilhões desse montante.

Nesse cenário, seria possível honrar pagamentos a cerca de 825 mil pessoas e empresas —bem abaixo do que o governo vem pagando nos últimos anos.

No ano passado, foram quitadas as dívidas de 1,6 milhão de processos.

O valor de R$ 37 bilhões foi desembolsado a 1,9 milhão de beneficiários —um processo pode ter mais de um beneficiário—, como aposentados e pensionistas da iniciativa privada, servidores públicos, militares e empresas (por exemplo, em ressarcimento de taxas aduaneiras).

O pedido de revisão de valores de aposentadorias e benefícios assistenciais é um dos mais comuns nos precatórios.

Ao fim de 2019, o estoque do Tesouro Nacional acumulava cerca de R$ 70 bilhões em pagamentos de precatórios. Um quinto do total era ligado a benefícios previdenciários.

Postergar o pagamento aumenta o passivo do Tesouro. Por causa dessas e outras obrigações, o patrimônio da União tem ficado no vermelho todo ano e em 2019 chegou a um recorde negativo de quase R$ 3 trilhões.

Especialistas também alertam para o risco de uma bolha, pois é uma despesa que, após manifestação da Justiça, passa a ser obrigatória. Porém, o governo estaria adiando o desembolso.

O estoque cresce por correção monetária e com o acúmulo de novas decisões a serem cumpridas.

O governo pretende postergar o cumprimento dessas decisões para colocar em prática o plano de reformular o Bolsa Família, inclusive com a troca do nome do programa, associado às gestões petistas.

Irritado com as discussões, Bolsonaro chegou até a dizer que a ideia seria abandonada. A fonte dos recursos já era a polêmica, e o presidente se opunha a remanejar verbas de programas como o abono salarial para cobrir a proposta.

O programa voltou às discussões. Antes, era Renda Brasil, agora ressurgiu como Renda Cidadã. Questionado por jornalistas no Palácio do Planalto, nesta terça-feira (29), sobre a proposta, Bolsonaro respondeu fazendo coração com as mãos.

O economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, afirmou que a ideia deixa a conta dos precatórios para ser paga às futuras gerações.

"O presidente disse que não iria tirar dinheiro dos pobres, mas propõe tirar das crianças e dos adolescentes [com o uso de verba do Fundeb]. A ideia, além de comprometer o futuro, é uma burla ao teto de gastos", afirmou.

A regra do teto limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior. O mecanismo, em vigor desde 2016, tenta equilibrar as contas públicas.

"O uso de recursos dos precatórios apenas empurra dívidas com a barriga, desrespeitando o Judiciário", disse Castello Branco.

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que não haverá mudanças no projeto do Renda Cidadã. "Não vai tirar nada, mantém como anunciado. Os líderes que estavam na reunião ontem [segunda] deram aval", afirmou.​

A reunião citada por Barros foi realizada no Palácio da Alvorada.

"Precatórios e Fundeb são pontos polêmicos que vão fazer o debate aflorar no Congresso", disse o senador Nelson Trad (PSD-MS). Ele participou do encontro como representante da liderança de seu partido.

O senador Márcio Bittar (MDB-AC) também tem sinalizado que não vai mudar a proposta. Ele é relator do Orçamento de 2021 e da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Pacto Federativo.

O núcleo político do Palácio do Planalto cobra do Ministério da Economia uma definição sobre levar adiante o que foi anunciado ou encontrar uma alternativa. A pressão fica sobre Guedes.

O governo sinalizou que vai insistir na ideia, mas nos bastidores pessoas próximas a Bolsonaro dizem que ele ainda vai monitorar as críticas. A depender das reações, o presidente pode recuar.

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