Obra no Nordeste não é eleitoreira, é emancipatória, diz ministro Rogério Marinho

Titular do Desenvolvimento Regional diz que não é a favor do gasto irresponsável, mas de obras que reduzem a desigualdade, como as de saneamento

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São Paulo

O governo está unido em torno do objetivo de mudar a Constituição para permitir o aumento dos investimentos sem acabar com o teto de gastos, segundo o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.

O ministro minimiza as discordâncias com a equipe econômica, afirma não estar defendendo gastos públicos de maneira irresponsável e diz trabalhar para atrair o capital privado para bons projetos públicos.

“Quando se fala que nós temos visões diferentes, temos. Eu sou do Nordeste brasileiro. Sou uma pessoa que sou do Parlamento brasileiro, eu acredito na política, na negociação, na transigência. Acredito no país, em política de Estado, e tenho tido o respaldo do presidente para fazer o que eu estou fazendo”, afirma.

Jair Bolsonaro e o ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento) durante cerimônia de lançamento do programa Casa Verde Amarela no palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 25.ago.2020/Folhapress

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O governo atualmente está divido. O Ministério da Economia está preocupado com o teto de gastos, com o ajuste fiscal. Outra parte acha que tem de ter investimentos em obras para fazer a economia rodar. O senhor está desse lado? Eu sou ministro, mas, como parlamentar, participei de forma muito ativa das mudanças macroeconômicas que foram iniciadas em 2016. Acredito até hoje que era necessária uma sinalização para a sociedade de que o Estado brasileiro continuaria solvente, em função da explosão da dívida pública e dos equívocos que haviam sido cometidos nos governos anteriores, mas sabíamos da necessidade de dar passos subsequentes.

De lá para cá, o teto tem colocado a seguinte consideração: as despesas obrigatórias têm subido acima da inflação e as despesas de investimento têm caído em função da sua discricionaridade e do regramento do teto.

Por isso, o governo entende —e aí não há divisão— que há necessidade de se trabalhar a legislação para permitir que haja espaço para investimento. O ministro Paulo Guedes [Economia] inclusive defende que ocorra a desindexação do Orçamento, para permitir que haja espaço fiscal no próximo ano, que haja desvinculação de receitas constitucionais, que haja desobrigações.

Estamos trabalhando a implosão, a flexibilização do piso para permitir que tenhamos no próximo ano espaço para fazer mais investimentos, manter ações importantes e ao mesmo tempo corrigir desequilíbrios regionais e investir na infraestrutura e logística do país, com recursos públicos, em parceria com a iniciativa privada.

O senhor citou a questão em que o governo não está divido. E em que pontos está dividido? Temos visões que são absolutamente normais de como os objetivos têm de ser alcançados, como em qualquer equipe, mas são discussões que precisam ficar no âmbito do governo. Não é saudável quando essa discussão, antes de estar amadurecida e com o martelo batido, se torne pública. Agora, alguém arbitra opiniões distintas para sair com uma posição, e a posição do governo quem arbitra é o presidente da República.

Qual a sua opinião sobre o programa Pró Brasil? Deixa ele ser lançado. Quando for lançado em posso opinar a respeito dele. O que eu posso falar é que é uma ação coordenada pelo ministro Braga Netto [Casa Civil], conversando hoje de uma forma mais estreita com o ministro Paulo Guedes, em que vão ser definidas estratégias de retomada de crescimento, levando em consideração a Parceria Público-Privada e também a condição que o Estado brasileiro tem de fazer frente a esse desafio que é do país como um todo, inclusive com modernização de marcos regulatórios, alterações legislativas. Vamos aguardar o produto final.

E quando será divulgado? Quem sabe disso é Braga Netto. E Paulo Guedes.

Quais obras, na visão do governo, são importantes hoje? Eu tenho falado muito da necessidade de tratarmos as nossas bacias hidrográficas como prioridade. Nós somos o ministério das águas e esse, sem dúvida, é o insumo mais importante do desenvolvimento e do crescimento populacional e humano com qualidade. Somos um país que tem regiões deprimidas economicamente por falta de segurança hídrica.

As pessoas falam muito de Amazônia e esquecem que temos uma caatinga, um cerrado. As pessoas esquecem que o Nordeste brasileiro é acometido há 500 anos por um fenômeno climático [a seca] que deprime economicamente uma região. Outras regiões do mundo resolveram o problema, com inovação tecnológica, vontade política, com pactos nacionais para resolver o problema. Essa é uma situação que nós não vamos varrer para debaixo do tapete.

Quando a gente fala de não parar obras hídricas importantes do Nordeste, não significa uma obra eleitoreira, significa uma obra emancipatória. Não estamos defendendo gasto público de maneira irresponsável. Estamos defendendo políticas emancipatórias e estruturantes para diminuir desigualdades regionais.

Quem especulava com o capital está verificando que só há uma maneira de ganhar dinheiro, investir em ações produtivas. Essa mudança, nós temos de surfar nela.

Mais do que ninguém, eu estou preocupado com isso e estou trabalhando para que isso aconteça. Quando se fala que nós temos visões diferentes, temos. Eu sou do Nordeste brasileiro. Sou uma pessoa que sou do Parlamento brasileiro, eu acredito na política, na negociação, na transigência. Acredito no país, em política de Estado, e tenho tido o respaldo do presidente para fazer o que eu estou fazendo.

O senhor falou que as obras não são eleitoreiras, e isso é uma referência aos comentários que de essa preocupação maior com o Nordeste, de alguma maneira, vai beneficiar Bolsonaro. Então teria, sim, um conteúdo eleitoreiro, não? Qualquer ação do governo tem uma implicação diante do eleitorado que o elegeu e acompanha, supervisiona e fiscaliza o mandato do presidente da República e dos seus ministros.

A alternativa é a seguinte: fazer o que precisa ser feito, porque temos responsabilidade como Estado e como governante, ou deixar de fazer porque pode dar uma conotação eleitoral. Eu particularmente acho que não há dúvida, a gente tem de fazer.

Alguns economistas, quando se fala em investimento público, argumentam que os projetos não são bons, obras ficam pela metade e as escolhas não seguem critérios técnicos. Qual a sua visão sobre isso? Essa também é a minha preocupação. Tanto que nós contratamos o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) para fazer uma redefinição da atuação da carteira do ministério.

Estamos também com uma proposta, que queremos levar em breve ao Parlamento, de redefinição do papel dos nossos fundos de desenvolvimento regionais. Não adianta trazer recursos públicos ou privados para um projeto que não se ponha de pé, que não tenha uma consistência técnica e sustentabilidade.

Temos hoje dois players que fazem estruturação de projetos para o setor público, o BNDES e a Caixa, que não têm pernas para atender à demanda. Queremos permitir que esses recursos que estão empoçados sejas utilizados na estruturação de projetos. São cerca de R$ 5 bilhões dos fundos e mais uma carteira que eu posso securitizar e chegar a R$ 8 bilhões no total.

Não estamos defendendo gasto público de maneira irresponsável. Estamos defendendo políticas emancipatórias e estruturantes para diminuir desigualdades regionais. Levando em consideração, evidentemente, todo esse arcabouço de responsabilidade fiscal que permitiu que o Brasil tivesse hoje um juro de 2% ao ano.

Vocês recebem no ministério representantes da iniciativa privada interessados em investir no Brasil? Estive pessoalmente com representantes de 12 países, tratando com embaixadores e encarregados de negócios, querendo investir no país, principalmente na área de saneamento. Temos uma preocupação de tratar a nossa ação sempre com uma pegada verde, de sustentabilidade, respeito ao meio ambiente, governança.

Assinamos na segunda-feira [31] um termo de cooperação com a CBI [ONG inglesa Climate Bond Initiative]. Até dezembro toda a nossa carteira vai estar certificada e vamos publicar um plano de trabalho.

Nem chegamos na pergunta sobre a questão ambiental, mas o sr. se antecipou. A pressão dos investidores tem sido grande nessa área? Sim, tem sido. E estamos dando as repostas.

Muita gente falou que na redefinição do programa Minha Casa Minha Vida, para Casa Verde e Amarela, só mudou o nome. É uma injustiça com a redefinição do programa? Sim, é. O programa habitacional é uma necessidade. Só que estamos em um momento em que há restrições orçamentárias para se fazer o que foi feito anteriormente, com os resultados que todos nós sabemos: projetos mal feitos, desperdício de recursos, equívocos na localização de conjuntos habitacionais. Você tem 4 milhões de residências edificadas com toda sorte de problemas.

Não podemos ser irresponsáveis em iniciar um programa dessa magnitude sem concluir as obras que estão em carteira do faixa 1. São mais de 200 mil unidades em carteira que deverão ser entregues até o final do mandato [2022]. Temos mais de 100 mil [unidades] que estavam paralisadas e estamos gradativamente dando ordem de retomada, com problemas dos mais variados.

Outra ação que estamos empreendendo. No faixa 1, por vedação legal, não era possível renegociar débitos. Retiramos essa vedação. Estamos falando de 500 mil famílias inadimplentes.

Também renegociamos com a Caixa para diminuir o valor de uma taxa de intermediação que era justificável em função das condições de juros e mercado que havia anteriormente. Isso vai permitir, com menos recursos, fazer mais habitações. A ideia é 350 mil habitações até 2024. E a partir de 2024 pelo menos 100 mil habitações por ano.

Por fim, estamos propondo um grande programa de apoio federal aos municípios que fazem regularização fundiária. Os recursos são do FDS, que é o Fundo de Desenvolvimento Social, que tinha R$ 1 bilhão, constituído pelos bancos. Fui à Febraban (federação dos bancos) negociar e eles anuíram em doar esses recursos ao governo federal. Estamos inicialmente propondo 150 mil famílias, mais 850 mil até 2022 e mais 1 milhão até 2024.

Dizem que o senhor quer ser governador do Rio Grande do Norte. É verdade? Não. Eu quero ser um bom ministro, continuar a fazer as entregas e desempenhar bem a missão que me foi dada pelo presidente [Jair] Bolsonaro, de abraçar o Nordeste, a região Norte e combater as desigualdades regionais e ter uma política pública consistente, eficaz e que tenha sustentabilidade na área de recursos hídricos, de habitação, de mobilidade urbana.

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Raio-X
Rogério Marinho, 56 anos
Natural de Natal (RN) e formado em economia, é neto do ex-deputado federal Djalma Marinho e tem uma longa trajetória política. Foi vereador, secretário municipal de Planejamento e secretário de Desenvolvimento Econômico do estado, antes dos três mandatos como deputado federal, quando atuou como relator da reforma trabalhista e articulou a aprovação da reforma da Previdência. No atual governo, foi secretário especial de Previdência antes de assumir, em fevereiro deste ano, o posto de ministro do Desenvolvimento Regional

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