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The New York Times

Paguem as pessoas para serem vacinadas

Quando uma vacina confiável existir, ela não deterá a pandemia a menos que as pessoas estejam dispostas a usá-la

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N. Gregory Mankiw
Nova York | The New York Times

Qual é a melhor maneira de recolocar a economia nos trilhos depois da recessão da Covid-19? É simples: conseguir a imunidade de rebanho. E qual é a melhor maneira de conseguir a imunidade de rebanho? Uma vez mais, é simples: assim que uma vacina for aprovada, as pessoas devem ser pagas para usá-las.

Essa audaciosa proposta vem de Robert Litan, economista da Brookings Institution. O Congresso dos Estados Unidos deveria implementá-la o mais rápido possível.

O presidente Trump atribuiu a culpa pelos males econômicos do país ao fato de que as autoridades locais não se dispõem a permitir que as empresas reabram. Em abril, ele tuitou: “LIBERTEM MINNESOTA!”; “LIBERTEM O MICHIGAN!”; “LIBERTEM A VIRGÍNIA!”. Ele parecia pensar que governadores e prefeitos detinham o destino da economia em suas mãos.

Não é o caso. Pesquisas recentes de Austan Goolsbee e Chad Syverson, economistas da Universidade de Chicago, constataram que a paralisação de atividades ordenada por governos responde por apenas uma pequena parte do declínio na atividade econômica. O principal motivo para que as pessoas não estejam consumindo é que elas têm medo de sair de suas casas e contrair o vírus. Essa hipótese explica o meu comportamento pessoal. Há seis meses não piso em um restaurante ou embarco em um avião.

A hipótese também é compatível com um padrão mais amplo de mudanças nos gastos. De acordo com dados recolhidos pela Opportunity Insights, uma organização de pesquisa de Harvard, o consumo caiu na maioria dos códigos postais que abrigam moradores de alta renda nos Estados Unidos. Mas as pessoas de alta renda experimentaram queda muito mais baixa de emprego. Estão gastando menos não por necessidade, mas por escolha.

Paradoxalmente, esse comportamento pode estar ajudando a propelir a alta do mercado de ações.

Quando a renda não é gasta, ela é poupada. Nos últimos quatro meses, o índice de poupança pessoal atingiu os níveis mais elevados já registrados no país. Uma alta na poupança torna mais dinheiro disponível para empréstimos aos tomadores, e por isso reduz as taxas de juros. De janeiro para cá, o rendimento sobre os títulos de 10 anos com correção monetária caiu em mais de 100 pontos básicos (1%). Com o declínio do retorno sobre os ativos de renda fixa, o fluxo de caixa gerado pela posse de ações se torna relativamente mais atraente, e os preços das ações sobem.

Mas o mercado de ações não é a economia real. Mesmo que os preços das ações se mantenham próximos de seus recordes de alta, o consumo, o emprego e a produção não se recuperarão plenamente até que o medo de apanhar o vírus se dissipe.

É por isso que a solução para os problemas econômicos dos Estados Unidos terá de vir da microbiologia. Nove vacinas já estão na terceira fase de teste. Provavelmente é apenas questão de tempo para que pelo menos uma delas seja aprovada.

Assim que uma vacina estiver disponível, no entanto, surgirá um novo desafio: convencer as pessoas a usá-la. Em uma recente pesquisa da NBC News/SurveyMonkey Weekly Tracking Poll, apenas 44% dos americanos disseram que usariam a vacina. O restante dos entrevistados disse que não o faria, ou não tinha certeza.

Dado o ceticismo do presidente Trump com relação aos especialistas científicos, talvez não seja surpresa que exista uma divisão entre os partidos quanto ao assunto. Enquanto 58% dos democratas e das pessoas que preferem o Partido Democrata disseram que tomariam a vacina, apenas 36% dos republicanos registrados e das pessoas que preferem o Partido Republicano disseram o mesmo.

Esses números são perturbadoramente baixos. Nenhuma vacina será 100% efetiva, o que significa que ser vacinado não bastará para proteger as pessoas do vírus. Mas se número suficiente de pessoas forem vacinadas, a sociedade desenvolverá imunidade de rebanho. Com vacinação generalizada, mesmo que imperfeita, a expansão do vírus não poderá continuar. Ninguém sabe ao certo, mas especialistas acreditam que para obter esse efeito entre 70% e 90% da população terá de ser vacinada.

Esse é o momento em que a imunologia precisa ser apresentada à Economia. Um dos primeiros princípios da Economia, e talvez o mais importante, é o de que as pessoas respondem a incentivos. Aplicando esse princípio ao caso em questão, Litan recomenda que o governo pague US$ 1 mil para quem quer que receba a vacina. Com um incentivo grande o bastante, a maioria dos americanos provavelmente terminará vacinada.

É o tipo de proposta que você encontraria em um manual de Economia. (E eu escrevi alguns deles.) Como aprende todo estudante de Economia, quando uma atividade tem um efeito colateral sobre os circunstantes, esse efeito é conhecido como “externalidade”. Na presença de externalidades, os famosos teoremas da Economia que justificam o laissez-faire não se aplicam. A famosa mão invisível proposta por Adam Smith já não pode realizar sua magia.

Um exemplo clássico de externalidade negativa é a poluição, e a solução política mais simples e menos invasiva é tributar as emissões de poluentes. Em economês, um imposto como esse internaliza a externalidade. Induz os poluidores a levar em conta o custo de poluir, ao lhes dar um incentivo financeiro para reduzir emissões. É por isso que escrevi em diversos artigos que um imposto sobre as emissões de carbono é a melhor maneira de lidar com a mudança no clima mundial.

A vacinação confere uma externalidade positiva. Quando uma pessoa se vacina, ela beneficia não só a si mesma mas aos seus concidadãos, ao ajudar a sociedade a avançar um passo na direção da imunidade de rebanho. No caso, internalizar a externalidade requer não um imposto mas um subsídio, argumenta Litan.

Com certeza a proposta é dispendiosa. Se a maioria dos americanos aceitar o pagamento para usar a vacina, como se pretende, o programa custaria cerca de US$ 300 bilhões ao governo federal. Presumivelmente esses gastos elevariam a dívida do governo, que já deve atingir novas alturas, como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), nos próximos anos.

Mas agora não é hora de nos preocuparmos com a dívida do governo. Financiar gastos por meio de déficits é apropriado em momentos de crise, como grandes conflitos militares e profundas desacelerações econômicas. A situação atual é certamente uma crise, e a cura custa muito menos que a doença.

Depois que a pandemia acabar, o Congresso pode tomar medidas para reduzir a dívida do governo. Talvez depois de ver como um subsídio para a vacinação conseguiu pôr fim a uma crise, o Congresso talvez adote um imposto sobre a poluição para evitar outra.

Tradução de Paulo Migliacci

N. Gregory Mankiw é professor da cátedra Robert M. Beren de Economia na Universidade Harvard.

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