Post afirma que matemática não aceita fake news, mas erra ao comparar salários

Texto usa valores incorretos para equiparar o mínimo em 2012 e 2020 e desconsidera o contexto econômico

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São Paulo

Tuíte que traz uma comparação entre o salário mínimo de 2012 com o de 2020 engana ao desconsiderar a manutenção do poder aquisitivo. A postagem viralizou no Twitter ao comparar o valor em dólares do salário mínimo dos dois anos, sugerindo que as pessoas passaram a ganhar menos no atual governo. A publicação afirma que o valor era de US$ 400 em 2012 e de US$ 187 em 2020. O Comprova fez os cálculos com base em informações do Banco Central e na legislação que regula o reajuste do salário mínimo. As quantias divergem do indicado na postagem. O salário mínimo de 2012 oscilou entre US$ 365,88 e US$ 297,60. Em 2020, o valor ficou entre US$ 247,04 e US$ 176,22 até 10 de setembro.

Além disso, o tuíte não considera o contexto econômico do período. Especialistas confirmam que a política monetária do governo atual contribuiu para a desvalorização do real frente ao dólar, mas também afirmam que a pandemia, o desemprego e a queda de juros iniciados nos governos anteriores contribuíram significativamente para este cenário. Enquanto 2012 era o segundo ano de mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), 2020 é o segundo ano de gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O Comprova tentou contatar o autor da postagem pelo Twitter e Instagram para entender a base do cálculo e o objetivo da mensagem. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.

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Atualmente, salário mínimo é R$ 1.045 - Willian Moreira/Futura Press/Folhapress

Valor do salário mínimo

O salário mínimo em 2012 era de R$ 622. Segundo os dados do Banco Central, o dólar teve a menor cotação de 2012 em 29 de fevereiro, quando foi negociado a R$ 1,70. A maior cotação da moeda naquele ano foi de R$ 2,09, em 18 de dezembro. O que significa que o salário mínimo de 2012 oscilou entre US$ 365,88 e US$ 297,60.

Já em 2020, o valor do salário mínimo é R$ 1.045. Neste ano, o menor valor do dólar foi registrado em 2 de janeiro, quando a moeda foi negociada a R$ 4,02. O salário mínimo de 2020, porém, só começou a vigorar em fevereiro. Desde então, o menor valor do dólar foi de R$ 4,23, em 4 de fevereiro e o maior foi de R$ 5,93, em 14 de maio. Isso significa que o salário mínimo deste ano oscilou entre US$ 247,04 e US$ 176,22 até agora.

Em 2011, entrou em vigor a lei 12.382, que determinava a política de valorização de longo prazo do salário mínimo, com regras para o reajuste da remuneração a ser paga entre 2012 e 2015. Por essa política, o salário mínimo era reajustado de acordo com a inflação do último ano mais a variação do PIB (Produto Interno Bruto) dos dois anos anteriores. A política de valorização do salário mínimo foi renovada em 2015, pela lei 13.152, com as regras para reajuste entre 2016 e 2019.

A partir de 2020, o governo federal passou a adotar uma nova regra de reajuste do salário mínimo, que levava em consideração apenas a inflação do último ano, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Com isso, o reajuste do mínimo deixou de conceder um aumento real no valor recebido pelos trabalhadores anualmente.

O que dizem os especialistas

O professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) Jocildo Bezerra disse que é comum que se compare o valor do salário mínimo com o dólar para poder analisar o poder de compra dos trabalhadores em diferentes países, por exemplo. Para esclarecer esse ponto, ele citou um levantamento feito no ano passado pelo site Picodi que compara o poder de compra dos salários mínimos de 52 países.

Segundo Bezerra, é preciso lembrar que há muitas diferenças no ambiente econômico entre 2012 e 2020. “Em parte, o elevado desemprego que nós temos hoje no Brasil é derivado da política econômica do governo Dilma [Rousseff, do PT, presidente entre 2011 e 2016]. Desse ponto de vista, não dá muito para desacreditar o governo atual em relação ao governo Dilma. E nós também tivemos um choque externo que foi a pandemia”, afirma.

Ele acredita, porém, que um dos principais fatores para a alta do dólar foi a queda na taxa de juros, que teria ocorrido de forma excessiva e numa velocidade muito grande nos últimos anos. Como juros menores significam ganhos menores para quem investe em títulos e mercado de capitais, muitos investidores foram retirando seu dinheiro do Brasil, argumenta Bezerra. “O dólar já vinha subindo antes da pandemia por causa dessa aceleração na queda da taxa de juros que começou em 2016, mas se acentuou a partir de maio de 2019”, diz.

O Comprova também consultou Clemente Ganz, que foi diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) até fevereiro deste ano. Ele ressalta que a redução do salário mínimo em dólares não implica na queda do poder aquisitivo: “Você não pode dizer que o valor do salário mínimo hoje é metade do poder de compra que ele tinha em 2012, isso não é verdade. O salário mínimo não teve uma redução a metade, pelo contrário, a média do poder de compra foi preservado”.

Clemente explica ainda que a comparação pela taxa de câmbio é “correta, do ponto de vista formal”, mas que há metodologias mais adequadas para comparar o salário mínimo entre nações. Uma delas é o câmbio de paridade do poder de compra, que consiste em pegar um produto e ver quantas unidades podem ser compradas com o salário mínimo de cada país. “Um sanduíche do McDonalds é o mesmo em qualquer lugar. Por exemplo, nos Estados Unidos, com um salário mínimo, eu compro 100 sanduíches; na Nigéria eu compro 20, e assim por diante.”

Verificação

Em sua terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais que tratam das políticas públicas do governo federal ou da pandemia da Covid-19. É o caso desse tuíte publicado pelo perfil @pedromachadobr, que tenta comparar a política econômica de salários aplicada pelos governos Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. A publicação teve 73,4 mil curtidas e 11,9 mil compartilhamentos no Twitter.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

A investigação desse conteúdo foi feita por Jornal do Commercio e Poder 360 e publicada na sexta-feira (11) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por Folha, GZH, Estadão, Nexo e Correio.

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