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Economia em debate

Sigla ESG vira sinônimo de inovação

Percepção e exigências estão mudando; dentro de anos será difícil defender atuação focada apenas em métricas financeiras

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Juliana Gomes Ramalho Monteiro

Sócia do escritório Mattos Filho

Marina Procknor

Sócia do escritório Mattos Filho

A crise trazida pela Covid-19 acelerou debates e impulsionou ações importantes na sociedade para restabelecer uma nova ordem socioeconômica no mundo pós-pandemia. No mercado financeiro, a ordem do dia é discutir os chamados fatores ESG (environmental, social and governance).

Todos estão interessados: as companhias e seus stakeholders, os gestores de recursos, as instituições financeiras e os investidores institucionais. No momento da história em que o homem se mostra cada vez mais preocupado com a criação de soluções consistentes e de longo prazo para problemas ambientais, sociais e de governança, a sigla ESG virou sinônimo de inovação.

No entanto, esse processo não é recente. Há mais de 30 anos, gestores profissionais discutem a melhor forma de atender as preocupações de seus clientes relacionadas a fatores de governança, riscos ambientais e sociais. Iniciativas variadas, com focos e abordagens distintos, com as mais diferentes denominações, vêm sendo utilizadas para tratar do tema: investimento responsável, sustentável, ético, e de impacto; finanças sustentáveis; capitalismo consciente; dentre tantos outros. E, mais recentemente, fatores ESG.

No Brasil, houve crescimento relevante na criação de iniciativas deste tipo, tanto por parte das empresas, preocupadas em integrar fatores ESG em suas estratégias de negócios, como por parte dos gestores, focados em lançar fundos cujas estratégias estejam atreladas a tais fatores.

Foto aérea mostra o desmatamento na reserva biológica das nascentes da Serra do Cachimbo em Altamira, no Para
Foto aérea mostra o desmatamento na reserva biológica das nascentes da Serra do Cachimbo em Altamira, no Para - João Laet/AFP

Há uma grande oferta de investimentos ESG no Brasil, seja por meio de ETFs, fundos de ações, renda fixa ou crédito e, mais recentemente, private equity e venture capital (investimentos de risco). Esse movimento não vem à toa: há uma crescente demanda de stakeholders e investidores institucionais e as empresas e gestores buscam atender as expectativas do mercado –e dos reguladores.

A falta de padronização nas métricas de avaliação de fatores ESG dificulta o acompanhamento e comparação de resultados financeiros versus ações consistentes de sustentabilidade, mas há evidências de que empresas que consideram estes fatores em sua operação performam melhor no longo prazo, se recuperam mais rápido em cenários de crise, e têm seu valor de mercado apreciado no tempo.

Artigos acadêmicos demonstram correlações positivas entre fatores ESG e o desempenho dos negócios, inclusive em relação à atração e à retenção de talentos, valor de marca, menores custo de capital, riscos operacionais, financeiros e regulatórios. Os investidores querem alocar capital em negócios com propósito, perenidade e resiliência.

Apesar de nossa regulamentação ainda ser tímida, desde 2014, o Banco Central exige que bancos tenham política de responsabilidade e sistema de gerenciamento de riscos socioambientais. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) exige que as companhias listadas reportem exposições a riscos socioambientais e, desde 2017, companhias abertas passaram a ser obrigadas a reportar sua adesão a práticas de governança corporativa. A partir de 2018, órgãos governamentais passaram a orientar fundos de pensão e seguradoras que considerem elementos ESG nas suas decisões de investimento.

Para os gestores de recursos, a regulamentação ainda não evoluiu para vincular expressamente o dever fiduciário a fatores ESG. O dever fiduciário é um dos mais importantes pilares da indústria de asset management a fim de garantir que aqueles que gerenciam o dinheiro de terceiros atuem sempre no interesse dos seus clientes, em vez de servirem aos seus próprios interesses.

Os gestores devem agir de boa-fé, equilibrar imparcialmente os interesses conflitantes de diferentes clientes e não devem agir em benefício de si mesmos ou de terceiros. Apesar disso, o dever fiduciário ainda é constantemente mal interpretado quando se trata de métricas ESG ou práticas sustentáveis na alocação de capital.

Vale ressaltar que a forma como o dever fiduciário é exercido afeta toda a cadeia de decisões de investimento da indústria, desde investimentos proprietários até a forma como as empresas conduzem suas atividades. É esse dever que guia a atuação de investidores e formata os processos de investimento nas casas de gestão.

As práticas atuais de investimento estão atualizando o conceito do que é agir com dever fiduciário nos tempos modernos –mesmo que a regulamentação expressamente não acompanhe tal evolução. A percepção e as exigências da indústria estão mudando e dentro de anos ou décadas será muito difícil defender a atuação de gestores e administradores que focam apenas em métricas financeiras.

Há quem acredite que, no futuro, todos os negócios e investimentos serão focados em fatores ESG. As empresas e gestores que entenderem isso mais rápido terão mais chances de continuar na liderança de seus setores de atuação. A solução para o planeta não virá rápido ou de uma única iniciativa, mas o momento pede iniciativas de curto prazo, hoje, para termos retornos positivos socioambientais amanhã.

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