TCU e Congresso veem tentativa de drible no teto em proposta do Renda Cidadã

Parlamentares chamaram de calote a limitação de gastos com precatórios para aumentar programa social

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Brasília

O anúncio de que o Renda Cidadã, programa com o qual o governo quer substituir o Bolsa Família, deve ser financiado com limitação dos gastos de precatórios e recursos do Fundeb (fundo para educação básica) gerou críticas de que se trataria de tentativa de driblar o teto de gastos.

No TCU (Tribunal de Contas da União) e no Congresso, a proposta foi vista como uma maneira de turbinar o programa social com uma “contabilidade criativa”, mesma estratégia usada para melhorar o resultado fiscal do país no governo Dilma Rousseff.

Até entre auxiliares do ministro Paulo Guedes (Economia), a solução encontrada é vista como uma 'pedalada'.

Pela proposta apresentada, o governo prevê limitar a 2% da receita corrente líquida o gasto com precatórios (ordem para pagamento de dívidas de órgãos públicos federais). O que sobrasse, até R$ 55 bilhões, seria usado no Renda Cidadã.

Além disso, quer usar 5% dos recursos novos do Fundeb para ajudar as famílias que estarão no programa a manter os filhos na escola. Cálculos da organização Todos pela Educação, a retirada seria equivalente a R$ 8 bilhões e impactaria "os municípios mais pobres do país, uma vez que a complementação da União é direcionada justamente para as redes de ensino mais vulneráveis", indicou, em nota.

De acordo com a entidade, seriam 2.700 municípios e 17 milhões de estudantes afetados, "principalmente aqueles das creches e pré-escolas".

As primeiras reações apareceram menos de uma hora após a divulgação. Auxiliares do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), consideraram inadmissível financiar o Renda Cidadã com dinheiro destinado a precatórios e classificaram a medida como calote.

Além disso, avaliaram que o uso de recursos do Fundeb para abastecer o programa desrespeita o teto de gastos.

Em uma rede social, Maia escreveu que governo e Congresso “precisam enfrentar o desafio de regulamentar o teto de gastos JÁ”. “Essa indefinição pode provocar mais uma crise que vai impactar a vida dos brasileiros, adiando ainda mais a recuperação econômica provocada pela pandemia”, afirmou.

Líderes da oposição qualificaram de pedalada a intenção de usar o dinheiro reservado para precatórios.

“O que o governo está fazendo é anunciando que não vai mais pagar em dia suas dívidas judiciais, fazendo uma enorme pedalada fiscal, de cerca de R$ 20 a R$ 30 bilhões por ano”, escreveu o líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon (RJ). Para ele, isso criará uma “bola de neve fiscal”.

Molon também criticou a decisão de retirar dinheiro do Fundeb para financiar o Renda Cidadã. Segundo o deputado, o ideal seria “buscar recursos para uma renda básica na reforma tributária, que precisa fazer os super-ricos pagarem imposto no Brasil, o que não ocorre”. O governo previa enviar nesta segunda (28) uma nova fase de sua proposta, mas adiou a entrega do texto por falta de consenso com o Congresso.

A deputada Sâmia Bomfim (SP), líder do PSOL na Câmara, qualificou de grave a proposta de financiar o Renda Cidadã com recursos do Fundeb e afirmou que o uso de dinheiro para precatórios é “a confissão de que se quer fazer uma pedalada”.

A líder do PCdoB na Câmara, deputada Perpétua Almeida (AC), considerou a busca por recursos do Fundeb como “um calote na educação básica, diminuindo os repasses para estados e municípios”.

“É drible e é calote. Porque ele quer mexer, reduzindo um recurso para estados e municípios que já está na Constituição para educação básica”, disse.

No TCU, o ministro Bruno Dantas também se manifestou contra a proposta em uma rede social. Na avaliação dele, tentar mudar o teto de gastos com a PEC (proposta de emenda à Constituição) emergencial é juridicamente possível, mas o “problema é o significado político para o compromisso com gestão fiscal responsável”.

“Emenda constitucional pode tirar dinheiro do Fundeb para mascarar mudança do teto? Pode, mas por que tergiversar?", escreveu. Dantas afirma que a despesa com o Fundeb está fora do teto de gastos.

"Inflar o Fundeb para, em seguida, dele tirar 5% para financiar outro programa, é rigorosamente o mesmo que inserir mais uma exceção no parágrafo 6º do art. 107. Por que não fazê-lo às claras?", indagou.

Ele também criticou a utilização de recursos de precatórios, afirmando que a medida "parece truque para esconder a fuga do teto de gastos".

"Reduz a despesa primária de forma artificial porque a dívida não desaparece, apenas é rolada para o ano seguinte. Em vez do teto estimular economia de dinheiro, estimulou a criatividade", disse o ministro do TCU.

No Senado, até aliados do governo se manifestaram contrários. O líder do PL na Casa, Jorge Mello (PR), afirmou que a ideia do governo em relação ao Renda Cidadã é importante, mas a fonte de recurso ainda não existe."O governo precisa encontrar a fonte de recurso. Por enquanto, ainda não tem"

O líder da Rede no Senado, Randolfe Rodrigues (AP), disse que o anúncio do governo significa um sacrifício ao futuro do país.

"Num momento em que o MEC lavou as mãos e deixa 50 milhões de brasileirinhos sem educação básica, o governo quer tesourar recursos da educação para bancar o Renda Brasil [Cidadã]. Isso é mais que tirar dos pobres para dar aos paupérrimos. É sacrificar o futuro do país a troco de populismo barato", escreveu em uma rede social.

Líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP) afirmou que o governo pode até tentar, mas não conseguirá apoio para que a proposta avance no Congresso.

Segundo assessores de Guedes, o benefício médio no novo programa deve ser de R$ 300, uma meta dada pelo presidente Bolsonaro. Hoje, R$ 300 é o valor do auxílio emergencial, até dezembro. Antes o benefício era de R$ 600.


Fontes de recurso para o Renda Cidadã

Governo quer usar Orçamento do Bolsa Família, verbas de precatórios (dívidas do governo cobradas após decisão judicial) e parte do Fundeb (fundo para a educação)

Bolsa Família
O Orçamento do governo para 2021 já reservou R$ 34,8 bilhões para o programa. O valor é maior do que o deste ano, de R$ 32,5 bilhões

Precatórios
O pagamento de precatórios pelo governo seria de, no máximo, 2% da receita corrente líquida --o que em 2021 deve ficar perto de R$ 16 bilhões. Como a previsão atual do Orçamento para essa conta está em R$ 55 bilhões, haveria uma sobra de até R$ 39 bilhões a ser direcionada ao programa social

Fundeb
Recursos provenientes da ampliação de verbas do fundo poderiam ser deslocados para o Renda Cidadã. Neste ano, a equipe econômica já defendeu que parte da verba do Fundeb, que não contabiliza no teto de gastos, seja usada para o pagamento de vouchers de educação

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