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Teto de Gastos revela a urgência do controle dos gastos obrigatórios

Descumprimento do teto para acionamento dos gatilhos não é a atitude correta para o momento, e implicaria sérios efeitos colaterais

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Rodrigo Maia

Deputado federal (DEM-RJ), é presidente da Câmara dos Deputados

A Emenda Constitucional 95 estabeleceu um teto de gastos primários do Governo Federal que, a partir de 2017, limita as despesas àquelas realizadas em 2016, corrigidas pela inflação medida pelo IPCA.

Antes da existência do teto, podia-se expandir o gasto público e, para manter o déficit público estável, aumentava-se a carga tributária ou a dívida pública. Dado que ambas já estavam em nível muito elevado, desestimulando investimentos e travando a melhoria da produtividade, optou-se por um ajuste gradual da despesa, ao longo de duas décadas, sem cortes bruscos, quebra de direitos ou pacotes fiscais de emergência.

A raiz do desequilíbrio fiscal crônico brasileiro é o crescimento da despesa obrigatória primária. Foram criadas, ao longo dos anos, gastos legislados crescentes, em especial com a folha de pagamentos dos servidores e nas áreas de previdência e assistência social, além do gasto mínimo obrigatório em alguns setores.

Tais despesas têm dinâmica própria e, em sua maioria, apresentam crescimento bem acima da inflação. Controlar o seu crescimento requer reformas politicamente difíceis, como a da previdência, dos programas sociais e da gestão de recursos humanos da União. Igualmente difícil é resistir à criação de novas despesas com as mesmas características.

Daí a opção por um ajuste gradual da despesa, para que houvesse tempo de aprovar reformas que solucionassem o cerne do problema fiscal brasileiro (as despesas obrigatórias rígidas e crescentes). O teto de gastos foi desenhado para funcionar como a sinalização da restrição a ser obedecida.

Ao mesmo tempo, o teto passou a ter efeitos já no curto prazo. Ao fixar um limite para cada poder, foi possível desacelerar o crescimento das despesas dos poderes e órgãos que contam com autonomia orçamentária. Antes do teto, cada poder reajustava seus gastos e repassava a conta para toda a coletividade. Agora, todos estão sujeitos à mesma limitação.

Da mesma forma, as escolhas orçamentárias passaram a ser mais transparentes. A cada aumento de gasto proposto, é preciso apontar qual outra despesa será reduzida para que o teto seja respeitado. No regime anterior, era comum propor novas despesas financiadas por receitas superestimadas, que resultava em aumento do déficit público.

O teto deu credibilidade à política fiscal de longo prazo, ao traçar uma trajetória sustentável para a dívida pública, contribuindo, por exemplo, para o controle da inflação e a queda dos juros a patamares historicamente baixos.

Não obstante esses benefícios, dois desafios se impõem ao cumprimento do teto. Em primeiro lugar, a pandemia de Covid-19 desencadeou muitas demandas por expansão de gastos públicos de caráter permanente como, por exemplo, a criação de um programa de transferência de renda mais amplo que o Bolsa Família. Em segundo lugar, o ritmo e a profundidade das reformas não garantiram, até o momento, desaceleração suficiente da despesa obrigatória.

Nesse contexto, o cumprimento do teto de gastos tem intensificado o conflito na alocação do orçamento. Despesas discricionárias, essenciais para manter os investimentos mínimos em infraestrutura econômica e o funcionamento de serviços e rotinas da máquina pública, estão ficando menores, ano após ano, aproximando-se do limite de paralisia.

Diante desse quadro faz-se necessário buscar soluções urgentes, não a mera burla da regra. Após a pandemia, com uma dívida pública que pode chegar a 100% do PIB, será mais importante ainda retomar a trajetória do equilíbrio das contas públicas.

A Emenda Constitucional do Teto de Gastos estipulou uma série de regras e vedações para limitar despesas, que deverão ser observadas quando - e se - o teto for descumprido. Porém, há uma inconsistência na redação da Emenda: ao mesmo tempo em que veda o envio e aprovação de um orçamento com gastos acima do teto, ela estipula que as medidas corretivas somente serão acionadas se o teto for descumprido. Daí a dificuldade para acionar a aplicação dessas regras (também chamadas de “gatilhos”).

Além disso, esses “gatilhos” (como a vedação a reajustes e contratação de servidores ou expansão e criação de despesas obrigatórias) têm o efeito de reduzir o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias, mas não são capazes reduzir a despesa ou fazê-la crescer abaixo da inflação, de modo a abrir espaço para a criação de novas despesas.

Somente quando se conseguir que uma despesa cresça abaixo da inflação é que se abrirá espaço para novas despesas, pois o teto é reajustado pela inflação. No caso da reforma da previdência, por exemplo, diminuiu-se o crescimento real da sua despesa, mas ela ainda sobe mais que a inflação nos primeiros anos de vigência da sua reforma.

Essas dificuldades revelam a importância de termos um mecanismo como o teto de gastos. Ele dá a baliza do tamanho do ajuste que precisamos fazer. Note-se que o Governo Federal acaba de enviar ao Congresso um orçamento que respeita o teto e, mesmo assim, prevê um déficit primário recorde, de 3.3% do PIB. Se não fosse o teto, e dada a pressão por mais gastos, o descarrilamento fiscal seria inevitável.

Têm surgido propostas para contornar o teto que, a título de resolver a tensão criada pelo mecanismo, podem acabar por inutilizá-lo, em um momento em que estamos no limiar da sustentabilidade da dívida pública. Perder o controle fiscal pode jogar o País em mais uma década perdida.

Há quem defenda que, com o envio ou aprovação de uma proposta orçamentária descumprindo o teto, os gatilhos seriam “automaticamente acionados”. Isso impediria a expansão ou a criação de despesa obrigatória, mas não evitaria a compressão das despesas discricionárias. No entanto, essa alternativa abre a possibilidade de que se envie um orçamento muitos bilhões acima do teto, artificialmente sem fontes legítimas para seu financiamento e, além de inócuo o acionamento dos gatilhos, seria orçada uma despesa que não poderia ser paga diante do limite estabelecido pelo teto ou um pagamento acima que poderia ser considerado irregular, sujeitando o agente público a crime de responsabilidade. Não há como impor o envio de um orçamento apenas alguns reais acima do teto, com o intuito de acionar os gatilhos, sem gerar estrago fiscal.

A alternativa para o acionamento dos gatilhos seria o pagamento de “restos a pagar” ao longo do exercício fiscal. O teto de gastos poderia ser ultrapassado quando se soma a execução de estoques dos chamados restos a pagar de exercícios anteriores com as despesas aprovadas no orçamento. Em 2019 esse estoque já chegava perto de R$ 190 bilhões. Porém, a utilização dos Restos a Pagar com esse propósito poderia suscitar insegurança jurídica, ao fomentar especulações sobre a responsabilização do agente público que autorizou o pagamento acima dos limites legais.

Por essas razões, não podemos defender que o rompimento do teto seja solução para o problema. Pelo contrário, isso constituiria, provavelmente, um desmonte, sem volta, do mecanismo. Resta saber, então, o que podemos fazer. Precisamos enfrentar o verdadeiro problema: o crescimento das despesas obrigatórias.

Na Câmara, a PEC 438/2018 (e, no Senado, as PECs 186 e 188/2019) buscam dar respostas a esse problema. A maior parte do conteúdo dessas propostas, contudo, limita-se a evitar que as despesas obrigatórias continuem a crescer em ritmo acelerado. Uma das poucas iniciativas que buscam efetivamente reduzir despesas é a que permite a redução temporária do salário dos servidores conjuntamente com a redução da jornada de trabalho.

Por isso, o conjunto dessas propostas pode não ser suficiente para promover um ajuste e ao mesmo tempo criar espaço fiscal que garanta o investimento e o funcionamento da máquina pública e o atendimento de novas demandas por gastos. É necessária uma reflexão sobre toda a estrutura das despesas, em especial das despesas obrigatórias sujeitas ao teto (como previdência, gastos com pessoal, subsídios e subvenções, benefícios diversos, despesas de fundos, entre outros).

A partir de 2023, os efeitos fiscais da reforma da previdência serão mais vigorosos. Até lá, precisamos combinar medidas urgentes e temporárias com reformas definitivas, para viabilizar o equilíbrio fiscal e a manutenção dos investimentos e serviços do governo federal.

No campo das medidas urgentes e temporárias, teríamos a combinação do acionamento das vedações do teto de gastos, com a desindexação de despesas obrigatórias por dois anos.

A possibilidade de redução de jornada com redução de remuneração abriria espaço de, aproximadamente, R$ 7 bilhões em 2021 e 2022. Adicionando às PECs em tramitação, o não reajuste nominal do salário mínimo para quem ganha acima do salário mínimo, por dois exercícios, abriria espaço de aproximadamente R$ 20 bilhões em 2021 e R$ 40 bilhões em 2022, pelo crescimento abaixo da inflação de despesas previdenciárias vinculadas ao mínimo.

A instituição de auditoria e maior rigor nas regras de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), aposentadoria rural seguro defeso e de outros benefícios previdenciários e assistenciais, para excluir fraudes e benefícios indevidos, também teria impacto substancial, a exemplo dos ganhos observados nas recentes auditorias do Auxílio Doença.

A maior focalização dos programas assistenciais com a incorporação ao Bolsa Família do Abono Salarial e do Seguro Defeso (dois programas sem impacto na redução da pobreza e com graves problema de gestão) representaria um espaço de mais de R$ 20 bilhões para que se ponha em prática a tão demandada expansão da política de transferência de renda.

A combinação de medidas duras, porém temporárias, com reformas permanentes que visem melhorar a relação custo-benefício das políticas públicas pode viabilizar a transição até 2023, quando o início de um novo mandato presidencial dará impulso renovado ao processo de reforma do Estado, ao mesmo tempo em que os efeitos da reforma da previdência se farão sentir de modo mais intenso.

É indispensável aumentar a eficiência da máquina pública por meio da reforma administrativa. Da mesma forma, é inadiável criar um ambiente de negócios mais favorável ao crescimento econômico por meio de uma reforma tributária. Com isso, conjugaremos ajuste fiscal com aumento de produtividade da economia, com impacto positivo no potencial de crescimento.

O descumprimento do teto de gastos para acionamento dos gatilhos não é a atitude correta para o momento, e implicaria sérios efeitos colaterais, políticos, fiscais e econômicos. Afinal, quem vai correr o risco de desrespeitar a Constituição? Só reafirmando a estabilidade fiscal, enfrentando a verdadeira causa dos problemas e implementando reformas estruturais vamos assegurar a retomada da economia.

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