BC conta com poupança das classes média e alta para estimular economia após fim do auxílio emergencial

Expectativa da autoridade monetária é que dinheiro guardado retorne à economia como consumo

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Brasília

Contando com o fim do auxílio emergencial no próximo ano, o Banco Central aposta na volta ao consumo daqueles que conseguiram poupar durante a pandemia para continuar a estimular a atividade, hoje dependente do auxílio pago pelo governo aos mais pobres.

No “cenário ideal” traçado pelo BC para o término do auxílio, as classes média e alta vão canalizar a poupança, que bateu recordes durante a pandemia, para o consumo, permitindo a manutenção do estímulo à atividade.

A autarquia se baseia em estudos próprios para as previsões. Um deles mostrou que o auxílio emergencial foi usado essencialmente para compras e pouco do benefício foi guardado para o futuro.

Outro levantamento sugere que a poupança foi formada pelas economias das classes mais altas, que deixaram de consumir pelas restrições impostas pelo distanciamento social e a falta de mobilidade, ou por incertezas.

Nesse documento, o BC mostra que pessoas de renda mais elevada (que varia de R$ 4.000 a R$ 20 milhões mensais) tiveram queda acentuada no consumo em abril, mês mais afetado pela pandemia da Covid-19. Nesse contexto, a retomada sugerida pelo BC viria da poupança feita por essa ampla faixa de renda, após o fim do auxílio emergencial pago aos mais pobres.

As duas pesquisas foram divulgadas no relatório de inflação da autarquia, publicado no fim de setembro.

“A massa salarial ampla foi quase que totalmente recomposta [pelos auxílios], mas o consumo caiu. Houve um aumento da poupança por parte da população de mais alta renda, que não teve acesso ao consumo de algum bem pelo distanciamento, por exemplo”, afirmou o presidente do BC, Roberto Campos Neto, na ocasião.

“O cenário ideal é aquele que o auxílio deixa de existir ou diminui e o efeito poupança tende a voltar para a economia”, disse Campos Neto.

Nos últimos documentos oficiais, o BC mostrou preocupação com o fim do auxílio emergencial e suas consequências sobre o nível de consumo e a economia. Apesar desse temor, a autoridade monetária tem reforçado a necessidade do fim do benefício, dado seu impacto negativo sobre os cofres públicos.

O professor de economia da UnB (Universidade de Brasília), Roberto Piscitelli, no entanto, alerta que o montante guardado pode não voltar imediatamente à economia.

“A poupança provavelmente não será automaticamente revertida em consumo depois de dezembro e mesmo que isso ocorra é difícil imaginar que se dê na mesma intensidade e velocidade.”

Para ele, caso o cenário traçado pelo BC se concretize, as diferenças econômicas e sociais entre as regiões do país serão acentuadas. “A população de baixa renda seria mais penalizada, especialmente no Norte e no Nordeste, onde o auxílio teve mais efeito e onde as economias das classes mais altas não devem compensar o fim do benefício”, ponderou.

O especialista destacou ainda que o mercado de trabalho pode demorar a responder a esse tipo de estímulo. “Enquanto isso, os mais pobres ficariam desassistidos”, disse.

Piscitelli lembrou também que o consumo gerado pelo auxílio emergencial foi preponderantemente de itens essenciais, como alimentos, e não de bens duráveis. “Isso não alavanca a economia e a indústria”, avalia.

Entre os consumidores analisados no estudo do BC, estão os super-ricos. O coordenador do curso de economia da Universidade Católica de Brasília, Matheus Silva de Paiva, ressaltou que este grupo tradicionalmente gasta fora do país.

“Eles foram impedidos de viajar e devem continuar consumindo em outros países quando a pandemia acabar”, diz.

Em sua visão, esperar uma retomada com base no consumo, sem investimentos, pode significar repetir o que considera erros de gestão do governo Lula (2003–2011).

“Além disso, é preciso insistir nas reformas estruturais, ou vamos experimentar voos de galinha [pequenos avanços seguidos de quedas]”, argumentou.

Dados mostram que o brasileiro guardou dinheiro durante a pandemia. No segundo trimestre, período em que a crise foi mais acentuada, a taxa de poupança do brasileiro cresceu 1,4 ponto percentual e ficou em 15,5% do PIB (Produto Interno Bruto).

O percentual, calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é formado com base na poupança bruta do brasileiro, que é o valor da renda que não consumido. Ao todo, R$ 256,8 bilhões foram economizados, R$ 10,4 bilhões a mais que no mesmo período do ano passado.

Desde o início da crise sanitária, a caderneta de poupança também tem registrado valores elevados em captação líquida (diferença entre depósitos e saques) na comparação com o restante da série e bate recordes no saldo.

No mês passado, o saldo do investimento, que é a soma de todo montante aplicado, alcançou pela primeira vez na história a marca de R$ 1 trilhão. No acumulado de março a setembro, os depósitos superaram os saques em R$ 153,1 bilhões.

Em outra ponta, o consumo foi impulsionado pelo auxílio emergencial. De acordo com a Caixa Econômica, 67,7 milhões de pessoas receberam o benefício. O socorro foi dividido em cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300, que serão pagas até dezembro.

Nem todos, no entanto, tiveram direito a todas as parcelas. Até agora, R$ 228,4 bilhões já foram pagos e o custo total do programa será de R$ 321,8 bilhões, já com a prorrogação até o fim do ano.

Marcelo Neri, diretor da FGV Social, avalia que o governo se encontra em um dilema. “O governo vai gastar [com o auxílio] R$ 322 bilhões, são nove anos de Bolsa Família em nove meses. Foi um programa voltado para a base da pirâmide e foi muito bem direcionado, mas desregulou a economia em alguns aspectos, como distorções nos preços dos alimentos”, afirma.

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