Estímulo financeiro segura retração global, mas retomada é incerta

Auxílios e outras medidas dos Estados ajudaram a reverter parte do pessimismo, mas há cautela sobre a força do crescimento

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São Paulo

Programas de transferência de renda, empréstimos e proteção ao emprego adotados por diversos governos em meio à pandemia do novo coronavírus ajudaram a reverter, em parte, o pessimismo com a economia mundial ao longo do terceiro trimestre.

A retirada desses estímulos, no entanto, gera dúvidas sobre como sustentar uma retomada e, ao mesmo tempo, tentar equilibrar as finanças governamentais.

A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), por exemplo, previa crescimento de 2,9% para o mundo no começo deste ano, chegou a projetar retração de 6% em junho e agora vê uma queda de 4,5%. Para o Brasil, a projeção de crescimento feita pela instituição de 1,7% foi revista para quedas de 7,4% (estimativa de junho) e de 6,5% (em setembro).

No Brasil, a melhora nas projeções coincide com a injeção de mais recursos na economia, por meio do auxílio emergencial para trabalhadores informais, que contribuiu para evitar uma queda na massa de rendimento das famílias, com programas de crédito e proteção ao emprego, bem como a reabertura das atividades e a redução das mortes por causa da pandemia.

As projeções de mercado coletadas pelo Banco Central na pesquisa Focus para o PIB (Produto Interno Bruto) neste ano chegaram a uma queda de 6,6% no dia 30 de junho, estimativa mais pessimista feita neste ano. Desde então, foram melhorando e, na última semana, estavam em -5,04%.

O próprio BC revisou sua projeção para 2020 de -6,4% (junho) para -5,0% (setembro), com destaque para a melhora nos dados da indústria, da construção e do comércio e para a piora nos serviços.

Em seu Relatório de Trimestral de Inflação divulgado neste mês, o Banco Central cita a retomada da atividade econômica no terceiro trimestre e uma moderação na volatilidade dos ativos financeiros, fatores que resultaram em um ambiente relativamente mais favorável para as economias emergentes, embora haja bastante incerteza frente a uma possível redução dos estímulos governamentais e à própria evolução da pandemia da Covid-19.

Frederico Gomes, economista do Ibmec Brasília, afirma que a maciça injeção de recursos ajudou a evitar uma contração maior do PIB (Produto Interno Bruto) mundial neste ano, mas esse aumento de gastos é temporário e representa uma conta que terá de ser equacionada nos próximos anos.

“A gente estava muito pessimista em março e abril, e isso também vale para outros países. Por conta das políticas de estímulos, que foram muito fortes, a gente vai ter um 2020 melhor do que se imaginava em abril. Em compensação, as apostas de 2021 para a frente começam a ser reduzidas, até em função desse problema fiscal que vai ter de ser enfrentado tanto aqui como em outros países”, diz Gomes.

Trabalhadores em uma linha de montagem em uma fábrica no Japão - Naomi Tajitsu/Reuters

“Mesmo que tenha uma vacina, tem coisas que não vão voltar como era antes. Isso dificulta uma retomada mais rápida e se reflete também no investimento, que é o que vai gerar o crescimento lá na frente”, diz.

O economista Marcel Balassiano, pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV Ibre, afirma que a retração da economia ainda estará em patamares recordes, apesar da melhora nas expectativas, que está ligada principalmente às medidas de estímulo à economia que praticamente todos os países fizeram, em maior ou menor grau.

No Brasil, isso é representado principalmente pelo auxílio emergencial. Na Europa, se destacam também medidas de retenção de emprego, como o “Kurzarbeit” na Alemanha, utilizado na crise de 2008/2009 e que vários países também repetiram agora, como França, Itália, Espanha e Reino Unido.

“A melhor palavra que define essa crise é a incerteza, econômica e sanitária. São muitas, mas menores do que há sete meses, quando tudo começou. Uma das grandes incertezas é como as economias vão se comportar quando esses estímulos forem reduzidos ou acabarem”, afirma Balassiano.

“No Brasil, o auxílio já não é mais de R$ 600. Na Europa, uma discussão é que você está mantendo renda, mas isso não vai durar para sempre e, quando esses estímulos acabarem, possivelmente o desemprego vai aumentar”, diz.

O economista Otto Nogami, professor do Insper, diz que as perspectivas para a economia brasileira ainda são piores do que as expectativas para o desempenho médio global.

Afirma ainda que boa parte da recuperação nos indicadores econômicos brasileiros no trimestre atual reflete mais os efeitos estatísticos da queda do PIB no segundo trimestre e uma recomposição de estoques do varejo e da indústria.

“A economia mundial estava já operando dentro de uma normalidade, sofreu um baque, mas há uma perspectiva de retomada do crescimento, talvez não de forma pujante. É um cenário diferente do nosso.

Nós entramos no isolamento social com uma economia totalmente fragilizada. Já estávamos estruturalmente em uma situação ruim”, afirma Nogami.

“O governo está com um deficit gigantesco, para tentar equacionar o auxílio emergencial está querendo tirar recursos de outras áreas. A retomada do crescimento não vai ser um processo normal no caso do Brasil.”

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