Geração Z confronta elite do Vale do Silício

Com jovens de até 21 anos, grupo Gen Z Mafia traz contraponto às tradições de empresas do oeste norte-americano

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Nova York | The New York Times

Para os jovens, o ingresso na competitiva indústria da tecnologia –ou em qualquer outro setor, aliás– se tornou muito mais difícil durante a pandemia. Os eventos de “networking” e reuniões de clubes estão suspensos, não existem muitos polos para conexão informal online, e o acesso aos investidores e fundadores cuja adesão pode definir o sucesso ou fracasso de um produto se tornou mais difícil.

No final de julho, Emma Salinas, 20, designer e engenheira que vive em San Francisco, e seu amigo Carson Poole, 21, fundador de uma startup de inteligência artificial, decidiram que era hora de fazer alguma coisa a respeito. Salinas montou um servidor na plataforma de mensagens Discord chamado Gen Z Mafia (uma referência a PayPal Mafia, um grupo de pessoas que começaram juntas naquela companhia e se tornaram líderes do setor), a fim de se comunicar com e conectar a outros jovens que procuram uma oportunidade de ingressar no setor.

Em poucas semanas, centenas de pessoas haviam aderido, entre elas alunos de segundo grau, jovens em idade universitária que já criaram empresas, e jovens empregados das grandes companhias de tecnologia.

Emma Salinas, 20, em São Francisco, Estados Unidos; a designer é uma das fundadoras da Gen Z Mafia, onde jovens da área de tecnologia podem discutir ideias e colaborar - Jason Henry/The New York Times

Juntas, as pessoas que usam o servidor estão estabelecendo contatos, colaborando e criando produtos que elas acreditam poderão influenciar o futuro.

Long Tran, 17, criou um sistema que permite que pessoas se protejam contra assédio e agressão no Twitter. Snigdha Roy, 16, está tentando usar o aprendizado por máquina a fim de criar um sistema de terapia por inteligência artificial. Diversos membros do Gen Z Mafia se uniram para criar o vibes.fiy, um fórum online cuja missão é divulgar positividade. O Cloakview.ai é um esforço para dificultar a operação do sistema de reconhecimento facial Clearview AI. O projeto está em desenvolvimento.

“Uma coisa sobre a qual todos podemos concordar é a disposição de batalhar e de construir coisas”, disse Justin Zheng, 19, um dos fundadores do grupo. “Sim, nós criamos alguns produtos para memes, mas também criamos coisas que têm uma missão. Queremos construir uma internet mais positiva, coisas que ajudem as pessoas”.

O grupo foi fundado como uma espécie de contraponto à elite do Vale do Silício, que de acordo com os integrantes da organização é excludente, elitista e eivada de problemas sistêmicos, entre os quais sexismo, preconceitos de idade e racismo. Em lugar de reforçar as normas e de reverenciar no Twitter os executivos de capital para empreendimentos mais respeitados e conhecidos, os membros do Gen Z Mafia tentaram cultivar um ambiente inclusivo e alinhado com seus valores.

Diversos sócios e sócios limitados de alguns fundos de capital mais antiquados –a quem os membros da Mafia se referem jocosamente como “tiozinhos”– participam do grupo, mas o acesso deles à maior parte do conteúdo é restrito. Qualquer pessoa com mais de 24 anos de idade é incluída em um grupo chamado Daddy Gang e limitado a apenas alguns canais.

Justin Zheng, 19, um dos fundadores da Gen Z Mafia, em Hillsborough, Califórnia - Jason Henry/The New York Times

“Queríamos criar um espaço íntimo no qual as pessoas pudessem mandar memes e ser elas mesmas, e não terem medo de dizer alguma coisa diante da possibilidade de que o pessoal do capital para empreendimentos estivesse lá”, disse Sudarshan Sridharan, 20, um dos fundadores do grupo. “Eles têm muito dinheiro, no entanto, e queremos que o deem para as pessoas do grupo”.

Sahil Lavingia, empreendedor que se tornou investidor, disse que espera servir como “um tio bacana” para a próxima geração de líderes da tecnologia.

“Eles podem pedir ajuda, mas não quero lhes dizer como viver suas vidas”, disse Lavingia, 28. “Sou só um visitante, nesse espaço, e não estou aqui para lhes dizer o que fazer ou como eles deveriam implementar sua comunidade, nessa nova era.”

É preciso preencher um formulário para aderir, mas os fundadores do grupo afirmam que isso é só uma formalidade.

“A comunidade do Gen Z Mafia é muito inclusiva”, disse Tran, acrescentando que os usuários do servidor “têm posições políticas diferentes, mas tentamos não reprimir uns aos outros”.

“Uma das melhores coisas de nosso grupo são as muitas formas pelas quais nos apoiamos mutuamente”, disse Johnny Dallas, 18, engenheiro da Amazon. “Fazemos testes beta dos produtos uns dos outros, votamos nas postagens de pessoas do grupo no Product Hunt, ensinamos nossas especialidades aos colegas e aproveitamos cada oportunidade de usar produtos criados pelos componentes”.

Sudarshan Sridharan, 20, um dos fundadores da Gen Z Mafia, em Richmond, Virgínia - Carlos Bernate/The New York Times

O grupo tem um clima relaxado e brincalhão. Os membros seniores são conhecidos como “Ministério da Construção”, o que representa uma brincadeira com uma postagem de Marc Andreessen, um dos grandes nomes do capital para empreendimentos, intitulada “é hora de construir”. Outros canais incluem a Unicorn Factory, para discutir ideias ambiciosas e planos para possíveis startups, e Hell Chat, para postar piadas.

Os integrantes também criaram espaços para interesses diferente, como memes sobre Minecraft, moda, jogos, criptografia e YouTube.

Salinas disse que o grupo está buscando recrutar mulheres e pessoas com origens marginalizadas, que nem sempre são reconhecidas pela elite do Vale do Silício. “Estamos procurando pelos excluídos, porque é deles que precisamos mais”, ela disse.

Brianne Kimmel, 32, fundadora da Worklife VC e integrante do grupo, disse que não a surpreendia que o pessoal da Geração Z se unisse para confrontar um setor que eles consideram que não os compreende.

“O pessoal do ramo de capital para empreendimentos está sempre ansioso para afirmar que compreende a Geração Z, mas a capacidade deles de ouvir ou de levar a Geração Z a sério não me impressiona”, disse Kimmel. A abordagem deles, ela disse, “é mais a de detectar macrotendências, e como a Geração Z está consumindo e criando mídia, e menos a de compreender por que a geração está criando aquilo que ela vem criando”.

Mas construir um novo sistema significa deixar de lado a elite do setor de tecnologia. Alguns dos líderes do grupo continuam a cultuar como heróis muitos dos poderosos e divisivos líderes do ramo, como Elon Musk e Andreessen, um fato que desperta oposição da parte de outros integrantes.

O Gen Z Mafia foi criticado por numerosas ações equivocadas, algumas delas misóginas. No começo do grupo, os integrantes se premiavam uns aos outros por meio de uma moeda virtual chamada “esposas”. Salinas disse que “nós proibimos isso assim que percebemos que estava acontecendo. A única moeda que usamos agora são emojis”.

O grupo organizou um “hackathon” em agosto que muitos integrantes consideram como excludente com relação às mulheres. Em resposta, o grupo designou seis juradas mulheres e três jurados homens de grupos sub-representados. Alguns integrantes disseram que isso ainda não era o bastante. Mais tarde no mês, um app de “teste de pureza” desenvolvido dentro do grupo causou ira no Twitter. (O app, baseado em uma velha pesquisa universitária, tinha por objetivo avaliar o suposto grau de inocência dos participantes, especialmente com relação a sexo.)

Fiona Carty, 22, designer em San Francisco e uma das primeiras integrantes do Gen Z Mafia, se declarou decepcionada com o comportamento sexista e com as declarações de Sridharan no Twitter e outras mídias.

“Tentei exercitar minha empatia com ele”, ela disse. “Mas há coisas que ele diz que não são politicamente corretas e inclusivas”.

Sridharan comentou que “estamos todos aprendendo e crescendo a cada dia. Estou fazendo o melhor que posso para me tornar a melhor pessoa que puder”.

“Nossa regra é tolerância zero quanto a comportamento não inclusivo”, disse Salinas. “Quem quer que não cumpra essas regras, incluindo os fundadores, será excluído da comunidade”.

O Gen Z Mafia é parte de um movimento mais amplo de jovens que desejam desafiar a elite da tecnologia.

Em junho, um grupo chamado Eye Mouth Eye criou um produto falso que aproveitava a ideia de exclusividade e a cultura do “hype” para levar os empreendedores endinheirados do setor de capital para empreendimentos a doar dinheiro para o movimento Black Lives Matter.

“No Eye Mouth Eye, a crença central é que não fazemos coisas por lucro, não tentamos tirar vantagem financeira das coisas, e dedicamos nossa energia a projetos que promovam o bem comum”, disse Carty.

“Não queremos investimento do setor de capital para empreendimentos; queremos usar nossos talentos para ajudar as pessoas. Creio que o Gen Z Mafia também faça isso, em algum grau. Mas no Gen Z Mafia, eles cultuam a elite da tecnologia”.

Nos próximos meses, os membros do grupo planejam criar um consórcio de investimento ou um fundo “angel” para capitalizar projetos dos integrantes do grupo. (Sridharan disse que o grupo esperava levantar dinheiro de investidores em tecnologia e por meio de estrelas do TikTok.) Eles entendem o grupo como incubadora de ideias e esperam ver empresas formadas como resultado dessas discussões.

“Não sei explicar exatamente, mas há uma energia que sinto na Geração Z”, disse Salinas. “Quero que os demais jovens saibam que não estão sozinhos em desejar criar muitas coisas, e nas visões e sonhos que têm, e em seu desejo de mudar o mundo”.

Tradução de Paulo Migliacci

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