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Indústria sofre com escassez e aumento de preços de insumos

Estoques baixos, câmbio e alta das commodities impactam prazos e custos

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Rio de Janeiro e São Paulo

Em sondagem feita pelo setor, fabricantes de máquinas e equipamentos alertaram para o risco de paralisação de algumas linhas de produção por dificuldades para obter aço.

O problema também aflige os fabricantes de eletrodomésticos, que alertam para possíveis riscos em 2021.

Os dois segmentos ilustram a pressão que a ruptura nas cadeias produtivas e a escalada do dólar exercem sobre a retomada da indústria após os piores momentos da pandemia. Para executivos e especialistas, o cenário torna ainda mais nebuloso o ritmo de recuperação futura.

Linha de fabricação da Volvo Caminhões
Linha de fabricação da Volvo Caminhões; indústria sofre com escassez e aumento de preços de insumos - Divulgação

Estudo interno feito pela Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo), ao qual a Folha teve acesso, mostra que 62% das empresas entrevistadas declararam no início de setembro que fornecedores estão ofertando quantidades abaixo de suas necessidades de compra de insumos, matérias-primas e embalagens.

Os principais produtos com percepção de escassez são papelão, aço, resinas termoplásticas, produtos químicos, alumínio, cobre e celulose ou papel. A escassez ocorre num momento em que os estoques estão, em média, 35% abaixo do normal, considerando as expectativas de venda para os próximos quatro meses.

À escassez de produtos, soma-se a alta de preços, provocada tanto pelo desequilíbrio entre oferta e demanda, quanto por fatores externos, como a desvalorização cambial e a elevação das cotações de commodities internacionais.

Segundo o estudo da Fiesp, 92% das empresas declararam ter sentido o problema,
com alta média de 22%.

“Estamos com dois problemas: dificuldade de fornecimento dentro do prazo e aumento de preços”, diz José Jorge do Nascimento Junior, presidente da Eletros (Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos).

Com as vendas de eletrodomésticos superaquecidas após a reabertura do comércio, o setor trabalha a plena capacidade, mas não há risco de falta de produto para as vendas de Black Friday e Natal.

“A grande dor de cabeça é o que vai acontecer a partir de 2021. O que temos de insumo atende o momento atual, mas tão logo isso passe, começa a ligar o sinal de alerta”, afirma.

O prazo de entrega de aço, que normalmente é em torno de 60 dias, passou para 90 dias, diz Bruno Bassi, gerente executivo da Açotubo, a maior distribuidora de aço do país.

A empresa diz que não deixou de entregar produtos a clientes, mas trabalha com estoques mais apertados.

Especialistas dizem que as dificuldades refletem ruptura nas cadeias produtivas durante o período mais duro da pandemia: a indústria reduziu produção, os estoques foram consumidos e, com a economia voltando em ritmo mais rápido do que o esperado, a velocidade de reposição não está sendo suficiente.

Nas últimas semanas, produtores de aço fizeram reuniões com seus principais consumidores, para tentar tranquilizar o mercado. Segundo o presidente do IABr (Instituto Aço Brasil), Marco Polo de Mello Lopes, as siderúrgicas já religaram os alto-fornos parados no pior momento da crise e a produção já é superior ao período pré-pandemia.

“Não existe problema de abastecimento. O que existe é um tempo para retomar os estoques”, diz ele. “Tem usina que o cliente pedia mil toneladas e está pedindo 5 mil, pois está preocupado em repor seus estoques.” O instituto prevê que a situação se regularize até o fim do ano.

A normalização do abastecimento, porém, se dará em um patamar mais alto de preços, que pode comprimir as margens das empresas em um cenário de crise econômica, diz o economista Otto Nogami, do Insper. Ele destaca que os índices de inflação mostram hoje que, enquanto o custo da matéria-prima bruta sobe 56% no ano, os preços na porta da fábrica subiram 12%.

“A diferença é gritante e mostra que a cadeia está com problemas”, diz. “A indústria está dilapidando capital de giro e, sem capital de giro, como vai produzir? É uma situação que pode comprometer a recuperação nos próximos meses.”

O estudo da Fiesp aponta que a lista de insumos com alta de preços é praticamente igual à de insumos com dificuldades de oferta. A única exceção são os fios para a indústria têxtil, que são pressionados pela alta do preço do algodão mas não estão entre os mais escassos.

“No momento em que o mercado reaquece, o mundo é outro, diferente daquele da parada”, diz o assessor
de assuntos estratégicos da Fiesp, André Rebelo.

“A gente parou com um dólar na casa dos R$ 4 e retomou com dólar acima de R$ 5.”

Além do câmbio, a elevada demanda chinesa impactou preços das principais commodities industriais. O minério de ferro bateu US$ 124 por tonelada no fim de agosto, 33% a mais do que no início do ano.
Rebelo diz que a percepção é que as cadeias produtivas estão se normalizando e avalia que o processo será menos traumático se os clientes da indústria focarem em compras para abastecer a demanda imediata, deixando a reposição de estoques para depois.

Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados), concorda. Para ele, parte do problema é causado pelo próprio medo de desabastecimento, que leva fabricantes a fazerem pedidos repetidos em mais de um fornecedor, sobrecarregando o mercado.

Alguns polos calçadistas enfrentam dificuldades com as compras de PVC, utilizado em solados. Nas últimas semanas, há algum gargalo também em caixas de papelão ondulado, utilizadas para embalar
os fardos de caixas de sapato.

Tanto a indústria química quanto a de papelão afirmam produzir hoje mais do que antes da quarentena. A primeira diz estar utilizando 78% de sua capacidade. A segunda bateu recorde de emissão de papelão ondulado em agosto, com 346 mil toneladas.

Rebelo, da Fiesp, diz acreditar, no entanto, que mudanças de hábitos dos consumidores podem demandar novos investimentos, já que o comércio online e o delivery dependem das embalagens.

Fábricas relatam aumento de preços

  • 92% das empresas ouvidas em setembro em pesquisa da Fiesp sentiram alta nos preços de insumos, matérias-primas ou mercadorias
  • 47,1% delas tiveram dificuldade com compras
  • 63% relataram estar com estoque abaixo do normal
  • 62% disseram que fornecedores estão ofertando quantidades abaixo das necessidades
  • 76% é a alta do minério de ferro no ano até agosto
  • 24,6% é a alta no preço da celulose

Principais produtos em falta e com alta de preços

  • Papelão
  • Aços planos
  • Resinas termoplásticas
  • Produtos químicos diversos
  • Tubos de metal
  • Produtos de alumínio
  • Aços longos
  • Produtos de cobre
  • Celulose ou papel

Principais fatores que causam o problema

  • Cortes na produção após redução da demanda
  • Desvalorização cambial
  • Forte retomada chinesa
  • Descompasso entre oferta e demanda na retomada
  • Busca por novos canais de aquisição

Fonte: Fiesp (pesquisa realizada com 314 empresas de 2 a 4 de setembro)

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