Mais da metade das empresas não tem confiança na política econômica, diz pesquisa

Sondagem do FGV Ibre indica que incerteza é vista como risco para retomada nos próximos meses

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São Paulo

Quando os empresários brasileiros olham para frente, mirando os próximos seis meses, a maioria tem a expectativa de que o ambiente de negócios vai melhorar. O principal fator para o otimismo é a evolução da economia global.

Mas eles também vislumbram riscos que podem comprometer esse cenário. Além da incerteza com a pandemia, aparece com destaque a incerteza econômica e a falta de confiança na política econômica do governo.

Os dados constam da mais recente sondagem realizada pelo FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

Pouco mais da metade das empresas brasileiras, 52%, afirma na sondagem que a falta de confiança na política econômica do governo é um dos principais fatores que estão influenciando negativamente as expectativas de evolução do ambiente de negócios nos próximos meses.

A incerteza econômica é citada por 71% das empresas, percentual superior ao das que apontam também a questão da pandemia (65%).

“A incerteza não é só econômica, mas esse é o fator preponderante”, diz Viviane Seda Bittencourt, coordenadora das sondagens do FGV Ibre.

Na cúpula empresarial brasileira a preocupação é crescente. Até grandes empresários que sempre defenderam o atual governo estão insatisfeitos em alguns pontos, sobretudo com a demora para tirar as privatizações do papel e a falta de empenho para fazer com que as reformas avancem no Congresso.

Essa é uma preocupação compartilhada, por exemplo, por Rubens Ometto, acionista das empresas Raízen, Comgás, Cosan e Rumo, que atuam no ramo de combustíveis, açúcar e logística e faturam R$ 80,1 bilhões ao ano, e Lírio Parisotto, da petroquímica Innova, que fatura R$ 3,2 bilhões por ano.

Rubens Ometto - Divulgação/Cosan

“Eu ainda estou meditando sobre o que me preocupa mais [a pandemia ou a política econômica]. Fato é que essas reformas têm que deslanchar. Sair do campo teórico e ir para o campo prático. É isso aí que o pessoal está esperando", Rubens Ometto, acionista das empresas Raízen, Comgás, Cosan e Rumo

Segundo Parisotto, o cenário atual contrasta com a expectativa no início de 2019, que era muito alta. “Todos esperavam uma gestão mais eficiente nesses pontos chaves.”

Para Ricardo Lacerda, do Banco BR Partners, um dos líderes em fusões e aquisições, que realizou mais de R$ 200 bilhões em operações, é compreensível que a situação fiscal brasileira tenha se agravado durante a pandemia, mas não há justificativa para a interrupção de reformas, como a tributária e administrativa.

A desconfiança em relação ao compromisso do governo com o equilíbrio das contas públicas e a agenda de reformas econômicas, apontada também na sondagem do Ibre FGV, tem contaminado vários indicadores.

A alta das taxas de juros de longo prazo já dificulta a rolagem da dívida pública, enquanto o real depreciado tem provocado problemas como a alta nos preços de insumos importados, elevando custos.

O percentual de desconfiança em relação à política econômica é mais alto no varejo, opção citada por 68% das empresas de um dos setores menos afetados pela pandemia. Essa preocupação está em torno de 45% das empresas nos demais setores.

​Na visão de Pedro Wongtschowski, acionista e presidente do conselho de administração da Ultrapar, empresa que teve um faturamento de R$ 89 bilhões em 2019, por exemplo, o quadro econômico é mais crítico que o pandêmico.

Enquanto o cenário para a saúde pública melhora com a perspectiva de criação de uma vacina, a perspectiva econômica turva, comprometendo a confiança para investir.

​Um termômetro para ele é o comportamento dos investidores. “O próprio processo de privatização está indo muito mais lento e tem atraído interesse de investidores nacionais. A fuga de capital estrangeiro também é preocupante.”

Pedro Wongtschowski - Gabriel Cabral-12.nov.18/Folhapress
"São grandes as incertezas decorrentes da ausência de uma higidez fiscal, diante de um câmbio desvalorizado e longe da estabilidade, de um desemprego elevado e de uma redução de consumo por conta da queda de auxílios pagos pelo governo. E ainda tem o risco de inflação. É um cenário que não convida ao investimento", Pedro Wongtschowski, acionista e presidente do conselho de administração da Ultrapar

Horácio Lafer Piva, acionista da Klabin, considerada a maior produtora e exportadora de papéis para embalagens do Brasil e que teve um faturamento de R$ 10,24 bilhões em 2019, declara ter uma dupla angústia.

De um lado, mantém a preocupação com o coronavírus e teme os efeitos quando se baixa a guarda com a doença. “A pandemia ocupou tanto espaço de todos. Há um cansaço natural entre empresários e trabalhadores. Agora, as pessoas estão voltando a ter uma vida normal —o que é um perigo”, diz ele.

Por outro, teme a descontinuidade das políticas governamentais e a incerteza que esse cenário gera.

Horácio Lafer Piva - Avener Prado-01.set.15/Folhapress

"As políticas são erráticas, voláteis. O teto fura ou não fura? As reformas não andam. Faz ou não faz a reforma tributária e a administrativa?", Horácio Lafer Piva, acionista da Klabin

No levantamento feito pelo FGV Ibre, a preocupação com a pandemia se destaca nos serviços, citada por 77% dos entrevistados no setor que mais depende do fim da crise sanitária para voltar a crescer.

O fim dos auxílios emergenciais aos consumidores e dos programas de ajuda às empresas é apontado por cerca de 25% dos entrevistados como uma das principais preocupações.

Essa questão é mais destacada pelos empresários da indústria (48%), principalmente nos segmentos de alimentação (70%) e limpeza e perfumaria (100%). Ou seja, por segmentos cujas vendas têm sido impulsionadas pelo programa emergencial.

No comércio, a questão do auxílio é mais citada nos segmentos de material de construção e de móveis e eletrodomésticos (58% de empresas com essa preocupação).

“Mesmo a indústria, que é a mais otimista entre os setores e tem uma recuperação muito acima dos demais, está preocupada com o fim dos auxílios emergenciais ao consumidor, o que pode diminuir a demanda interna”, diz a pesquisadora.

Na sondagem com 2.785 empresas, os principais fatores positivos que estão influenciando as expectativas são as perspectivas de retomada da economia mundial e a consolidação da recuperação do setor, apontados por mais de 50% dos entrevistados.

O setor de serviços é o que tem menor percentual de empresas com expectativas positivas (62%). Na indústria, 79% estão otimistas.

Ricardo Lacerda - Danilo Verpa-21.set.15/Folhapress
"O que preocupa é a paralisação da agenda de reformas, que teria que ser implementada para compensar o agravamento da situação fiscal. E a gente vê dificuldade de evoluir com isso. Ninguém também espera aumento de impostos para compensar, porque agravaria a situação", Ricardo Lacerda, fundador e presidente do banco BR Partners

Dados do Monitor do PIB do FGV Ibre mostram que o consumo de bens, impulsionado pelo auxílio emergencial, voltou em julho ao nível anterior à pandemia e, em agosto, estava 0,8% acima do nível de fevereiro.

Nos serviços, ainda está cerca de 10% abaixo do período pré-pandemia. Com isso, o consumo total (que é praticamente dividido meio a meio entre bens e serviços) ainda apresenta queda de 5,8%.

“Da queda de quase 10% do consumo de serviços, aproximadamente 5 pontos percentuais se devem a alojamento e alimentação, com uma recuperação que ainda não foi suficiente, mesmo depois dessa flexibilização”, afirma Juliana Trece, economista do Núcleo de Contas Nacionais do FGV Ibre.

Lírio Parisotto - Mathilde Missioneiro-30.set.19/Folhapress
"O governo não fez nada das privatizações, nem a reforma administrativa. Esse governo é uma decepção, dois anos se passaram e não aconteceu nada. Nenhuma mísera privatização. Até a da Previdência é uma reforma capenga que deveria ser mais profunda", Lírio Parisotto, acionista presidente da petroquímica Innova

“A indústria está com muito mais velocidade. Nos serviços, parece que só com uma solução para a questão da pandemia, que permita aglomeração”, afirma a pesquisadora.

O economista Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do FGV Ibre, afirma que o setor de outros serviços representa cerca de 25% dos serviços totais, que por sua vez respondem por aproximadamente 70% do PIB. “Isso significa que cerca de 15% do PIB não está voltando.”

As prévias das sondagens do Ibre têm mostrado que a indústria ainda está otimista, mas há um descolamento em relação às expectativas dos consumidores e de outros setores.

“Na prévia de outubro a gente vê a indústria melhorando, enquanto os demais setores apresentam uma certa redução. A gente também teve a maior diferença entre confiança dos consumidores e da indústria. Existe uma diferença muito grande entre empresários e consumidores”, afirma Bittencourt.

“Isso corrobora a análise que a gente tem feito de que o consumidor está mais cauteloso em utilizar os serviços e voltar a fazer atividades como viagens e ir a teatro e cinemas por conta desse medo em relação à pandemia. Há uma perspectiva melhor de retomada da indústria e da construção e menor do setor de serviços”, afirma a coordenadora das sondagens do FGV Ibre.

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