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Mukesh Ambani: a ascensão implacável do homem mais rico da Ásia

Como o magnata com uma fortuna de R$ 442,4 bilhões decidiu criar uma gigante global de tecnologia

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Benjamin Parkin Anjli Raval
Londres | Financial Times

Quando Ajit Mohan pousou no calor úmido de Mumbai, em dezembro passado, era um homem em uma missão. O executivo de mídia de 45 anos tinha entrado havia pouco no Facebook para ajudar a relançar sua trajetória na Índia. Embora a gigante das redes sociais tivesse mais de 300 milhões de usuários no país —mais do que em qualquer outro lugar do mundo—, decisões erradas e disputas regulatórias atrapalharam seus esforços para ter um lucro real lá.

Mohan estava acompanhado de David Fischer, diretor de receitas do Facebook, e os dois foram levados rapidamente ao subúrbio industrial de Navi Mumbai. Lá, uma série de reuniões colocou em ação o plano da empresa: formar uma aliança com o homem mais rico da Ásia.

Mukesh Ambani
Mukesh Ambani, presidente e diretor administrativo da Reliance Industries - REUTERS/Adnan Abid

Mukesh Ambani não seria especialmente identificado fora da Índia. Pesado, com olheiras profundas e uma predileção por camisas brancas de manga curta, o homem tímido de 63 anos é um contraste sóbrio com os chefes da tecnologia americanos que usam abrigos com capuz e carregam celulares. Mas essa aparência desmente sua importância em um país de 1,4 bilhão de habitantes e o poder que sua fortuna de US$ 80 bilhões (R$ 442,4 bilhões) acarreta.

A Reliance Industries era um grupo petroquímico e de refino de petróleo lucrativo, embora nada charmoso, quando Ambani assumiu o controle em 2005, três anos após a morte de seu pai. Mas na última década ele embarcou em um projeto que o tornou uma das pessoas mais comentadas no Vale do Silício. A operadora de celular que ele fundou em 2016, Jio, já pôs de lado as concorrentes e se tornou a maior da Índia.

Ambani espera que ela seja a resposta do país à chinesa Alibaba, uma gigante da tecnologia local em um dos mercados de internet de crescimento mais rápido do mundo.

Para os executivos do Facebook Fischer e Mohan, unir forças com a "revolucionária" Jio era uma oportunidade impossível de ignorar. E em abril o namoro culminou com o investimento de US$ 5,7 bilhões (R$ 31,5 bilhões) do Facebook na Jio —seu maior negócio no exterior até agora. O contrato deslanchou uma onda em que uma dúzia de outros investidores estrangeiros —incluindo o arquirrival do Facebook, Google— assinaram vários cheques de bilhões de dólares por participações na empresa de rápido crescimento. "Tornou-se uma situação do tipo 'medo de ficar de fora'", diz uma pessoa envolvida.

Para Ambani, isso marcou o ápice triunfal de uma carreira em que transformou a gigante de energia de seu pai em um conglomerado adequado ao século 21. Além de seu domínio em energia e telecomunicações, a Reliance administra o maior negócio de varejo da Índia. Ambani e sua família também possuem diversos veículos de notícias, supervisionam uma escola e um hospital --e dirigem os Mumbai Indians, time de críquete de sucesso na Primeira Liga indiana. "Ele combina uma visão excepcional, uma ambição enorme e uma execução admirável", diz o magnata Harsh Goenka, de Mumbai, seu amigo.

Mas Ambani é tão polêmico quanto admirado. Entrevistas com funcionários atuais e antigos, amigos, conselheiros, autoridades, parceiros de negócios e rivais pintam o retrato de um homem que apresenta suas ambições como ligadas às da nação. Isso complementa uma busca obstinada por sucesso e escala, engolindo muitos em seu caminho —inclusive seu próprio irmão.

Em suas vitórias empresariais e acumulação de riqueza, Ambani vê um claro benefício para seu país, hoje sob a liderança do primeiro-ministro Narendra Modi. Em 2018, o empresário argumentou que a Jio era "o mais poderoso promotor de mudança na Índia hoje". A mensagem: dizer não ao crescimento de Ambani era o mesmo que dizer não ao da Índia.

No entanto, observadores externos apontam para uma capacidade quase sem paralelo de alavancar sua riqueza, conhecimento político e escala da Reliance para construir um ecossistema que funcione a seu favor. Ambani é respeitado e temido —amigos buscam sua aprovação tácita antes de assumir novos papéis, enquanto os rivais evitam entrar em conflito direto.

Um funcionário do governo sugeriu que o poder da Reliance evoca mais o de uma nação do que de uma empresa privada: "A Reliance opera como um Estado independente dentro de um Estado. Os ministros desconfiam de Mukesh Ambani porque ele é muito poderoso, e há uma sensação de que deve ser tratado com cuidado".

Os amplos interesses comerciais de Ambani —e sua influência política— significam que ele é visto hoje como uma porta de entrada para a florescente economia digital e voltada para o consumo da Índia, uma das últimas grandes histórias de crescimento global. Tendo concluído a captação de fundos para a Jio, ele está levantando bilhões com investidores importantes para sua empresa de varejo. Mas os críticos temem que o que ele está construindo se torne um monopólio que esmague a concorrência e, em última análise, prejudique os consumidores indianos, ao mesmo tempo em que concentra poder em torno dele e de sua família. "Ele quer ser a Netflix, ele quer ser a Alibaba", disse um ex-funcionário. "Ele quer ser tudo."

No escritório espaçoso e cheio de sofás de Ambani, localizado em um edifício banal no sul de Mumbai, cercado por barracas de chá e lanches, está pendurado um grande retrato de seu pai. Se Mukesh está se tornando o mais importante magnata da Índia no início do século 21, Dhirubhai Ambani imperava no final do anterior.

Nascido em 1932, ele foi criado na pobreza rural no estado de Gujarat, no oeste da Índia, e emigrou para o Iêmen quando adolescente para trabalhar em uma empresa comercial. Após seu retorno à Índia no final dos anos 1950, começou a comercializar fios sintéticos, antes de se ramificar para a fabricação de poliéster, construindo fábricas que transformaram a Reliance em uma potência industrial. "Dhirubhai foi um grande líder", disse uma pessoa próxima à empresa. Mukesh e aqueles ao seu redor "idolatram Dhirubhai".

Em seus primeiros anos, Mukesh e seu irmão mais novo, Anil, testemunharam as lutas de seu pai para construir a empresa. Ambos herdaram sua visão de forasteiro, mesmo quando passaram a desfrutar de uma vida de luxo. Dhirubhai Ambani foi o mais proeminente novato a ingressar na elite empresarial antes controlada por famílias que fizeram fortuna na era colonial. Ele era conhecido como um quebra-galho político, mantendo uma operação de influência lendária em Nova Délhi que conquistava favores de burocratas e políticos para obter as necessárias licenças comerciais. Os críticos historicamente afirmaram que, naquela época, algumas autoridades receberam benefícios, incluindo financiamento para a educação de seus filhos. A empresa e Ambani sempre contestaram essas alegações.

Uma pessoa próxima à família reconheceu que Dhirubhai teve de fazer "coisas difíceis" para superar as elites que mantinham o domínio econômico na época. Foi um legado homenageado no filme "Guru", de 2007, um relato ficcional inspirado em sua vida e distribuído pela empresa de entretenimento de Anil, que retrata o protagonista como um empreendedor fanfarrão que buscava crescer a todo custo e não tinha medo de jogar duro quando era excluído por empresários famoso.

Ao longo de décadas, as práticas de negócios do conglomerado continuaram a atrair escrutínio. Em 2017, o Conselho de Valores e Câmbio da Índia multou a Reliance Industries por conexão com um caso de manipulação de mercado (a empresa apelou da decisão); grupos de campanha também acusaram a Reliance Industries de ter ligações inadequadas com o governo em um caso na Suprema Corte sobre um acordo de exploração de gás, o que a Reliance nega.

Ambani, que raramente fala com a imprensa, não quis dar entrevista para esta reportagem. A Reliance se recusou a dar respostas para publicação a vários pontos colocados para comentários, dizendo que pareciam se basear em informações "imprecisas" de fontes de "veracidade duvidosa".

Ambani deixou a Escola de Administração de Stanford no meio do curso de graduação, com 20 e poucos anos, para ajudar a administrar uma fábrica de poliéster, e cresceu na empresa. Mas a morte de Dhirubhai em 2002 provocou um confronto lendário entre os irmãos sobre como administrar o império.

Em um acordo de paz em 2005 negociado por sua mãe, a dupla dividiu o conglomerado. Anil, visto como o irmão mais estiloso e casado com uma estrela de Bollywood, ampliou as empresas de finanças, energia e telecomunicações da Reliance e se aventurou na produção de filmes. O comparativamente modesto Mukesh assumiu o negócio de derivados de petróleo.

Mas os irmãos continuaram trocando farpas e se bloqueando em uma disputa que atraiu os indianos no país e no exterior. Afrontando uma sociedade que valoriza a lealdade e a união familiar, Anil se envolveu em uma denúncia de difamação contra seu irmão por causa de comentários nos quais Mukesh parecia sugerir que Anil tinha supervisionado as operações de "inteligência" corporativa da Reliance.

O lançamento da Jio acabou por dar a Mukesh a vantagem na amarga batalha com o irmão. Embora já tivesse ajudado a abrir uma empresa de telecomunicações com seu pai, ele a perdeu para Anil nos termos da divisão de 2005.

Ele, por sua vez, usou seu primeiro direito de recusa sob os mesmos termos para afundar um acordo da Reliance Communications, de Anil, para se fundir com a MTN da África do Sul, o que teria criado uma das maiores empresas de celular do mundo. Então, em 2010, Mukesh deu um passo decisivo que acabaria com o negócio de seu irmão, garantindo uma licença de frequência para sua nova operadora.

Esta incursão renovada nas telecomunicações intrigou muitos que questionavam por que uma empresa que dirigia uma das refinarias de petróleo mais bem-sucedidas do mundo investiria bilhões em um empreendimento especulativo, em um momento em que o consumo de energia da Índia estava crescendo rapidamente. Mas os executivos da indústria de energia ocidental que conhecem Ambani dizem que ele já encerrou a era do petróleo. Nos anos anteriores, os executivos seniores da Reliance perguntaram aos líderes do setor sobre a possibilidade de um pico na demanda global por petróleo. "Hoje as questões tendem a ser sobre quando [isso] vai acontecer, e não se", disse uma pessoa envolvida nas discussões.

A energia continua sendo um pilar fundamental do império Reliance, mas Ambani procurou diluir sua participação e agora busca uma estratégia para se tornar uma empresa de zero carbono. No ano passado, a Reliance disse que planejava vender 20% de seus negócios de refinaria para a saudita Aramco por cerca de US$ 15 bilhões (R$ 82,95 bilhões). Mas o negócio, que deveria ser um dos maiores investimentos estrangeiros na Índia, estagnou depois que o reino empacou com o preço devido à queda acentuada nas cotações do petróleo durante a pandemia.

À medida que o foco de Ambani passava para a tecnologia, ele muitas vezes repetiu o clichê de que "os dados são o novo petróleo". A Índia certamente apresentava um dos mercados mais promissores do mundo. Centenas de milhões estavam comprando telefones celulares pela primeira vez, embora continuassem a funcionar com dados 2G e 3G, mais lentos, e ainda fossem caros demais para muitos.

O plano de Jio era superar as empresas estabelecidas lançando serviços 4G a preços radicalmente mais baixos. Um ex-funcionário descreveu isso como parte de uma visão de "democratizar o acesso à internet". A mesma fonte relembrou o grande interesse de Ambani pelo projeto: depois de enviar um documento de pesquisa volumoso no final da noite, uma cópia anotada com os rabiscos de Ambani foi devolvida a ele na manhã seguinte.

Quando a Jio afinal foi lançada, em 2016, rapidamente acumulou milhões de usuários, oferecendo serviços a preços baixíssimos com ofertas iniciais duradouras, solapando seus rivais e forçando-os a cortar os próprios preços.

Um boom no uso da internet ocorreu quando milhões de indianos da classe trabalhadora e da zona rural puderam fazer videochamadas para parentes, assistir a partidas de críquete ou jogar online pela primeira vez. "A indústria de telecomunicações indiana combinada levou 25 anos para construir uma rede 2G nacional", disse Ambani em 2018. Para construir uma rede 4G avançada, "a Jio levou apenas três anos".

Mas o sucesso da Jio foi prejudicado por repetidas alegações de táticas prepotentes para esmagar a concorrência, incluindo preços predatórios. Os críticos também afirmam que tem havido tratamento favorável por parte das autoridades, incluindo a Jio ser exonerada pelos reguladores e autoridades de concorrência, apesar de estender as ofertas de preços de lançamento além do prazo habitual de 90 dias.

O caminho da Reliance foi desobstruído depois que uma mudança regulatória de 2013 permitiu que ela convertesse sua licença de dados para também transmitir chamadas de voz. Um rascunho de relatório do auditor estadual descobriu que a Jio tinha efetivamente pago menos de 230 bilhões de rupias (R$ 17,3 bilhões) para garantir a licença unificada, mas a versão final do relatório desanimou os críticos da Jio ao concluir que seu pagamento insuficiente era muito menor.

Na opinião de Prashant Bhushan, advogado de interesse público que moveu vários processos contra a empresa: "A [Reliance] foi bastante inteligente ao investir no setor de telecomunicações. Mais do que isso, porém, eles foram ajudados em todas as fases pelo governo e agora pelos tribunais".

Desde então, uma onda de empresas de telecomunicações foram forçadas a deixar o setor de telefonia móvel ou faliram. Restam apenas duas concorrentes privadas: a Vodafone Idea e a Airtel, do bilionário Sunil Bharti Mittal. Mittal disse ao FT no ano passado que competir com a Reliance era "um trabalho árduo... Eles querem ser dominantes". Ambas as empresas sofreram um golpe severo no ano passado, quando uma decisão judicial ordenou que pagassem bilhões de dólares ao governo em taxas históricas. A mais jovem Jio, no entanto, foi solicitada a pagar apenas US$ 2 milhões (R$ 11 milhões).

Na opinião de Rahul Khullar, ex-presidente da Autoridade Reguladora de Telecom da Índia, "a regulamentação tendenciosa e partidária em favor da Jio levou à crise geral no setor". Ele acrescentou: "A Jio estava sangrando a Airtel e a Vodafone Idea na esperança de que vocês estivessem na situação de último sobrevivente... Eles não se importaram porque tinham bolsos fundos em outro lugar".

A Reliance nega veementemente que tenha recebido tratamento favorável e atribui seu sucesso à perspicácia empresarial e visão ousada de Ambani.

Um dos mais atingidos pela ascensão da Jio foi o irmão de Mukesh, Anil: foi um golpe brutal para sua metade cada vez menor do império empresarial. A RCom não conseguiu se manter e abandonou o setor de telefonia móvel em 2017 antes de ir à falência. Em 2018, o próprio Anil dizia que o setor de telecomunicações estava se tornando uma "estrutura oligopólica que... poderia eventualmente se tornar um monopólio".

A sorte de Mukesh contrasta totalmente com a de seu irmão. "O que [Mukesh] fez de certo, ele era o cara por trás dos negócios principais. Não era Anil", diz Sucheta Dalal, jornalista veterana, que há muito faz a cobertura dos dois.

No ano passado, os crescentes problemas de dívidas de Anil eram tão agudos que ele esteve prestes a ser preso por desacato ao tribunal por uma dívida de US$ 77 milhões (R$ 425,8 milhões) ao grupo sueco Ericsson. Uma fiança de última hora paga por Mukesh ficou mais doce quando Anil, em uma capitulação humilhante após sua rivalidade, transmitiu seus "sinceros agradecimentos ao meu respeitado irmão mais velho".

Um porta-voz de Anil Ambani disse que o pagamento foi uma transação comercial, negando que tenha sido feita a título pessoal.

Anil agora está sendo processado por credores chineses, que, em maio deste ano, conseguiram uma ordem judicial do Reino Unido obrigando-o a pagar US$ 717 milhões (R$ 3,9 bilhões). A pressão acabou levando o que já foi o sexto homem mais rico do mundo a reclamar em tribunal no início deste ano que seu patrimônio líquido havia caído para zero.

Hoje é Mukesh quem está em sexto lugar na lista da Forbes. Ele e sua família moram em um arranha-céu de 27 andares com heliporto, instalações esportivas e espaço para centenas de funcionários. O prédio, batizado de Antilia em homenagem à ilha mítica, é considerado a casa mais cara do mundo, com valor estimado em US$ 1 bilhão (R$ 5,53 bilhões). Também se tornou um dos símbolos mais poderosos e emocionantes da extrema desigualdade na Índia, elevando-se sobre as favelas que abrigam quatro em cada dez residentes de Mumbai sem água encanada e com banheiros compartilhados por centenas de famílias.

"Há uma categoria de pessoas, inclusive eu, que estão indignadas com o fato de ele ter gasto tanto dinheiro para construir um prédio", diz um empresário veterano de Mumbai, que vê isso como "uma tentativa explícita de exibir sua riqueza".

Em dezembro de 2018, as festas para celebrar o casamento da filha de Ambani, Isha, que dizem ter custado até US$ 100 milhões (R$ 553 milhões), levaram o já elaborado gênero de núpcias indianas a novos extremos. Beyoncé fez uma apresentação, entre os convidados estavam Hillary Clinton e Ban Ki-moon, e —em uma situação bizarra— as estrelas de Bollywood Shah Rukh Khan e Aishwarya Rai Bachchan foram fotografados servindo comida.

Apesar disso, Ambani e sua empresa promovem uma imagem cuidadosamente elaborada de um homem simples. A Reliance diz que Ambani limita seu salário anual a 150 milhões de rupias (R$ 11,3 milhões), "para dar um exemplo pessoal de moderação nos níveis de remuneração gerencial". Ele é religioso e pratica regularmente ritos hindus, evitando carne e álcool.

Uma pessoa próxima à empresa diz que tem "uma curiosidade infantil", e fica até tarde lendo sobre as tendências de negócios emergentes. Ele também é um homem de família. "Você ouve histórias sobre os casamentos e os helicópteros e tudo o mais, mas, pessoalmente, ele não parece alguém que sofre de megalomania. É um homem muito simples", disse uma pessoa que fez negócios com ele.

A riqueza e a influência de Ambani na Índia abriu portas no exterior. No outono passado, ele viajou para o Oriente Médio, onde nasceu no Iêmen em 1957. Desta vez, o cenário foi um encontro exclusivo a bordo do megaiate do príncipe Mohammed bin Salman, da Arábia Saudita, no mar Vermelho, com mais de uma dezena de executivos importantes, incluindo Masayoshi Son, do SoftBank. Foi Mukesh quem se sentou ao lado do príncipe herdeiro.

Ele voltou ao Golfo logo depois para a cúpula anual de investimentos de Riad, apelidada de Davos no Deserto. Enquanto estava lá, participou de um jantar oferecido pelo herdeiro do trono saudita, junto com Narendra Modi, Jared Kushner, o brasileiro Jair Bolsonaro e Steve Schwarzman, da empresa de capitais privados Blackstone. Embora fosse um executivo de empresa privada, de certa forma Ambani atuava como o chefe da diplomacia da Índia.

Ambani —que certa vez enviou um elefante em tamanho real feito de prata para a realeza do Oriente Médio—é um operador político hábil. Na conferência em Riad, ele elogiou o príncipe Mohammed, que enfrentava censura internacional pelo assassinato do jornalista dissidente Jamal Khashoggi em 2018. Ambani disse ao público que o reino saudita, assim como a Índia, foi "abençoado com uma liderança única no mundo inteiro".

"Do Kuwait à Arábia Saudita, de Abu Dhabi a Doha... [Ambani] tem essa confiança", disse Anshuman Mishra, ex-banqueiro que é confidente próximo de Ambani e o aconselhou em suas negociações internacionais. "Os fundos soberanos, as gigantes tecnológicas dos EUA, todos terão que se envolver com a Reliance em algum momento. Esse é o único jogo sério que há, se você pensar na Índia."

As tensões crescentes entre os EUA e a China apenas aumentaram o apelo de Ambani aos investidores americanos que procuram parceiros alternativos na Ásia. O relacionamento azedado da Índia com a China também favoreceu a Reliance. A decisão do país de proibir quase 200 aplicativos de fabricação chinesa, incluindo o TikTok, após confrontos mortais na fronteira entre as duas nações em junho, criou um vácuo para os recém-chegados com dinheiro.

O próprio Ambani ajudou a fomentar o nacionalismo econômico. Em 2019, ele alertou sobre os perigos da "colonização de dados" por empresas estrangeiras. No entanto, enquanto o governo refletia sobre novas restrições às gigantes estrangeiras da tecnologia, ele fez uma parceria com o Google e o Facebook, que controlam quase dois terços do mercado de publicidade digital na Índia.

Ele também estaria agora em negociações sobre possíveis investimentos em seu empreendimento de varejo com a gigante online Amazon, cujos planos de expansão na Índia foram prejudicados por processos regulatórios desfavoráveis para empresas estrangeiras, o que atuou no interesse da Reliance.

Esta descartou essas negociações como especulação e ressaltou que suas parcerias com o Google e o Facebook não comprometeriam os dados da Índia.

Em seu país, Ambani se mostrou um especialista em navegar os ventos políticos mutáveis, cultivando laços com vários partidos políticos. Mas a afinidade do magnata com Narendra Modi se mostrou mais visceral. Ambos hindus devotos do estado de Gujarat, Ambani compartilha a sensação de Modi de ser um forasteiro destruindo estruturas de poder que existem há décadas, algo que os indianos também aproveitaram, proporcionando duas vitórias eleitorais esmagadoras para Modi.

Ambani usou agressivamente esse alinhamento para promover a Jio, que estampou o rosto do líder em seus anúncios e até pré-instalou seu polêmico aplicativo "NaMo" em seus JioPhones de baixo custo. Em slogans, a Reliance afirma que, como Modi, é "dedicada à Índia".

Mas há uma consternação crescente sobre a maneira sistemática como a Reliance está se colocando no centro de setores críticos da nova economia emergente da Índia, levantando questões sobre se a capacidade de Ambani superar a concorrência acabará sendo boa para os indianos comuns em um dos países de maior crescimento no mercado de consumo.

Em setembro, agricultores que protestavam queimaram cartões da Jio em um gesto contra o excesso de poder corporativo. Harsimrat Kaur Badal, ministra do governo de saída, apresentou na televisão a Jio como um exemplo do perigo dos monopólios. "Eles deram telefones grátis... [os usuários] ficaram dependentes disso", disse ela. "A concorrência foi eliminada, [então] a Jio aumentou suas taxas."

A Reliance administra hoje um terço de todas as lojas físicas no setor de varejo formal do país, o que a torna várias vezes maior que sua próxima concorrente. O recente vínculo com o Facebook e seu serviço de mensagens WhatsApp, que tem 400 milhões de usuários indianos, dá à Reliance um alcance único entre os consumidores. "É muito difícil ter outro ator importante por causa da intensidade do que ele faz, da magnitude do que ele faz", disse uma pessoa que conhece Ambani. "Quando ele entra em um campo, é para ser o jogador principal."

Ambani agora precisa provar que pode fazer valer suas afirmações ousadas. Embora tenha elogiado a enorme pegada de usuários da Jio para os investidores, os dados regulatórios de junho mostram que um quinto da base de clientes relatada de 398 milhões da Reliance está inativa. E, embora em um estágio inicial, muitas das incursões da Jio além das telecomunicações, como seus aplicativos de pagamentos ou de chat, tiveram sucesso limitado até agora.

Mesmo assim, as concorrentes temem que a capacidade da Reliance de atrair bilhões em investimentos estrangeiros, ao mesmo tempo que prejudica as rivais, deixará a Índia com menos opções. "O problema para nós é que eles vão assustar os investidores", diz um capitalista de risco. "Mas, se criarão os melhores produtos e serviços, é difícil dizer."

Em uma série da Netflix que representa a equipe dos Mumbai Indians em 2018, o filho mais velho de Ambani, Akash, está em um campo de críquete com a parte superior de sua camisa branca desabotoada casualmente. Akash, cujas responsabilidades nos negócios da família incluem ajudar a comandar o time, brinca com a câmera enquanto os melhores jogadores de críquete treinam ao seu lado. "Queremos vencer desesperadamente este ano, provar que todos estão errados", diz ele.

O time teve uma temporada medíocre, mas a ousadia do jovem Ambani se encaixa na mentalidade empresarial de seu pai: o vencedor leva tudo. O magnata, que muitas vezes pede conselhos à mulher junto com um grupo restrito de altos executivos, está lentamente colocando seus três filhos —Akash, sua irmã gêmea Isha e seu irmão mais novo Anant— em cargos cada vez mais proeminentes dentro do império, no que muitos acreditam ser a primeira etapa de um plano de sucessão.

Akash e Isha estiveram na mesa durante as negociações recentes, incluindo com o Facebook. "Era como eu esperava que um exercício de treinamento funcionasse. Eles estavam aprendendo as regras", disse uma pessoa envolvida. "Eles provavelmente estavam sendo ensinados... para que um dia possam dirigir a empresa."

Famílias de empresários indianos, principalmente os Ambani, enfrentaram duros problemas de sucessão; as gerações criadas com colher de prata são tratadas com especial ceticismo. Pessoas próximas ao magnata dizem que ele está determinado a evitar as discussões familiares complexas que prejudicaram sua carreira, apontando para a aparente simetria de dividir seu império em três unidades centradas em energia, varejo e serviços digitais.

Ao ajudar a transformar os negócios da Reliance em empreendimentos administrados globalmente, incluindo a oferta de assentos no conselho da Jio para os experientes investidores Facebook e Google, eles dizem que Ambani quer garantir que seus filhos sejam protegidos da perigosa política doméstica.

"Mukesh agora quer ter menos envolvimento com os formuladores de políticas", disse um consultor. "Ele não quer que seus filhos tenham que lidar com isso."

Mas Ambani também não quer se aposentar antes de conseguir transformar a Reliance em uma das empresas mais valiosas do mundo. Nas palavras de alguém próximo a ele, o plano de Ambani é criar "não apenas um ator em telecomunicações, mas um ator sério em tecnologia com presença global".

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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