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Pandemia agravou desigualdades também no mercado de trabalho

Desemprego afeta mais negros, mulheres e trabalhadores do Nordeste

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Ian Prates e Rogério Barbosa

Sociólogos, membros da Rede de Pesquisa Solidária Políticas Públicas & Sociedade

A taxa de desocupação atingiu o recorde histórico neste mês de setembro de 2020. A tragédia, porém, estava anunciada desde o início da pandemia.

Apesar de terem tramitado com relativa velocidade, os auxílios a trabalhadores e empresas foram implementados e postos em prática apenas quase um mês depois do início das medidas emergenciais de fechamento. Os saldos negativos do Caged, acumulando cerca 1 milhão de desligamentos em março e abril, e os saldos negativos da Pnad-Contínua foram expressão do impacto não amortecido.

Em maio, pela primeira vez, menos da metade dos indivíduos em idade de trabalhar estava de fato trabalhando.

No entanto, em função do necessário distanciamento social, os desligamentos não se verteram imediatamente em estatísticas de “desemprego”. Milhares recolheram-se à categoria dos economicamente inativos. Com estabelecimentos fechados e o recolhimento social, as estratégias usuais de procura de emprego não estavam mais à disposição.

Como consequência, na primeira semana de maio, 19 milhões encontravam-se no “desemprego oculto pelo distanciamento social”: desejavam trabalhar, mas encontravam-se impossibilitadas de procurar emprego em função da pandemia e/ou do fechamento de estabelecimentos.

Essa foi a razão para a manutenção das taxas de desemprego nos seus (elevadíssimos) níveis pré-pandêmicos.

O que assistimos agora, em setembro, é a migração entre essas duas categorias de desempregados: os que estavam ocultos passam cada vez mais a se apresentar abertamente no mercado, buscando ativamente posições e ocupações, reflexo da contínua abertura econômica. Assim, esboça-se uma tímida recuperação da maior crise que já vivemos, sem que o fator causador tenha de fato sido resolvido.

Esse desemprego afeta mais negros, mulheres e trabalhadores do Nordeste. A explicação reside em uma combinação de fatores que envolve características e estruturais do mercado de trabalho no Brasil, ao mesmo tempo que aponta para as diferentes formas de inserção no mercado e para como a pandemia afeta cada um dos grupos e regiões.

Os negros foram particularmente afetados, dentre outras coisas, pela característica inserção mais frágil no mercado. Estamos falando da informalidade, justificada tanto devido a menores níveis de qualificação quanto a recorrentes mecanismos de discriminação.

A informalidade impediu também que esses trabalhadores pudessem lançar mão de acordos de férias coletivas e de manutenção do emprego com redução de jornada.

A razão para a maior incidência do desemprego entre mulheres, porém, é outra: a segregação ocupacional e setorial. Mulheres tipicamente estão alocadas em posições classificadas como não essenciais na pandemia: comércio, serviços domésticos remunerados, ocupações do cuidado e serviços pessoais —todos esses são, de longe, os setores mais afetados.

Uma combinação perversa que afetou, principalmente, as mulheres negras.

As regiões Norte e Nordeste também sentiram mais o golpe, devido a seu mercado de trabalho com maiores taxas de informalidade, uma estrutura produtiva menos complexa e uma força de trabalho menos qualificada.

A iminência do fim do auxílio emergencial também tem precipitado o retorno ao mercado de trabalhadores que, de outra forma, poderiam ainda manter o distanciamento social. O problema é que grande número de micro e pequenas empresas foram fechadas —noutras palavras, não há postos para os quais retornar.

A pandemia não apenas devastou a economia e o mercado de trabalho. Ao fazê-lo, aprofundou desigualdades que tendem a se agravar mais. Não basta esperar que uma eventual onda (ou marolinha) de crescimento levante todos os barcos. Milhões continuarão a nadar com a água no pescoço. É urgente retomar a agenda de combate às várias formas de desigualdade como política de Estado.​

Prates é também pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e Barbosa, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-USP)

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