A pesquisa sobre a teoria dos leilões e novos formatos de leilão deu aos economistas americanos Paul Milgrom, 72, e Robert Wilson, 83, ambos da Universidade Stanford, o Prêmio Nobel de Economia deste ano.
Os achados dos dois economistas são importantes não apenas para propiciar melhor resultados para vendedores e compradores individuais, mas para sociedades em geral: leilões são usados para determinar preços de vários serviços públicos e de infraestrutura, como eletricidade, espectros de onda de rádio e televisão ou horários de aterrissagem.
Além disso, embora grande parte das pesquisas dos premiados tenha sido feita até os anos 1990, a modalidade ganhou forte impulso na internet, não só em sites de compra e venda, mas em transações financeiras, afirmou Wilson em entrevista coletiva logo após receber o prêmio.
"Quando você aperta o interruptor na sua casa, a luz se acende graças à eletricidade definida pela distribuidora num leilão. Quando faz uma pesquisa no Google, a ordem das respostas é definida com base também num leilão", diz o professor de economia da Universidade de Estocolmo John Hassler, membro do comitê de premiação.
Mas essas disputas podem ser organizadas de várias formas, e cada modelo adotado afeta seus resultados.
"Graças à rica teoria de Milgrom e Wilson é possível adotar novas formas para o benefício dos compradores, dos venderores, dos usuários de serviços, dos contribuintes e da sociedade em geral", afirmou o especialista nessa área Tommy Andersson, professor de economia das universidades de Lund e Estocolmo.
Embora leilões estejam hoje na base de diversos tipos de transação, seus objetivos podem ser diferentes, diz Andersson: "Alguns vendedores podem estar interessados no maior lucro possível, equanto outros podem visar reduzir emissões de gás carbônico, aumentar a liquidez bancária ou maximizar o benefício público".
A teoria desenvolvida por Milgrom e Wilson é chave para entender como esses diferentes objetivos podem ser atingidos.
Wilson começou a investigar nos anos 1960 os leilões como um tipo específico de "jogo" em que o valor comum será o mesmo ao final da disputa, mas é desconhecido pelos jogadores antes da decisão final.
No modelo conhecido como inglês, parte-se de um preço mínimo e os interessados dão lances cada vez mais altos, até que um deles sai vencedor. No modelo holandês, o vendedor propõe um preço máximo e vai baixando esse valor até que alguém se disponha a comprar (ou que ele decida que não vale mais a pena vender).
"Wilson mostrou que, de forma geral, leilões em que os lances são conhecidos, como o inglês, funcionam melhor, porque cada interessado recebe informações sobre o valor intrínseco do objeto que está sendo vendido", afirma Hassler.
Isso evita a chamada "maldição do vencedor", em que um comprador superestima o valor de um item e oferece um valor muito mais alto do que o que poderia ter pago.
Nos leilões do tipo holandês, os preços pagos eram mais altos que os do leilão inglês, revelando a ocorrência da "maldição"
Andersson exemplifica esse fenômeno com o que ocorre em um leilão para decidir cotas de pesca em que todos os interessados tenham que fazer a oferta ao mesmo tempo, em envelopes fechados.
O valor da cota não é determinado apenas pelo volume de peixes retirados do mar, mas também pelo preço de cada espécie, que é desconhecido quando os participantes do leilão fazem seus lances.
Cada comprador precisa estimar um valor para os peixes, e o vencedor pode acabar pagando muito mais caro.
A pesquisa dos economistas americanos também mostrou que o vendedor otimiza seus ganhos se der a maior quantidade de informações confiáveis sobre o bem que está vendendo, segundo Hassler.
Já a pesquisa de Milgrom iluminou o fato de que nos leilões estão em jogo um valor comum e um valor privado, diz Andersson, usando como exemplo uma obra de arte.
Ao dar um lance, o comprador leva em conta o valor pelo qual poderá revender a peça que comprar, e isso é seu valor comum.
Por outro lado, ele também leva em conta o prazer que terá em olhar para a obra de arte todos os dias, e este é seu valor privado.
Milgrom avaliou diferentes formatos de leilão nos anos 1980, e sua pesquisa ajudou a ranqueá-los em termos de valor esperado, afirmou o especialista sueco.
As descobertas de Wilson e Milgrom ajudaram a desenvolver modelos complexos de leilões, em que o valor de cada idem depende não só dele próprio, mas de outros resultados.
Por exemplo, quando vários lotes de terreno estão à venda, um comprador pode ver mais valor em um determinado lote se puder comprar os que estão à sua volta também, diz Hassler.
Nesse caso, ele não consegue determinar quanto está disposto a pagar por um terreno se não tiver a garantia de que poderá arrematar também os vizinhos.
O mesmo ocorre em leilões de espectros de onda: "Uma operadora nacional pode estar interessada em comprar espectros para o norte de um país apenas se puder garantir o mesmo em todas as regiões, enquanto outras empresas podem ter interesses regionais ou mesmo locai", exemplifica Andersson.
Para resolver essa questão, Wilson e Milgrom desenharam em 1994 o modelo conhecido como de múltiplas rodadas simultâneas, que é usado até hoje no mundo todo para dividir espectros de ondas de rádio.
Todos os itens são vendidos isoladamente, mas ao mesmo tempo, em cada rodada, e os compradores podem dar lances para os itens que quiserem.
Após cada rodada, o leiloeiro divulga os resultados —às vezes, todos os lances são revelados após cada rodada; às vezes, apenas os preços dos lances vencedores.
A licitação continua até que nenhum comprador esteja disposto a aumentar o valor oferecido em qualquer item, ou seja, quando ninguém fizer mais nenhum novo lance numa rodada.
Nesse ponto, cada participante ganha os itens pelos quais tiver dado o lance mais alto.
Antes haviam sido testadas outras formas de alocação desses recursos, como concursos em que uma banca avaliava os argumentos de cada comprador, apelidados de "concursos de beleza", e até mesmo sorteios. "Todas tiveram mal resultado até que os dois economistas desenvolvessem esse modelo de leilão", diz Hassler.
Wilson nasceu no estado americano de Nebraska e fez graduação e pós-graduação na Universidade Harvard. Milgrom nasceu em Detroit e fez graduação e doutorado em Stanford (em Palo Alto, California), onde foi aluno de Wilson.
Os dois colegas vivem na mesma rua, disse Andersson após o anúncio do prêmio. Os dois economistas premiados vão dividir 9 milhões de coroas suecas (R$ 5,65 milhões, pela cotação de sexta, 9).
Wilson, que contou que sua mais recente compra num leilão foi um par de botas de ski, disse que guardaria o dinheiro para sua família. "Com a pandemia do coronavírus, não há muito o que fazer. Não se pode viajar", afirmou.
Nobel de Economia não é um prêmio Nobel
Popularmente chamado de Nobel de Economia e com o mesmo prestígio que os de outras áreas, o prêmio de ciências econômicas é o único que não fez parte do testamento de Alfred Nobel (1833-1896), um engenheiro e químico sueco, conhecido por ter inventado a dinamite e desenvolvido a borracha e o couro sintéticos.
Um ano antes de morrer, Nobel destinou 94% de sua fortuna de 31 milhões de coroas suecas (equivalente a R$ 1,1 bilhão nos dias de hoje) à criação de um prêmio que reconhecesse anualmente “o maior benefício à humanidade” nas áreas da química, física, medicina, literatura e paz.
Criado em 1968 pelo Banco Central da Suécia (Sveriges Riksbank), ele tem o prêmio de eonomia tem o nome oficial de Prêmio Sveriges Riksbank em Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel.
É concedido pela Real Academia Sueca de Ciências, de acordo com os mesmos princípios dos Prêmios Nobel originais, que são atribuídos desde 1901.
A candidatura é feita apenas por convite e, por regulamento, os nomes dos indicados e outras informações sobre as indicações não podem ser revelados até 50 anos depois.
Podem indicar nomes para o Nobel econômico membros da Real Academia de Ciências da Suécia, do comitè do prêmio, ex-premiados, acadêmicos escandinavos e de pelo menos outras seis instituições selecionadas a cada ano e outros cientistas de quem a Academia de Ciências considere adequado solicitar propostas.
O premiado é escolhido pela Academia de Ciências, a partir das recomendações do Comitê do Prêmio de Ciências Econômicas, composto por cinco membros.
Os outros prêmios do ano
A reunião em que os vencedores do Nobel são definidos ocorreu com mudanças em 2020; para evitar contaminações, foi dividida em encontros menores, a partir dos quais foram feitas as escolhas. Os premiados deste ano não irão a Estocolmo para receber o prêmio.
Na edição de 2020, a láurea de Medicina foi para a descoberta do vírus da hepatite C. Foram premiados Harvey Alter, dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH), Michael Houghton, da Universidade de Alberta, e Charles Rice, da Universidade Rockefeller.
Já a láurea de Física ficou com os pesquisadores Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez, que melhoraram o entendimento humano sobre buracos negros.
A láurea de Literatura foi para a poeta americana Louise Glück, por sua "voz poética inconfundível que, com beleza austera, torna universal a existência individual".
O Prêmio Nobel da Paz foi concedido ao Programa Mundial de Alimentos, "por seus esforços para combater a fome, por sua contribuição para melhorar as condições de paz em áreas afetadas por conflitos e por atuar como uma força motriz em esforços para prevenir o uso da fome como arma de guerra e conflito".
Nesta quinta (8), o príncipe britânico William, 38, lançou um prêmio ambiental que pretende se transformar no equivalente ao Nobel da área.
O Earthshot Prize concederá cinco prêmios de 1 milhão de libras (R$ 7,2 milhões) a cada ano durante os próximos 10 anos nas categorias de proteção e restauração da natureza, ar mais limpo, recuperação dos oceanos, redução de resíduos e mudança climática.
Relembre os vencedores do prêmio de economia
2019 - Abhijit Banerjee , Esther Duflo e Michael Kremer, “por sua abordagem experimental para aliviar a pobreza global”
2018 - William Nordhaus e Paul Romer, por revelarem fatores que impulsionam o crescimento sustentável e o papel de políticas públicas na determinação de seu impacto
2017 - Richard H. Thaler (EUA), por estudo do comportamento na tomada de decisões
2016 - Oliver Hart (Grã-Bretanha) e Bengt Holmström (Finlândia), por estudos na área de contratos
2015 - Angus Deaton (EUA), por estudos sobre consumo, pobreza e bem-estar social
2014 - Jean Tirole (França), devido a pesquisas sobre o poder de mercado de grandes empresas
2013 - Eugene Fama, Robert Shiller e Lars Peter Hansen (todos dos EUA), por estudos de análise sobre preços de ativos
2012 - Alvin Roth e Lloyd Shapley (ambos dos EUA), por trabalhos sobre como otimizar oferta e demanda
2011 - Thomas J. Sargent e Christopher A. Sims (ambos dos EUA), por pesquisa sobre causas e efeitos na macroeconomia
2010 - Christopher Pissarides (Chipre) e Peter Diamond e Dale T. Mortensen (ambos dos EUA), por estudos sobre demandas dos mercados e a dificuldade em correspondê-las
2009 - Elinor Ostrom e Oliver Williamson (EUA), pela demonstração de como propriedades podem ser utilizadas por associações de usuários e pela teoria sobre resolução de conflitos entre corporações, respectivamente
2008 - Paul Krugman (EUA), pela análise dos padrões do comércio e da localização da atividade econômica
2007 - Leonid Hurwicz, Eric S. Maskin e Roger B. Myerson (EUA), pela aplicação das bases da teoria do desenho dos mecanismos
2006 - Edmund S. Phelps (EUA)
2005 - Robert J. Aumann (Israel e EUA) e Thomas C. Schelling (EUA), por estudos sobre conflito e cooperação em negociações por meio da análise da teoria dos jogos
2004 - Finn E. Kydland (Noruega) e Edward C. Prescott (EUA), por pesquisa sobre o desenvolvimento da teoria da macroeconomia dinâmica e seus estudos sobre os ciclos de negócios
2003 - Robert F. Engle 3º (EUA) e Clive W.J. Granger (Reino Unido)
2002 - Daniel Kahneman (EUA e Israel) e Vernon L. Smith (EUA)
2001 - George A. Akerlof, A. Michael Spence e Joseph E. Stiglitz (EUA)
2000 - James J. Heckman e Daniel L. McFadden (EUA)
1999 - Robert A. Mundell (Canadá)
1998 - Amartya Sen (Índia)
1997 - Robert C. Merton e Myron S. Scholes (EUA)
1996 - James A. Mirrlees (Reino Unido) e William Vickrey (EUA)
1995 - Robert E. Lucas Jr. (EUA)
1994 - John C. Harsanyi (EUA), John F. Nash Jr. (EUA) e Reinhard Selten (Alemanha)
1993 - Robert W. Fogel e Douglass C. North (EUA)
1992 - Gary S. Becker (EUA)
1991 - Ronald H. Coase (Reino Unido)
1990 - Harry M. Markowitz, Merton H. Miller e William F. Sharpe (EUA)
1989 - Trygve Haavelmo (Noruega)
1988 - Maurice Allais (França)
1987 - Robert M. Solow (EUA)
1986 - James M. Buchanan Jr. (EUA)
1985 - Franco Modigliani (EUA)
1984 - Richard Stone (Reino Unido)
1983 - Gerard Debreu (EUA)
1982 - George J. Stigler (EUA)
1981 - James Tobin (EUA)
1980 - Lawrence R. Klein (EUA)
1979 - Theodore W. Schultz (EUA) e Sir Arthur Lewis (Reino Unido)
1978 - Herbert A. Simon (EUA)
1977 - Bertil Ohlin (Suécia) e James E. Meade (Reino Unido)
1976 - Milton Friedman (EUA)
1975 - Leonid Vitaliyevoch Kantorovich (Rússia) e Tjalling C. Koopmans (EUA)
1974 - Gunnar Myrdal (Suécia) e Friedrich August von Hayek (Áustria)
1973 - Wassily Leontief (EUA)
1972 - John R. Hicks (Reino Unido) e Kenneth J. Arrow (EUA)
1971 - Simon Kuznets (EUA)
1970 - Paul A. Samuelson (EUA)
1969 - Ragnar Frisch (Noruega) e Jan Tinbergen (Holanda)
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