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'Tem um Vale do Silício para ser criado na Amazônia', diz Fersen Lambranho

Para o presidente do conselho de administração da GP Investments, meio ambiente é um grande filão ainda pouco explorado pelas startups brasileiras

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São Paulo

O Presidente do conselho de administração da GP Investments, Fersen Lambranho diz ver o TikTok todo dia, acha que todas as empresas devem ser digitalizadas para não morrer e acredita que o Brasil desperdiça sua maior oportunidade de investimento e inovação: o meio ambiente.

De Londres, em entrevista por aplicativo à Folha, detalhou o seu ponto de vista: "Da mesma maneira como o Vale do Silício leva 70% do dinheiro de venture capital do mundo, a Amazônia pode levar 90% do dinheiro da pesquisa em meio ambiente", diz, comparando o potencial da floresta brasileira ao maior polo de tecnologia e inovação do mundo. "Este é o filão que as startups devem explorar."

Criada há quase 30 anos, a GP já investiu mais US$ 5 bilhões em 50 empresas de 17 setores, captando recursos pelo mundo. Há cinco anos, voltou-se também para o ecossistema de inovação por meio das controladas G2D e The Craftory, que investem em startups e fintechs da Europa, Estados Unidos e Brasil.

Fersen Lamas Lambranho, sócio e presidente do conselho da GP Investments, em tela de computador durante entrevista por vídeo
Fersen Lamas Lambranho, , sócio e presidente do conselho da GP Investments - Gabriel Cabral/Folhapress

Entre as empresas apoiadas estão muitas de impacto social ou ambiental, e que Lambranho considera que deve ser o objetivo de novos empreendimentos. É o caso da TomboyX, de Seattle, que fabrica roupas íntimas inclusivas, e da Dropps, de Nova York, que faz produtos de limpeza sustentáveis.

"Diferente dos nossos investimentos tradicionais, estamos dispostos a não estar no controle, desde que a gente encontre empreendedor excepcional, mercado grande, e que tenha tecnologia que faça a diferença."

Qual é a relação da GP Investments hoje com empreendimentos inovadores e com base em tecnologia?

Fomos o maior operador de venture capital do Brasil no final da década de 1990. Na primeira onda da internet, éramos o melhor player do mercado. Fizemos um monte de coisa, mais de 25 investimentos. Os mais conhecidos são Submarino, iG, Patagon.

A gente criou a internet gratuita e o e-commerce no Brasil, porque meu sócio, o Antonio Bonchristiano, fundou o Submarino. Eu estava na Americanas e fundamos a Americanas.com. Naquela época, não existiam muitos empreendedores no Brasil. Você tinha a ideia, investia e buscava alguém para tocar a sua ideia.

De uns anos para cá, tivemos uma experiência muito interessante, que foi a briga entre Centauro e Netshoes. Um monte de gente investiu na Netshoes, devem ter recebido R$ 1 bilhão de investimentos. E nós investimos R$ 400 milhões e alguma coisa na Centauro. Tomamos a decisão de não competir com a Netshoes. Mas tentar construir, com nossa tecnologia e nossa experiência de negócios, um caminho que fosse mais omnichannel [com integração de lojas físicas à plataforma online] e o resultado, passado alguns anos, está aí, como prova de que tecnologia tem que ser casada com o negócio para ter resultado. Essa é a nossa tese de investimento.

Também colocamos um dinheiro na 99 Táxi e fomos muito bem-sucedidos nisso, o que nos alertou, de novo, a olhar para o mundo de tecnologia pensando no fato de que todas as empresas, em qualquer setor, segmento e lugar ou se digitalizam, ou morrem.

Então nossa volta a olhar para investir em tecnologia foi consequência natural da nossa vocação de transformação de empresa grande. Hoje, então, temos investimento em empresas grandes em que estamos trabalhando a digitalização, mas voltamos a investir em tecnologia em outro formato: tem que ter empreendedor muito bom, mercado grande, modelo de negócio bom e tecnologia robusta.

Como isso é feito?

Temos na Inglaterra uma plataforma chamada The Craftory. Somos um dos acionistas. E Essa plataforma investe em modelos disruptivos de consumo. Não é venture capital. É para o cara que está começando, já tem um tamanho e está precisando de uma ajuda para escalar.

É mais focada em investimentos nos Estados Unidos e Europa. Fazemos alguns investimentos no Vale do Silício. No Brasil, temos alguns poucos casos. Temos a Blu, que é uma fintech, tem outra chamada Cerc, que está muito em moda desde que o Banco Central passou a exigir ativos registrados, e a Quero Educação.

Nossa estratégia é apoiar modelos disruptivos, em que o empreendedor não precise do apoio tradicional da GP, de gestão, mas precise de um apoio que desenvolvemos em 30 anos de negócios para ajudá-lo a escalar e se desenvolver.

Enquanto estamos no controle em nossos investimentos tradicionais, nesses estamos dispostos a não estar no controle, desde que a gente encontre certos critérios: empreendedor excepcional, mercado grande, e tecnologia que faça a diferença.

Entrevista em video com Fersen Lambranho, engenheiro e empresário brasileiro, sócio e presidente do conselho da GP Investments - Gabriel Cabral/Folhapress

Como avalia o ecossistema de tecnologia e empreendedorismo hoje no Brasil?

O Brasil atingiu uma situação em que empreender é parte da opções dos jovens. Coisa que não se via há 20 anos. Acho que isso é fundamental. Um jovem na faculdade pensa em ir para uma empresa grande ou pensa em empreender. Talvez 50/50. Acho que a dificuldade está no tamanho do mercado em algumas situações e no acesso à tecnologia. Mas não tem mais a dificuldade de não ter boas pessoas dispostas a empreender. Isso está vencido.

O mercado brasileiro é sustentável?

Acho que uma das grandes riquezas do Brasil é o mercado grande. Obviamente que depende do segmento que você está, e o Brasil até pode não ser suficiente. Mas o país tem 200 milhões de habitantes.

Se você pega as Lojas Americanas, na minha opinião uma companhia fantástica, ela só opera no Brasil. Uma companhia como a Renner, a C&A, eu acho que elas têm poucas lojas no Brasil, e a tecnologia vai ajudar a penetrar. A maior parte das empresas de consumo estão na franja ainda, não estão no interior.

Muito dinheiro está sendo jogado na criação de hábitos, conceitos, tecnologias, e isso não vai ser aproveitado pura e simplesmente por startups, mas pela sociedade como um todo. Quando alguém entra numa loja de varejo hoje encontra conceitos que aprendeu na internet, que não quer abrir mão e que uma loja física tem que te fornecer, e vice-versa.

Por isso eu acredito tanto em omnichannel em detrimento de apenas a internet. A pessoa não divide a cabeça dela entre 'estou na loja' ou 'estou na internet'. Ela está comprando, então, se ela quer ter informações sobre o produto, tem que ter no mundo físico também.

Quando falamos de tecnologia, estamos naquela fase de tornar digital alguns serviços, sou muito animado com o Brasil. Acho que fintech é só a ponta do iceberg de uma oportunidade que tem de permitir que o país com menos infraestrutura consiga dar serviços e produtos pulando fases, porque o uso do telefone celular e dos dados permitem tornar a vida das pessoas mais fácil e simples.

Quando me vem um jovem que criou um negócio de cosmético pela internet, eu pergunto, você criou para suas amigas da Faria Lima ou para o brasileiro? Pois a grande beleza que eu vejo na digitalização é que, talvez, a gente seja capaz de, efetivamente, atingir a população brasileira onde ela está e com o ticket médio que ela pode pagar. A minha sensação é de que vai ter sucesso quem for trabalhar para e com o brasileiro comum, não o brasileiro que já é atendido normalmente nos lugares de classe média, classe média alta.

Que etapas são essas que podem ser puladas?

O sonho grande de atingir o brasileiro. De conseguir ter uma estrutura de custos que permita atender 200 milhões de pessoas, e não dez milhões.

Tem três livros lançados recentemente que, na minha opinião, deveriam estar em todas as escolas do Brasil. Dois são do Jorge Caldeira: "A História da Riqueza no Brasil", que usa big data para explicar o que é o Brasil economicamente, outro dele mais recente, "O Paraíso Restaurável", que explica o maior potencial que tem no Brasil, o meio ambiente, e o livro do Guy Perelmuter, "O Futuro Presente", que explica tecnologia para leigo.

Quando pensamos nas vantagens competitivas, a Amazônia, segundo o Caldeira, é um reservatório de conhecimento para tudo. É a grande oportunidade de a gente criar um Vale do Silício. É uma oportunidade imensa para quem quer empreender nos próximos 20 anos. A Amazônia está lá disponível.

Quando eu crio um aplicativo [de entregas] como o Rappi, eu estou fazendo alguma coisa similar ao que está sendo feito na Califórnia. Mas quando um jovem brasileiro pega a tecnologia e vai para a floresta amazônica pensar no meio ambiente, ele está criando o Vale do Silício brasileiro. Da mesma maneira como o Vale do Silício leva 70% do dinheiro de venture capital do mundo, a Amazônia pode levar 90% do dinheiro da pesquisa de meio ambiente do mundo.

Estou louco para ver alguém pegar esses conceitos e colocar na linguagem que as pessoas entendam. Porque a linguagem que as pessoas entendem hoje chama TikTok.

Eu vejo Tik Tok todo dia. Não os vídeos, mas eu fico vendo os likes - 500 mil, 1 milhão, 2 milhões de likes. Você pensa que não é possível, mas é possível, sim. Se eu conseguir pegar um conceito, vender uma ideia e ter 2 milhões de likes… Nós precisamos saber usar isso. Poucas coisas têm o potencial de impacto global como cuidar da Amazônia.

A GP vai investir nisso? Não. Startups de alto risco não são coisas para a GP investir, mas me chamam atenção e estão na direção correta. Se um dia alguém fizer uma companhia que tem o tamanho do tipo de coisa que a gente investe, por que não? É uma tendência global. Não faz sentido investir em marca de consumo que não tenha um desses objetivos.

Mas você vê no Brasil um movimento para investir nessa área ou é uma vocação não explorada?

É uma vocação não explorada. Acho que a pandemia deu um clique geral. As pessoas entenderam que a pandemia é reflexo do mau uso do meio ambiente. A pandemia foi um recall geral. Todo mundo ficou meio perdido, começou a pensar sobre o tema. Estou falando de coisas que aprendi nos últimos 20 dias.

A pandemia melhora e incentiva esse segmento de startups ou cria restrições?

Evidentemente que empreender nos EUA ou na Inglaterra é mais fácil que no Brasil. Não estou falando nenhuma novidade. Porém, acho que, por outro lado, a disrupção da digitalização é tamanha no mundo, e os recursos disponíveis a risco hoje têm dimensão impensada há dez anos.

A propensão das famílias, das pessoas físicas e até das empresas em investir em novos conceitos independe da pandemia. Já existia antes e continua depois. É do momento, não tem como fechar os olhos para um fato. E o fato é: o mundo vai se digitalizar. Isso significa na prática que tudo vai mudar? Não. Mas o uso da nuvem, do big data, do celular coletando dado o tempo todo, reduziu de tal maneira o custo de análise que é impensável você criar um processo que não tire proveito disso.

Isso gera diversos efeitos. Empresas vão gastar dinheiro desenvolvendo tecnologia, pessoas vão apostar em jovens desenvolvendo tecnologia. Acho que a pandemia não afeta esse setor.

Você investe em startups?

Não. Eu ajudou as startups. Converso com muito garoto que faz startup. Sou muito próximo do Big Bets, invisto neles como forma de ajudar o processo. E sou muito ativo no sentido de conversar com alguém que queira conversar comigo pela razão correta.

Aprendi que só tem um jeito de manter a contemporaneidade na vida, através dos olhos dos mais jovens. Em diversas áreas, eu escolho convívio com jovens que conseguem doar um pouco dos olhos para que eu continue entendendo o mundo. Se por um lado eu ajudo conversando, dando uma ideia aqui, outra ali, eles me ajudam muito permitindo que, pela retina deles, eu veja o mundo como é.

Citaria outras empresas para ficar de olho?

Não vou falar de empresa, mas de assunto. Acho que no Brasil o meio ambiente é um tema. O golden rush brasileiro pode ser o de dar para o mundo o conhecimento que a Amazônia tem. Se eu tivesse 16 anos de idade, talvez fosse me enfurnar nisso.

O outro grande tema é a inteligência artificial e suas derivadas. Sei que tem um lado nefasto, de as pessoas ficarem preocupadas com a privacidade, e isso tem que ser tratado com o devido cuidado, mas o potencial que isso tem de romper barreiras, ganhar tempo, atingir resultados e mudar a vida das pessoas é inimaginável. Em um país com as carências do Brasil, de infraestrutura e tudo o mais, as derivadas da IA [inteligência artificial] podem melhorar muito a vida das pessoas.

O que o senhor acha que falta para que esses temas sejam explorados?

A IA está sendo visto e está todo mundo ligado. O que eu acho que deveria se investir mais é em conhecimento. Atrair cérebros para o Brasil, o que os americanos fazem excepcionalmente bem.

Do lado da Amazônia, o livro do Caldeira precisa ser bem divulgado. É um soco no estômago.

Na vida não é começar hoje e ficar rico amanhã. Nem é a verdade das startups. Empreender não é corrida de 100 metros, é ultramaratona. O que precisa é não ter o imediatismo. Mas se tem propósito, tecnologia parruda, dedicação, vai ter capital. Se você está resolvendo um problema relevante, vai ter capital.


RAIO-X
Fersen Lambranho, 59

Presidente do conselho da GP Investments, gestora de fundos de investimentos de private equity. É formado em engenharia civil e mestre em administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, além de ter especialização pela Harvard Business School. Antes da GP, foi presidente das Lojas Americanas.

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