Transportadoras ainda não conseguem caminhões novos

Pandemia e retomada da economia impactam demanda nas montadoras

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São Paulo

Comprar um caminhão zero quilômetro não tem sido uma tarefa muito fácil nos últimos meses no Brasil. Em alguns casos, os prazos para entrega de cavalos, que é a parte dianteira do caminhão, sem o reboque, e das carretas, a parte traseira, mais que dobraram.

Segundo relatos ouvidos pela reportagem, a espera que durava cerca de um mês, passou para mais de 100 dias.

A Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) reconheceu, em nota, que o ritmo de produção ainda está passando por ajustes para atender à atual demanda do mercado.

A associação elenca uma série de fatores para o aumento do tempo de entrega. A parada da produção nos meses de abril e maio é apenas um dos motivos que colaboram com o atual cenário do setor.

“Essa paralisação provocou um retorno mais lento da produção, e levou a uma interrupção no fluxo logístico que ainda tem reflexos. Insumos e componentes variados ainda não chegam às fábricas no mesmo ritmo de antes da pandemia, sobretudo itens importados”, afirma a nota da Anfavea.

As empresas também alegam que a retomada da produção está mais lenta por conta do distanciamento social obrigatório para evitar novos contágios. Segundo a associação, o ritmo das linhas de montagem, dentro das novas normas sanitárias, ainda não voltou à produtividade de antes da pandemia de Covid-19.

A demora já causa transtornos para o setor de transportes. Segundo empresários do ramo, a falta de novos caminhões pode representar uma perda de 10% a 15% em novos negócios no segundo semestre.

“O grande problema é não ter frota adequada para o crescimento de demanda. Vou deixar de fazer novos negócios por indisponibilidade de novos veículos”, afirma Hugo Baptista, diretor da HDLog Transportes, empresa com mais de 20 anos no setor.

Sua empresa renova a frota a cada cinco anos, quando aumentam os custos com manutenção dos veículos, período praticado pela maioria das grandes transportadoras.

“Passei por essa experiência em negociações em agosto e setembro com a Volkswagen [de caminhões] e a Facchini [fabricante de carretas]. Antes, o prazo era entre 30 a 40 dias e agora, entre 90 e 100 dias”, diz ele, que vai aguardar para realizar as operações em 2021.

O empresário Gil Cohen, diretor da GAB Transportes, não pôde esperar. “Comprei 25 carretas da Randon para entregar só na segunda quinzena de fevereiro”, afirma.

Cohen diz que não tem tido problemas para compras de cavalos, já que possui um acordo de pronta entrega com a Mercedes-Benz. “Mas se fosse comprar de outras montadoras, não conseguiria”, diz.

O cenário é um pouco diferente para quem negociou com as montadoras no início da pandemia.

“Renovamos parte da frota há dois meses. Começamos a negociar em maio e recebemos em junho, julho e agosto. Mas as coisas mudaram. Chegamos a cotar alguma coisa com Volvo, Daf e Scania e a entrega é só para janeiro ou fevereiro de 2021”, diz Ezequiel Scopel, gerente executivo de logística integrada da Cocamar Cooperativa Agroindustrial.

A Volvo diz que sua produção e prazos de entrega estão normais e que os atrasos são pontuais.

O setor do agronegócio, que se manteve em alta durante toda a pandemia, é considerado um dos principais responsáveis pelo aumento na procura por caminhões. Outro motivo alegado por especialistas e empresas é a falta de peças e insumos.

“Com a rápida recuperação da demanda, alguns fornecedores ainda não se ajustaram à normalidade de fornecimento e com altas de preços de componentes como aço, pneus etc há dificuldade momentânea de atendimento”, diz César Facchini, diretor comercial da empresa de carretas e reboques.

A posição é parecida com os motivos alegados pela Volkswagen Caminhões e Ônibus. A empresa afirmou, em nota, que as razões do aumento dos prazos “são a retomada da produção em volumes menores devido ao distanciamento social dos colaboradores, e também a disponibilidade de peças cuja matéria-prima é o aço”.

Segundo Milad Kalume, gerente de desenvolvimento de negócios da Jato do Brasil, empresa de inteligência de mercado automotivo, a produção do aço brasileiro está destinada para o exterior, sobretudo por conta da alta do dólar.

“Imagina uma engrenagem. Enquanto não movimenta todas as peças, não consegue girar todo sistema. Tem demanda, mas os fornecedores de produtos para fazer veículos automotores ainda não conseguiram voltar ao níveis pré-pandemia”, afirma Kalume.

Já o setor de aço diz que os dados de produção de agosto já estão no nível dos registrados em janeiro.

“O que falta é programação para os ajustes de uma demanda maior. O que estávamos produzindo, aumentamos, e podemos aumentar mais. Ainda temos ociosidade”, diz Marco Polo Lopes, presidente executivo do Instituto Aço Brasil.

A demora na cadeia também tem refletido nas vendas. As vendas de caminhões novos em setembro somaram 7,41 mil unidades, acumulando no ano 62,6 mil veículos, queda de 16,2%, segundo os dados da Fenabrave (Federação Nacional Distribuição Veículos Automotores).

“O mercado de caminhões continua com forte demanda, em todos os seus subsegmentos, e não foi melhor pelos problemas que houve na produção, causados pela falta de componentes e pela baixa capacidade de produção nos seus principais fornecedores”, afirma Alarico Assumpção Júnior, presidente da Fenabrave.

Segundo dados divulgados nesta sexta-feira (2) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a indústria vem sendo puxada pela produção de veículos nesses últimos quatro meses.

Veículos automotores, reboques e carrocerias tiveram alta de 19,2% em agosto e de 901,6% desde maio. Mesmo assim, a produção está
22,4% abaixo do patamar de fevereiro.

O aumento da procura por veículos zero quilômetro aqueceu também o mercado de usados.

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