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Washington Olivetto

007 contra a Covid-19

Sean Connery nos deixa quando a Europa entra em segunda onda de isolamento e super ricos ainda fazem festa em ilhas paradisíacas

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Washington Olivetto

Único publicitário não anglo-saxão no Hall of Fame do One Club de Nova York e no Lifetime Achievement do Clio Awards

No dia 30 de outubro de 2020, a cidade de Londres foi dormir apreensiva com a possibilidade da volta agressiva da Covid-19 e a expectativa da decretação de um novo lockdown, o que em português claro quer dizer confinamento.

No dia 31 de outubro de 2020, a cidade de Londres acordou triste com a notícia de que Sean Connery, o maior de todos os James Bond, havia falecido.

Sean Connery não morreu de Covid-19, morreu de 90 anos de vida muito bem vividos. Dá até pra dizer que na verdade não morreu, apenas se retirou do cotidiano porque continua vivo na memória de milhões de pessoas pelo mundo afora.

Na região de St James’s Park, em Londres, existe um elegante bar dentro de um pequeno hotel chamado Dukes, onde o famoso Dry Martini do James Bond foi preparado pela primeira vez.

Esse Dry Martini, chamado Dry Martini Vésper, foi criado por um dos barmen do Dukes, a pedido do escritor Ian Fleming, que imaginou boa parte das histórias dos filmes do 007 nas mesas daquele bar.

O Dry Martini Vésper, na verdade, foi inicialmente feito para o filme Casino Royale, que tinha um roteiro baseado num livro de Ian Fleming, que começava a desenhar o perfil do agente secreto James Bond.

Em pouco tempo, o Vésper se transformou no Dry Martini de Bond, misturando o gim com vodka e trocando o vermute vermelho por um branco, alterando assim as características dos Dry Martinis originais, tão reverenciados por intelectuais como o poeta Pablo Neruda e o cineasta Luis Buñuel.

Desde os tempos de Casino Royale e dos primeiros filmes do James Bond, o Dukes Bar sempre foi um lugar de habitues, com pouquíssimos frequentadores eventuais.

No dia 31 de outubro, em homenagem a Sean Connery, o Dukes Bar resolveu servir os Dry Martinis Vésper de graça.

Um amigo meu, muito atento a esses fatos, me escreveu dizendo que haviam errado na homenagem; deviam ter cobrado 00,7 centavos de libra, para cada um dos Dry Martinis servidos.

Naquela tarde de sábado, enquanto poucos bebiam de graça no Dukes, muitos aguardavam ansiosos o pronunciamento do primeiro-ministro Boris Johnson, sobre um possível segundo lockdown, a partir da primeira semana de novembro.

Depois do primeiro confinamento e o crescimento das dúvidas cotidianas sobre o passado, o presente e o futuro da Covid, a preocupação com a saúde mental das famílias em Londres cresceu demais.

Particularmente a partir do início do outono, com a perspectiva do inverno, onde os dias ficam mais cinzentos, o sol raramente aparece e escurece às 5 da tarde, surgem reações em algumas pessoas como insônia e depressão, que são comportamentos nervosos batizados como SAD, sigla que quer dizer “Desordem Afetiva Sazonal”. O site da NHS, que é uma espécie de SUS dos ingleses, explica isso direitinho.

De acordo com o que se esperava naquele 31 de outubro, às 5 da tarde, o novo lockdown foi decretado para começar na primeira semana de novembro e durar no mínimo até o dia 2 de dezembro.

A primeira semana de novembro é marcada, particularmente para os católicos, como a semana do Dia de Finados, conhecido mundialmente como o Dia dos Mortos.

Como em todos os anos acontece, tivemos muitos mortos nesse ano de 2020, pelos mais diferentes motivos, que incluem desde velhice, até câncer, ataques cardíacos, pneumonia e acidentes de helicóptero.

Foram embora em 2020, e vão fazer falta na cultura e nos negócios, figuras conhecidas e reconhecidas pelo seu talento e capacidade de trabalho como o jornalista esportivo Sérgio Noronha, o radialista José Paulo de Andrade, o ícone do rock & roll Little Richard, o compositor de “Preta Pretinha” Moraes Moreira, a famosa Bond Girl Honor Blackman, o profissional de comunicação Rodrigo Rodrigues, a pioneira dos programas femininos de TV Xênia Bier, o compositor Aldir Blanc, o estudioso da história da música popular brasileira Zuza Homem de Mello, o ícone da música country Kenny Rogers, o astro da NBA Kobe Bryant, o jornalista Nirlando Beirão, o diretor-geral do Fantástico José-Itamar de Freitas, o ator e dublador Tom Veiga, o ator e diretor Kirk Douglas, e o diretor de cinema Zé do Caixão.

Mas além dessas enormes perdas, tivemos também em 2020, a atipicidade das perdas da Covid-19, que no final de outubro já somavam bem mais de um milhão de pessoas mundo afora, incluindo alguns famosos e outros anônimos, mas todos representando momentos de imensa tristeza e apreensão.

Se essas perdas de um lado geraram gente mais preocupada, responsável e comprometida com a vida, se mantendo em casa, usando máscaras e respeitando o distanciamento obrigatório, com a seriedade e o bom senso que o momento exige, esse ano da Covid também gerou outros tipos de comportamentos que chegam a ser até mesmo constrangedores.

Considero pra lá de estranho, encontrar aqui em Londres, cidade reconhecida mundialmente como civilizada, senhoras frequentadoras das lojas da Sloane Street ou de grandes magazines como a Harrod’s e a Selfridges, disputando qual delas está usando a máscara mais cara e da grife de maior status: “a minha é Celine”, “a minha é Missoni”, “a minha é Dior”.

Mas esse gesto de rara futilidade e absoluta inutilidade não é nada se comparado com a atitude da dondoca Kim Kardashian, por ocasião do seu aniversário de 40 anos, ocorrido em outubro de 2020.

Entediada com esses tempos da Covid, a conhecida socialite, resolveu fretar um avião e comemorar seu aniversário levando um grupo de amigos para uma ilha teoricamente secreta, mas que todo mundo sabia ser a ilha The Brando, antiga propriedade do monumental ator, Marlon Brando.

Até aí tudo bem, porque Kim Kardashian tem o absoluto e sagrado direito de fazer com o seu dinheiro, o que bem entender e aonde quiser.

Mas bombardear as redes sociais com suas fotos na tal ilha, se esfregando nos seus amigos sem máscaras e argumentando que aquele momento era uma demonstração de que é possível fingir que as coisas estão normais, mesmo que seja por um breve período, me pareceu um pouco demais ou absolutamente desnecessário.

Em outros tempos, o James Bond já teria passado naquela ilha e botado Kim Kardashian e seus amiguinhos pra correr.

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