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Michael França

Ideal do branqueamento persiste entre brasileiros como o vice-presidente Mourão

Desvalorização da imagem negra afeta significativamente o sentimento de autoaceitação

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Michael França

Doutor em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo; foi visiting scholar na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper

No final da escravidão, havia receio por parte da elite nacional com o fato de o expressivo número de negros dar ao Brasil uma aparência de país de segunda classe. Com o intuito de embranquecer a população e, em conjunto com outras razões, a imigração europeia foi incentivada.

Acreditava-se que os genes dos brancos eram dominantes e, com a miscigenação, ocorreria um processo de embranquecimento. Assim, imaginava-se que a ampliação do percentual de brancos melhoraria a visão que o resto do mundo teria do Brasil.

Além disso, teorias pretensamente científicas estabeleciam que as pessoas podiam ser divididas em categorias raciais e que existia uma correlação entre a raça e os traços intelectuais e comportamentais.

Deste modo, os negros foram abstratamente considerados como inferiores em termos de inteligência, honestidade e confiabilidade. O sistema de crenças fazia com que características da aparência negra fossem consideradas menos desejáveis e belas até mesmo pelos próprios negros.

Embora essas teorias e crenças tenham sido refutadas posteriormente, a estratificação racial ficou no imaginário coletivo e na estrutura social brasileira.

Devido às pressões da legislação antirracista e à condenação de parte da sociedade às manifestações visíveis do racismo, os indivíduos mudaram seu comportamento no sentido de expressar seu preconceito de maneira mais sutil e velada.

Atualmente, o branqueamento ainda persiste no ideal de muitos brasileiros. Hamilton Mourão, vice-presidente do Brasil, protagonizou no passado recente um exemplo da expressão desse tipo de ideologia.

Isso porque, um pouco antes da concorrida eleição presidencial de 2018, ele afirmou: “Meu neto é um cara bonito, viu ali? Branqueamento da raça”.

Entretanto, apesar da tendência social de condenar ou enaltecer os indivíduos de forma isolada, não se deve ignorar que uma parcela significativa das atitudes e resultados individuais são meramente frutos de uma construção coletiva.

Assim, Mourão representa um reflexo de um conjunto de crenças presentes de forma implícita na dinâmica social brasileira e que mantêm determinados grupos em posições de poder enquanto exclui outros.

A literatura acadêmica fornece diversas evidências empíricas demonstrando que os indivíduos associam, de forma inconsciente ou não, características da identidade branca a uma superioridade no valor social.

Nesse contexto, os indivíduos pardos tendem a ser percebidos como brancos quando seu nível educacional aumenta (Racial ambiguity among the Brazilian population, 2002). Por sua vez, a percepção da negritude de um indivíduo por outras pessoas tende a estar negativamente correlacionada com a sua posição social (Sucesso social, branqueamento e racismo, 2004).

Se, de um lado, a forma como uma pessoa é vista pelas outras tem o potencial de favorecer ou criar obstáculos no seu processo de desenvolvimento, por outro, a maneira como ela se vê também terá repercussões ao longo da sua vida.

A profunda desvalorização da imagem negra afeta significativamente o sentimento de autoaceitação. Nesse âmbito, dada a tendência de muitos negros se declararem como brancos, o movimento negro lançou uma campanha no censo de 1991 com o lema: “Não deixe sua cor passar em branco”.

Entretanto, esse padrão tem mudado de forma significativa nos últimos anos. Os negros, em um número cada vez mais expressivo, estão reafirmando a identidade negra. Adicionalmente, existe uma crescente conscientização na sociedade de como a cor da pele influencia, positiva ou negativamente, a trajetória de um indivíduo.

Esta mudança de paradigma apresenta o potencial de transformar consideravelmente a dinâmica socioeconômica brasileira nos próximos anos.

O texto é uma homenagem à música "Coisa de Pele", de Acyr Cruz e Jorge Cruz

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