Empresários lançam estudo para defender negócios do Brasil com a China

Estratégia de longo prazo propõe ver país asiático como referência e oportunidade

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Estudo encomendado pelo Conselho Empresarial Brasil-China propõe que os brasileiros olhem o parceiro asiático cada vez menos como competidor e ameaça e cada vez mais como referência e oportunidade, em especial para diversificar a pauta de exportação e absorver novas tecnologias.

O documento, que foi batizado de “Bases para uma Estratégia de Longo Prazo do Brasil para a China”, será divulgado nesta quinta-feira (26) pela entidade em um evento que prevê a presença do vice-presidente Hamilton Mourão.

O conselho reúne diplomatas brasileiros e empresários que já mantêm relações com a China ou têm interesse no parceiro comercial. Entre os associados estão instituições financeiras e empresas como Banco do Brasil, Bradesco, BRF, CPFL Energia, Embraer, Itaú e Vale.

O estudo é lançado num momento de seguidas controvérsias políticas e econômicas, em que o país asiático é apontado como ameaça pelo governo Jair Bolsonaro e no contexto de uma disputa comercial e tecnológica mais acirrada com os Estados Unidos.

No capítulo mais recente, Eduardo Bolsonaro postou na sua conta no Twitter, na segunda-feira (23), que o programa Clean Network, ao qual o Brasil declarou apoio, protege seus participantes de invasões e violações. Segundo ele, a iniciativa afasta a tecnologia da China e evita a sua espionagem.

No dia seguinte, o governo chinês rebateu. A embaixada da China no Brasil afirmou na terça-feira (24) que o deputado segue os Estados Unidos para caluniar a China e pediu que a retórica norte-americana seja abandonada para evitar "consequências negativas".

O líder chines Xi Jinping e Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto - Pavel Golovkin - 14.nov.2019/AFP

O embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, afirma esperar uma boa recepção das propostas pelo governo brasileiro, mas diz que o alvo prioritário é a iniciativa privada.

“Eu chamaria a atenção de que ele está sendo apresentado ao vice-presidente da República. Esperamos que receba uma boa acolhida por parte do governo brasileiro, mas lembraria que somos um conselho empresarial, formado por empresas privadas que têm interesses em fazer negócios com a China, em vender, investir e receber investimentos”, afirma Castro Neves.

Hamilton Mourão faz parte da Comissão Sino-Brasileira presidida pelos vice-presidentes dos dois países, que voltará a se reunir em 2021.

O estudo foi elaborado pela diplomata e economista Tatiana Rosito, que integra o Comitê Consultivo da entidade e representou o Brasil como diplomata e como chefe do escritório da Petrobras em Pequim.

Ele indica três principais caminhos para aproveitar as oportunidades geradas pelo avanço da economia chinesa. Também aponta três eixos (econômico, institucional e de sustentabilidade) e três agendas (infraestrutura, finanças e tecnologia) para o relacionamento com a China.

O primeiro caminho é a agregação de valor às commodities exportadas pelo Brasil para a China, por meio da intensificação das relações com o mercado chinês e da descoberta de novos nichos.

A proposta cita também a adoção pelo país de tecnologias ou de partes das cadeias de produção que deixarão a China, além de uma combinação de importações de commodities industriais chinesas com a agregação de valor para consumo no Brasil ou exportação.

“Tão importante quanto o que o Brasil pode exportar para a China é o que o Brasil importa ou pode importar e como pode construir canais estáveis e eficientes para absorção de novas tecnologias em que a China oferece liderança crescente”, diz o documento.

“Há ainda oportunidades a serem exploradas pelas empresas brasileiras fornecedoras de matérias-primas para a China no desenvolvimento de negócios que possam ir ao encontro das necessidades chinesas, inclusive através da criação de novos mercados mediante a educação dos consumidores chineses para produtos sustentáveis produzidos no Brasil ou associados a marcas brasileiras.”

Dentro da ideia de que uma estratégia para a China de longo prazo deve estar ligada a uma estratégia nacional de desenvolvimento, Tatiana utilizou como ponto de partida um documento divulgado em 2018 pelo governo Michel Temer, revisto e consolidado pelo atual governo na Estratégia Federal de Desenvolvimento 2020-2031, que tem como diretriz principal elevar a renda e a qualidade de vida da população brasileira, com redução das desigualdades sociais e regionais. ​

“Se esses são os nossos objetivos, faz mais sentido olhar a China como uma nova potência na área de inovação, científica e tecnológica, do que só olhar pela ótica da competição com produtos brasileiros e da exportação. O estudo é mais um alerta. A gente tem logrado excelentes resultados na área comercial, especialmente no comércio agrícola, mas é necessário sair um pouco disso e pensar o longo prazo”, afirma Rosito.

A diplomata diz que os dois países já possuem o que ela chama de uma moldura institucional que só é comparável ao que o Brasil tem com países do Mercosul. Ela cita como exemplo a própria comissão sino-brasileira.

“Isso permite que a gente continue tendo uma relação com a China pragmática, uma relação de Estados, mesmo em um momento em que a China sofre críticas de certos setores no Brasil. Essa moldura nos permite continuar trilhando esse caminho de aproximação”, afirma a diplomata.

Segundo a autora do trabalho, a recente eleição americana aponta para uma distensão em alguns temas nas relações entre Estados Unidos e China e abre uma oportunidade para que o Brasil também possa repensar a relação com o país asiático.

No comércio exterior, por exemplo, os resultados positivos para o Brasil têm oscilado ao sabor da demanda chinesa, com uma concentração em poucos produtos que não é considerada saudável por nenhum dos dois lados, segundo Rosito.

De acordo com o documento, estima-se que a classe média da China seja de 400 milhões de pessoas (30% da população urbana, ante 50% nos EUA) e espera-se que a urbanização e o crescimento de renda per capita incorporem mais centenas de milhões de pessoas até 2050, um mercado potencial consumidor para o Brasil.

Segundo a diplomata, entre os principais desafios para ampliação e diversificação das exportações brasileiras para a China estão a baixa presença de empresas brasileiras e de associações de classe em solo chinês e a ausência de uma campanha coordenada de imagem do Brasil.

“A gente explora pouco o imenso mercado chinês. Você poderia a partir de ecommerce identificar nichos para exportações de produtos em áreas como cosméticos, alimentos processados, áreas ligadas a bioeconomia e sustentabilidade, mesmo as pequenas comunidades poderiam chegar a nichos de mercado na China, mas para isso você precisa entender o consumidor chinês. Tudo isso é um mundo novo que poderia estar aberto para nós”, afirma Rosito.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.