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Fim dos tempos sombrios nos EUA anima mercados financeiros

Nada pode ser pior que Donald Trump negando a crise sanitária, minimizando a necessidade de políticas de suporte à população e à economia

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Maria Antonieta Del Tedesco Lins

Economista e professora associada do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo

No calor do anúncio de que Joe Biden teria sido vitorioso em estados de forma a somar os votos necessários do colégio eleitoral para se tornar o 46º presidente dos Estados Unidos, é hora de formular questões sobre as perspectivas econômicas de seu governo. Os principais pilares da campanha democrata são conhecidos, como, por exemplo, os temas ambientais, a recomposição de políticas de saúde do governo Obama, além de ações emergenciais frente à pandemia.

A torcida anti-Trump mundo afora deixou provisoriamente de lado eventuais reservas com relação ao presidente eleito e parte de suas propostas.

Mas antes mesmo da divulgação dos resultados parciais indicando a possível vitória democrata, os mercados financeiros passaram a registrar movimentos de evidente otimismo. Lá, aqui e por todos os lados.

Chinês acompanha eleição nos EUA; temor com China persiste - Tingshu Wang/Reuters

Por que isso acontece? Uma primeira parte da resposta, para muitos evidente, é que nada pode ser pior que Donald Trump. De trás para a frente, no 2020 pandêmico, falas e atuação do presidente negando a crise sanitária, minimizando a necessidade de políticas de suporte à população e à economia deixaram o caminho aberto para o vírus fazer estragos consideráveis, como se sabe. Mas houve muito mais estrago ao longo de quatro anos! Biden assumirá em meio à recessão e uma crise social.

Sem inventariar os feitos do governo que sai, o momento convida ao esforço de organizar o que se sabe para discutir possíveis alterações no curso das políticas públicas, e seus impactos nos mercados financeiros e nas relações econômicas externas do país.

Em se tratando da maior economia do mundo e de um país ao qual se costumou a qualificar como hegemônico, sua dinâmica política doméstica produz quase que automaticamente fenômenos globais. Quem se recorda do relaxamento da política monetária (o famoso quantitative easing) conduzido pelo FED após a crise financeira global e seus efeitos mundo afora? Houve, entre países emergentes, quem chamasse a situação que se estabeleceu de guerra cambial ou de tsunami.

Isso posto, deve-se avaliar a efetiva capacidade política do novo presidente para implementar seu projeto.

O primeiro a fazer é considerar a distribuição de forças no legislativo, o que define a capacidade de aprovação das propostas. O senado é possível que mantenha uma maioria republicana, ainda que estreita, e os democratas devem continuar com a maioria entre os deputados. Essa divisão pode travar projetos importantes apresentados pela campanha de Biden, como o de taxar corporações –lembremos que Trump reduziu esta taxação de 35 para 21%. Da mesma forma, a proposta de elevar a cobrança da seguridade social sobre altos rendimentos deve enfrentar resistência. Planos de mais investimento em infraestrutura e energia (renovável) também pressupõem aumentar o gasto público. A ameaça de mais regulação sobre as empresas de tecnologia deve mobilizar os respectivos lobbies e trazer incerteza, ao menos momentânea, sobre seus resultados.

Análises financeiras feitas entre o mercado e a imprensa especializada circularam nos últimos dias recordando como o impasse legislativo manteve um conflito sobre endividamento e gastos durante os seis últimos anos do governo Barack Obama. Segundo estes estudos, episódios de governos divididos historicamente impõem um pior desempenho aos ativos negociados nos mercados financeiros. Ainda na mesma arena, houve quem afirmasse o contrário, que governos divididos criam ambientes favoráveis aos mercados, já que têm pouca capacidade de mudar as coisas. Assim, voláteis e volúveis, são os famosos e intangíveis ânimos dos mercados financeiros!

Apesar do discurso de que a prioridade será por ordem em casa, um processo de reconciliação no âmbito da política externa na esfera econômica será inevitável. As frágeis e abaladas relações com a China deverão ser minimamente restauradas, ainda que sem perder de vista o apelo político que tem –e teve nos últimos anos– a questão de perda de empregos nos Estados Unidos. Há também que reparar as relações com a União Europeia, rever posições na Organização Mundial do Comércio, eventualmente reconsiderar a participação em acordos comerciais como o Transpacífico e assim segue.

Fazendo as contas dos danos impostos ao país na era Trump –com sinal negativo, é claro!– somadas às propostas do candidato Biden, o resultado ainda é indefinido. Interessa indagar o que será da imagem internacional arranhada e a posição de liderança dos Estados Unidos. Em termos de poder monetário, não existe uma alternativa pronta ao dólar. Como parceiro e interlocutor das maiores economias do mundo, é bastante provável que possamos ver uma atitude mais afável –ou menos agressiva– e a volta de certa cooperação em determinadas áreas e temas internacionais. Muito mais do que isso não se deve esperar.

Foi certamente uma derrota das trevas, porém ainda não um triunfo da solidariedade internacional e o multilateralismo.

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