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Biden vai reorientar, mas não recomeçar do zero relações com a China

Especialistas avaliam ser improvável que o presidente eleito pegue leve com Pequim

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Pequim | Caixin

A eleição de Joe Biden como 46º presidente dos Estados Unidos deve mudar a forma do relacionamento entre Washington e a China, mas não deve produzir uma reviravolta completa nas tensões entre os dois países, disseram múltiplos especialistas ao portal chinês Caixin.

Em seu primeiro discurso como presidente eleito dos EUA, no sábado (7), Biden, vice-presidente de Barack Obama, prometeu unir e “curar” uma nação profundamente dividida que está enfrentando a letal pandemia do coronavírus, uma recuperação econômica precária, injustiça racial e relações internacionais tempestuosas.

O tom conciliatório adotado por ele contrasta fortemente com o do atual presidente, Donald Trump, cujos quatro anos como comandante em chefe dos Estados Unidos foram marcados por desordem e divisão. Uma peça central de seu governo é o confronto com a China, tratada por Trump como grande adversária.

Cartaz de Joe Biden durante comemoração na Times Square, Nova York - Timothy A. Clary/AFP

A eleição de Biden, portanto, representa uma grande oportunidade de recomeçar do zero o relacionamento tumultuoso entre os Estados Unidos e a segunda maior economia do planeta, laços caracterizados por tensões no comércio, desentendimentos diplomáticos e recriminações sobre a condução pela China da pandemia do coronavírus, desde que Trump assumiu em 2017.

Embora Biden deva adotar uma abordagem mais estável e coerente para com a China do que a de Trump, é bastante improvável que o presidente eleito pegue leve com Pequim, disseram especialistas. Outros observadores já haviam afirmado anteriormente que a era passada, na qual os Estados Unidos tratavam a China como um país em desenvolvimento, provavelmente se encerrou, e no futuro é mais provável que Washington considere Pequim como parceira estratégica, rival ou adversária.

Biden criticou as tarifas comerciais de Trump contra a China como arbitrárias e contraproducentes, e por isso há quem tenha afirmado que ele pode retirar algumas delas, ou mesmo todas.

Mas ele também advertiu no passado que os investimentos agressivos da China em energia, infraestrutura e tecnologia ameaçam deixar os Estados Unidos para trás. Muita gente argumentou, no passado, que os investimentos mundiais da China nessas áreas prejudicam a competição porque em geral envolvem grandes empresas estatais que, em muitos casos, colocam as prioridades do governo acima de fatores comerciais.

Biden também argumentou que os Estados Unidos deveriam reduzir sua dependência de cadeias internacionais de suprimento, em parte para combater os “riscos causados pela China”. A dependência de muitas empresas com relação a fornecedores chineses foi alvo de muita atenção nos estágios iniciais da pandemia mundial, porque as cadeias de suprimento dessas companhias sofreram distúrbios quando a China ordenou o fechamento da maior parte das fábricas do país, no primeiro semestre do ano.

A ênfase de Biden em restaurar a indústria e a pesquisa dos Estados Unidos tem por origem as recentes reflexões do Partido Democrata sobre a falta de uma política nacional abrangente sobre o assunto –uma área em que as diferenças entre o país e a China são fortes, de acordo com Jacques DeLisle, diretor assistente do Centro de Estudos da China Contemporânea, na Universidade da Pensilvânia.

O apoio de Biden a um fortalecimento dos Estados Unidos e a um papel mais ativo para o governo na política econômica pode, de certa maneira, fazer com que os Estados Unidos pareçam mais semelhantes à China, disse DeLisle.

No mês, a Brookings Institution, uma organização de pesquisa americana, afirmou em uma lista de recomendações de política externa que o próximo presidente deveria buscar ampliar a influência dos Estados Unidos na região Ásia-Pacífico por meio do retorno ao Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership (CPTPP) [acordo abrangente e progressivo para uma parceria transpacífica], um grande tratado de comércio internacional entre 11 países da região.

Orville Schell, diretor do Centro de Relações EUA-China na Asia Society, disse que uma vitória de Biden provavelmente sinalizará um retorno ao princípio da “reciprocidade” quanto a questões que incluem comércio internacional, relações com a imprensa, e interações culturais com a China.

Por enquanto, porém, a política de Biden para com a China vai ter por foco um reforço da pressão multilateral sobre Pequim, a fim de escorar a supremacia americana em áreas cruciais, reconhecendo, ao mesmo tempo, que os dois países precisam cooperar de forma mais profunda sobre ameaças compartilhadas como a pandemia, a mudança do clima e a proliferação nuclear, disseram especialistas.

Antony Blinken, antigo secretário de Estado assistente no governo dos Estados Unidos e veterano assessor de Biden, disse em entrevista que o desempenho fraco de Trump no cargo havia na verdade ajudado a China a levar adiante alguns de seus objetivos estratégicos, tais como enfraquecer as alianças dos Estados Unidos e reduzir os atrativos da democracia ao estilo americano para outras partes do planeta.

Para Biden e sua equipe, o desafio de Pequim deriva não da força da China, mas dos pontos fracos dos Estados Unidos, disse Blinken.

Mesmo assim, a era de política branda dos Estados Unidos para com a China provavelmente não voltará, disseram diversos especialistas ao Caixin.

Michael Green, vice-presidente sênior para a Ásia e Japão do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, uma organização de pesquisa americana, disse que muitos dos democratas mais jovens que formarão “de 80% a 90%” do governo Biden veem a China como rival estratégica e favorecem uma cooperação com os aliados tradicionais dos Estados Unidos.

Tradução de Paulo Migliacci

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