Lojistas europeus temem aperto do lockdown na temporada de Natal

Transações entre a Black Friday e o Natal geram entre 20% e 50% das vendas

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Martin Arnold Leila Abboud Silvia Sciorilli Borrelli
Financial Times

Nessa época do ano, Jens Begeschke normalmente estaria se preparando para vender sua linha de lanternas de papel artesanais para os consumidores que fazem visitas regadas a “glühwein” [vinho quente] às dezenas de mercados de Natal que operam na Alemanha.

Mas a segunda onda de contágio do coronavírus e as medidas de lockdown adotadas levaram ao cancelamento de quase todos os três mil mercados de festas alemães, arruinando os planos de Begeschke e colocando em questão o destino de milhares de empresas parecida com a dele.

“Encomendamos os produtos de nossos fornecedores na Índia em fevereiro, e não tínhamos como antecipar o impacto do vírus, então”, disse Begeschke, 48, que dirige a Sterne vom Himmel [estrelas do céu] há uma década.

Ainda que ele realize vendas pela internet há diversos anos, Begeschke duvida de que as encomendas online compensem a perda da maior parte de seus negócios, que costumam acontecer nesse período do ano. “Dependemos totalmente dos mercados de Natal. Preocupo-me com a possibilidade de que nossos fornecedores quebrem, se não encomendarmos coisa alguma no ano que vem”, ele disse.

Temporada de vendas de fim de ano está ameaçada pelo novo lockdown - Benoit Tessier /Reuters

Em toda a Europa, varejistas estão apelando aos governos que suspendam o lockdown para salvar a crucial temporada de compras que acontece entre as promoções de Black Friday, dia 27 de novembro, e o Natal. Essas quatro semanas geram entre 20% e 50% das vendas de muitos comerciantes, excetuado o ramo de alimentos, de acordo com a Eurocommerce, a federação do comércio varejista da União Europeia.

Os mais recentes lockdowns, que resultaram no fechamento do comércio não essencial em diversos países europeus e restringiram os movimentos e interações sociais, tornarão o ano “especialmente desafiador”, disse Christian Verschueren, diretor geral da Eurocommerce.

O varejo de menor porte “lutará para sobreviver a qualquer período prolongado de lockdown”, ele alertou. “Alguns de nossos membros preveem que até 30% das lojas de roupas, que dependem especialmente do período natalino, talvez não voltem a abrir”.

La Fée Qui Cloche, uma loja de brinquedos logo ao norte de Montmartre, em Paris, é outra empresa que está diante de sérios desafios. Miya Pellissard-Yadan, sua proprietária, disse estar muito zangada por sua loja e outros estabelecimentos de comércio não essenciais terem sido forçados a fechar como parte do lockdown francês. ‘É horrivelmente injusto, demais”, ela disse.

A loja normalmente registra 15% de seu faturamento anual em novembro e outros 25% em dezembro, disse Pellissard-Yadan.

Mas, impedida de receber fregueses, ela montou em lugar disso um sistema que permite compras online ou por mensagem de texto com retirada na loja. Mas não tem ilusões de que isso compensará a falta de presença física. “Comprar online um bicho de pelúcia para uma criança não faz sentido. As pessoas querem tocar o produto”, ela disse.

As lojas mais refinadas do varejo francês receberam alguma ajuda na sexta-feira, quando o grupo de varejo online Amazon cedeu a pressões políticas e empresariais e postergou suas promoções de Black Friday na França por uma semana, até o dia 4 de dezembro. Frédéric Duval, presidente da Amazon France, disse esta semana que as vendas da empresa haviam crescido em 40% a 50% desde que o lockdown francês começou, no final de outubro –proporção semelhante à registrada em outros grupos de varejo online.

As vendas do varejo na zona do euro caíram pelo recorde de 21% nos dois meses posteriores à eclosão da pandemia no continente, em março, antes de se recuperarem rapidamente para níveis superiores aos do período em 2019, quando os lockdowns iniciais foram suspensos. O maior crescimento ante os resultados do ano anterior aconteceu nas vendas por reembolso postal e online, à medida que os consumidores transferem seus gastos para a internet.

No entanto, as vendas do varejo da zona do euro começaram a cair de novo em setembro, quando a segunda onda do vírus ganhou impulso. A maioria dos economistas antecipa que os lockdowns do quarto trimestre venham a causar queda muito maior de vendas, depois que uma pesquisa entre os administradores de compras do setor de varejo, em outubro, apontou para uma redução de atividades em muitas companhias do setor de serviços. O indicador de confiança dos consumidores da União Europeia para o mês de novembro, divulgado na sexta-feira, caiu ao seu nível mais baixo desde maio.

Há quem acredite que os avanços quanto a vacinas anunciados este mês pela BioNTech/Pfizer e Moderna oferecerão esperança suficiente para permitir que muitas lojas, restaurantes e outros negócios dependentes da presença de clientes continuem batalhando, à espera dos tempos melhores que estão por chegar.

“É uma perspectiva realmente sombria”, disse Anatoli Annenkov, economista do banco francês Société Générale. “Mas com a vacina a caminho, provavelmente haverá investimento suficiente para manter a maior parte desses negócios em funcionamento”.

A Mohaba, que fabrica canecas para “glühwein” vendidas nos mercados de Natal espalhados pela Alemanha, e exportadas a outros países, conta com o tratamento para o coronavírus, depois que suas vendas sofreram queda de 75% este ano, forçando-a a adiar um investimento de três milhões de euros em novas instalações de produção.

“O fio de esperança a que estou me agarrando é a vacina para a Covid-19”, disse Guido Schlepütz, que dirige a empresa. “Se ela estiver disponível no primeiro trimestre e não acontecerem novos lockdowns... [isso determinará] se voltaremos a ter a vida que tínhamos antes da pandemia”.

Na Itália, o varejo continuará fechado na maioria das regiões pelo menos até o começo de dezembro, e os gastos natalinos do domicílio médio devem cair em 15% este ano, de acordo com a Codacons, uma associação de consumidores italianos. “O trenó de Papai Noel será mais leve este ano, porque muitas famílias começarão a sentir a pressão da crise da Covid-19”, disse Carlo Rienzi, presidente da Codacons.

Já que muita gente continuará a trabalhar de casa e a sofrer restrições em sua capacidade de viajar ou de conviver socialmente, a previsão é de uma onda de vendas online, e um salto na demanda por equipamento de computação, pulseiras de fitness e outros aparelhos. O grupo de pesquisa GfK previu que essas tendências manteriam as vendas de Black Friday estáveis em torno de um trilhão de euros este ano, nos 70 países que a organização acompanha – depois do crescimento de 20% no ano passado.

Mas a mudança deve beneficiar primordialmente os grandes varejistas com presença online forte. O grupo Fnac Darty de eletrônica, livros e música, sediado na França, disse que antecipa se sair melhor no segundo do que no primeiro lockdown, porque suas lojas continuam abertas para vendas essenciais e o serviço online da companhia está provando ser popular, disse Enrique Martinez, o presidente-executivo do grupo.

Alguns produtos devem continuar a ter boas vendas independentemente da situação, como o novo console de videogame Sony PlayStation 5, lançado este mês. “Um gamer apaixonado não vai esperar até o final do lockdown para adquirir seu PS5”, ele acrescentou.

Na La Fée Qui Cloche, em Paris, Pellissard-Yadan apontou para outro ponto positivo em meio ao período de desânimo: as vendas de jogos de tabuleiro. A venda de todo tipo de jogos, de clássicos como Scrabble (Palavras Cruzadas) e xadrez a novos produtos como The Mind, estão em disparada, ela disse.

“Todo mundo está entediado em casa”, ela acrescentou, melancolicamente.

Tradução de Paulo Migliacci

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