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Preferência a advogados eleva desigualdade no INSS, diz estudo

Pesquisadores do Insper recomendam que acesso seja extinto; advogado defende que presença de profissional qualifica pedidos

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São Paulo

O atendimento preferencial para advogados nas agências do INSS eleva a desigualdade no atendimento e potencializa a judicialização dos pedidos de concessão de benefícios previdenciários e assistenciais. Essas conclusões fazem parte de um estudo realizado pelo Insper a pedido do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). As análises levam em consideração procedimentos realizados pelo INSS entre 2015 e 2019.

O pesquisador Paulo Furquim Azevedo, um dos coordenadores do estudo, diz que o acesso preferencial deixa uma assimetria entre os segurados que podem contratar um advogado e os que não podem. Além disso, uma vez que o pedido seja indeferido, quem tem um advogado já está com o processo praticamente pronto para ir ao Judiciário.

Os advogados da área de Previdência defendem que desde 1994 teriam direito a atendimento prioritária. Em 2015, o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) entrou na Justiça para fazer valer o atendimento. A categoria obteve, ainda em 2015, liminar em favor da prioridade.

Estudo do Insper sugere que o INSS mantenha o atendimento presencial sem agendamento nas regiões do Brasil com maior exclusão digital - Rivaldo Gomes-14.jan.20/Folhapress

A discussão sobre o acesso especial a advogados previdenciários chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal) em 2017, e a Corte manteve o direito ao atendimento sem agendamento e em guichê específico.

Segundo o estudo, entre 2015 e 2019, o número de ações contra o INSS aumentou em 140%. O volume é qualificado como hiperjudicialização pelos pesquisadores.

“Não quer dizer que seja o fator mais relevante [para o volume de ações judiciais], mas chama muita atenção que haja essa atuação dos advogados quase como despachantes”, afirma Azevedo.

O estudo sugere que esse tipo de atendimento preferencial deveria ser extinto pelo INSS. A reportagem buscou apurar quantos advogados são atendidos preferencialmente no órgão ao mês ou ano, mas nem o estudo, nem o INSS têm esse detalhamento.

Em entrevistas feitas pela equipe que conduziu o estudo, servidores chegaram a dizer que “se sentem constrangidos na dinâmica do atendimento, uma vez que deixam na espera pessoas que estão aguardando na fila há mais tempo para atender aos advogados —muitos chegam à agência quase no final do expediente.”

Além do atendimento preferencial, a pesquisa aponta outros problemas que geram o aumento do número de ações judiciais.

Um fator importante é a demora do INSS em responder às solicitações. A pesquisa identifica também lentidão, por parte do instituto, na adoção de posições consolidadas no Judiciário e subaproveitamento do processo administrativo, o que leva a uma baixa utilização do Conselho de Recursos da Previdência Social.

Há ainda a demora em cumprir decisões judiciais e um descompasso entre perícias administrativas e judiciais. Segundo o estudo, a avaliação médica feita na Justiça tende a ser mais desfavorável ao INSS.

José Roberto Sodero, presidente da comissão de direito previdenciário da OAB-SP, defende o papel da categoria nos processos do INSS e também a prioridade para advogados. Na sua avaliação, o estudo do Insper não consegue demonstrar o efeito do atendimento preferencial sobre a judicialização.

Ele também defende que a presença do profissional qualifica os pedidos. “A legislação é complexa. Se até a advocacia especializada tem dificuldades em acompanhar tudo, imagine o segurado”, diz Sodero.

“O mais importante de tudo é de que isso é uma garantia constitucional. Estar acompanhado de um advogado é a garantia de que ele será bem orientado. Não tem fundamento atribuir a isso [o volume de processos alto]”, afirma o advogado.

O diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Arthur José Nascimento Barreto, diz que a afirmação do estudo não tem rigor científico ou correspondência com a realidade.

“Eles colocam o problema na figura do advogado, mas ao apontar o conjunto de falhas, o que vemos são problemas estruturais do INSS, como o subaproveitamento do processo administrativo’, diz.

O fim do tratamento diferenciado integra o conjunto de quatro sugestões apresentadas pelos pesquisadores para que o instituto reduza as dificuldades de acesso do cidadão à instância administrativa de requerimentos.

O Insper sugere ainda que o INSS mantenha o atendimento presencial nas agências por um período de transição, especialmente nas regiões do país com maior concentração de exclusão digital.

Para mitigar dificuldades de segurados em acessar o Meu INSS, site que concentra os serviços digitais do instituto, os pesquisadores sugerem que o processo administrativo seja simplificado e que o INSS forme parcerias para permitir o treinamento de segurados para o acesso.

Furquim também destaca entre os fatores relevantes para a pressão maior sobre a Justiça a demora do INSS em analisar os requerimentos. No Judiciário, muitos pedidos são mandados de segurança que tentam o obrigar o INSS a responder às solicitações.

O enxugamento da estrutura do INSS elevou o tempo de espera pela concessão de benefícios nos últimos oito anos e, além disso, o quadro de pessoal diminuiu, ao mesmo tempo em que mais pedidos entraram no sistema.

Com a digitalização, fila se virtualizou –deixou de ser visível, mas continuou existindo. Até o início de outubro, dado mais recente divulgado, 1,8 milhão de pessoas estavam na fila.

O coordenador da pesquisa diz que os esforços para a redução da espera tiveram efeito. Porém, como a Folha mostrou em janeiro, as políticas de incentivo a produtividade, com pagamento de bônus, resultaram também em picos de indeferimento.

“Houve um esforço para tentar endereçar o problema da demora. Como não teve aumento de pessoal, houve incentivos, que podem ter resultado no aumento de negativas, que são mais rápidas. Esses indeferimentos vão acabar na Justiça”, diz.

A maioria das negativas, segundo o estudo, está relacionada aos exames médicos periciais. De 4 milhões de benefícios indeferidos analisados pelo Insper, 39% passaram pela perícia.

A mais comum entre as razões é o parecer contrário, que resultou na negativa de 1,1 milhão de pedidos, ou 28% do total. Outro motivo relacionado ao exame médico é o não comparecimento do segurado na data agendada.

O estudo do Insper ainda aponta a demora do INSS em incorporar jurisprudências firmadas e cumprir decisões judiciais como fator de pressão sobre o Judiciário.

Em setembro, INSS e CNJ lançaram a integração dos sistema de processo judicial eletrônico, o que deverá ter efeito de acelerar o cumprimento de decisões.

O CNJ, que encomendou o estudo, diz que as recomendações estão sendo contempladas pelo projeto Resolve Previdenciário, lançado pelo conselho em 2019, e que vem desenvolvimento soluções tecnológicas para viabilizar a automação e o compartilhamento do conteúdo dos processos administrativos.

“A integração é fruto de atuação concertada entre CNJ, INSS e Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, instituições que celebraram, em 2019, Acordo de Cooperação Técnica para permuta de dados.”

O conselho afirma também ter dado início neste mês a oficinas que discutiram propostas de novo fluxo de tramitação das ações que incluem perícias médicas.

O INSS diz não ter recebido formalmente o estudo encomendado pelo CNJ, mas afirma estar ciente das dificuldades na concessão, e que, por isso, tem um programa permanente de revisão dos processos internos.

“Nesse programa, equívocos detectados são notificados ao servidor e revisão de ofício feita imediatamente, o que diminui sensivelmente a judicialização.”

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