'Quando você passa a ter dinheiro, as pessoas te abraçam, te engolem', diz dono da JR Diesel

Geraldo Rufino afirma que nunca sentiu discriminação e aprendeu com a mãe que 'ser negro é privilégio'

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São Paulo

“Não vamos fechar nenhum dia”, foi a decisão anunciada pelo empresário Geraldo Rufino logo no início da quarentena imposta para tentar conter o novo coronavírus no Brasil.

Fundador da JR Diesel, considerada uma das maiores empresas da América Latina em reciclagem e desmontagem de veículos, Rufino diz que está faturando mais hoje do que antes da pandemia.

“Decidiram que só funcionariam empresas consideradas essenciais. Como assim? Todos somos essenciais. O cara que traz a comida é do caminhão, eu vendo peça para caminhão”, afirmou.

No canto direito, Geraldo Rufino usa uma camisa polo amarela e olha para o horizonte; acima de sua cabeça está um letreiro com a frase 'pense positivo'
Geraldo Rufino, fundador da JR Diesel, a maior empresa da América Latina em reciclagem e desmontagem de veículos - Karime Xavier/Folhapress

Ele conta que nos meses mais críticos chegou ter apenas 20% do faturamento normal, que fica na casa de R$ 20 milhões por ano. “As pessoas ficaram olhando para o estrume, mas precisa olhar para o cavalo", diz.

Rufino conta que as lojas de caminhão usado, por exemplo, estavam, como ele define, "um fracasso". Mas o vírus mudou o cenário. "Veio a pandemia, as montadoras pararam e movimentou todo o mercado de usados", afirma. "O mercado era maçante para quem mexia com peça usada e, quando tudo parou, ativou este mercado, que é gigante.”

Essa mania de ver o copo mais cheio do que vazio é uma constante em sua vida, diz o empresário, e fez com que ele chegasse onde chegou. Rufino conta que, negro e pobre, poderia ter escolhido o caminho que muitos outros seguem nas periferias brasileiras.

Perdeu a mãe ainda criança, com 7 anos. Seis meses depois, entendeu que teria de ir a luta pelo próprio esforço. Arrumou o primeiro emprego. Ou, como costuma falar, empreendeu pela primeira vez. O local foi uma carvoaria.

“Queria ser útil. Ficava 8h por dia ensacando carvão e ganhava meio salário mínimo. Aí resolvi ir catar latinha no aterro no tempo que sobrava. Fazia meu depósito pequeno para vender para o maior.”

Rufino afirma que foi nessa época que quebrou pela primeira vez, aos 11 anos. “Enterrava o dinheiro que ganhava, mas o dinheiro sumiu", diz. Mas desde aquele momento, aprendeu a dar a volta por cima. "Quebrar nunca me incomodou: você só fica sem o dinheiro, mas fica com os valores", afirma. "Com 13 anos voltei a empreender no CNPJ de outro, arrumei um trabalho como office boy no Playcenter.”

Foram 30 anos na empresa de parque de diversões, onde ele chegou ao cargo de diretor com um alto salário. Paralelamente, seguiu empreendendo junto com os irmãos.

O negócio de peças começou depois de mais uma quebra. Eles tinham uma transportadora com seis caminhões. Para que os veículos funcionasse nos dias frios, era preciso fazer com que pegassem “no tranco”, ou seja, em movimento.

A empresa ficava no alto de uma rua, e a descida era usada para ligar os motores. Um dia, o primeiro caminhão da fila travou, o que provocou um engavetamento.

Os caminhões não tinham seguro. Para pagar o financiamento dos veículos, Rufino resolveu desmontar e vender as peças. A empresa de peças que ele comanda hoje ocupa um galpão com 12 mil metros quadrados em Osasco.

“Nunca senti discriminação", afirma. "Minha mãe dizia que ser negro é privilégio e cresci vendo assim." Segundo ele, tudo é questão de ponto de vista. "O problema é o jeito que somos formados. Ficam dizendo que somos descendentes de escravos, mas os reis são negros na África”, diz ele.

Rufino conta que interpreta os olhares das pessoas como uma curiosidade, não um preconceito. “As pessoas vão te olhar? Claro. Vão dizer que você é gorda, que você é sardento - sempre vai ter um motivo para rotular.”

O que faz a diferença, afirma, é como se interpreta isso.

“O problema é o jeito que você vê. A polícia vai me parar, mas a reação vai mudar dependendo da minha energia ao sair do carro", diz. "Quando eu entro em uma joalheria, e o segurança me olha, eu nunca falo: ‘Tá olhando o que?’ O que tem olhar?"

E define sua postura: "Eu aprendi muito cedo que o jeito de combater isso é entender que é uma fraqueza humana. E tanto é assim que, quando você passa a ter dinheiro, as pessoas te abraçam, te engolem.”

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