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Flávio Rocha

Relação com EUA requer pragmatismo

Na diplomacia e no comércio, o que conta é o resultado prático

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Flávio Rocha

Presidente do conselho de administração do grupo Guararapes

O processo eleitoral dos Estados Unidos, em que pesem algumas regras anacrônicas e a descentralização que tende a gerar disputas judiciais, deve ser saudado como um marco tradicional da democracia, que garante a alternância no poder entre dois partidos que representam o pensamento do povo norte-americano. Esse é o saldo que interessa a médio prazo e o que a história reterá da acirrada eleição deste ano.

Diante da nova realidade, a ser oficializada a partir de janeiro do próximo ano, o Brasil deveria manter uma atitude de pragmatismo. Relações diplomáticas e comerciais entre países não devem ser ditadas por afinidades ideológicas, muito menos por eventuais laços de amizade entre governantes.

Há muitos interesses em jogo. Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China, para onde exportamos sobretudo grãos e minérios, que geram receitas importantes, mas apresentam pouco valor agregado. Os norte-americanos, ano contrário, compram produtos siderúrgicos, entre outros itens intermediários entre a matéria prima e o produto pronto para consumo.

Cartaz de Joe Biden durante comemoração na Times Square, Nova York - Timothy A. Clary/AFP

Donald Trump, o presidente que ora se despede, imprimiu um viés protecionista às relações externas de seu país, o que estava refletido com clareza no bordão “America first”. Tal atitude o afastou de órgãos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC). Acordos bilaterais passaram a ganhar mais importância.

O Brasil tentou achar um espaço privilegiado para seus produtos nessa política. O resultado, porém, ficou aquém do esperado. Entre janeiro e setembro, o comércio entre os dois países recuou 25% em relação ao mesmo período do ano anterior, para pouco mais de US$ 33 bilhões. As exportações do Brasil, com queda de 31%, foram mais afetadas do que as importações. Foi o pior desempenho em mais de dez anos.

A recessão provocada pela pandemia do coronavírus explica uma parte dessa história. Mas o fato é que a retração do comércio brasileiro foi mais acentuada com os Estados Unidos do que com outros parceiros.

Em alguns momentos, Trump usou o comércio internacional como arma de campanha política. Em agosto, por exemplo, meses antes do pleito, chegou a anunciar um corte temporário de 80% nas exportações de aço do Brasil para agradar à indústria local.

O presidente eleito Joe Biden, ao contrário do republicano, está mais alinhado à globalização, de acordo com posições defendidas pelos democratas. Cabe ao Brasil identificar as oportunidades que surgirão a partir desse novo cenário. Exportadores e importadores não falam sobre crenças, ideologias ou amizades.

Em seu léxico, predominam palavras como reciprocidade, interesses complementares e pragmatismo.

As relações diplomáticas são mais sensíveis a pautas mais abrangentes, como a questão climática e a perspectiva geopolítica. Ainda assim, não há razão para enfretamentos desnecessários.

Justas ou injustas –não cabe aqui discutir o mérito– as críticas pontuais à política ambientalista do Brasil feitas por Biden devem ser entendidas num contexto de disputa eleitoral, em que era importante demarcar o território com uma narrativa forte para o público interno, explicitando as diferenças em relação ao enfoque de Trump.

É claro que o Brasil nunca iria permitir ações que representassem afronta à soberania nacional. Mas, pelo que se viu até o momento, não é essa a intenção do futuro presidente. Chamar a atenção para os incêndios na Amazônia e no Pantanal não significa ingerência indevida em assuntos internos, mas apenas a expressão de uma preocupação que, procedente ou improcedente, está longe de ser só de Biden.

Na diplomacia e no comércio, o que conta é o resultado prático.

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