Trabalhador fica à mercê do empregador no home office, diz ministro do TST

Integrante de grupo do governo que analisa nova reforma trabalhista, Belmonte defende atualização da lei

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Brasília

O ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho) Alexandre Agra Belmonte, 61, diz que a legislação do home office precisa ser revista, e será. Segundo ele, as regras atuais, em vigor desde a reforma de 2017, são insuficientes.

"O trabalho remoto, o home office, foi colocado à prova. É como se fosse um teste durante a pandemia [da Covid-19]", afirma o ministro.

"Não é justo que isso [custos do home office pelo trabalhador] seja posto nesse tipo de ajuste [acordo individual], porque o trabalhador fica totalmente à mercê do empregador. O que se pretende é uma modificação da lei, fazendo o contrário", diz.

Ministro do TST, Alexandre Agra Belmonte defende atualização do home office na legislação trabalhista
Ministro do TST, Alexandre Agra Belmonte defende atualização do home office na legislação trabalhista - Zo Guimaraes /Folhapress

Integrante do Gaet (Grupo de Altos Estudos do Trabalho), do governo Jair Bolsonaro, responsável por uma nova reforma trabalhista, ele afirma que mudanças foram apresentadas.

De cem medidas, 15 são prioritárias. "Há previsão de ajuste no teletrabalho", afirma Belmonte.

Para 2021, segundo o ministro, os grandes temas da Justiça do Trabalho serão os acordos individuais do programa de manutenção do emprego e da renda, o próprio home office e a saúde do trabalhador.

*

Qual legado a pandemia vai deixar para a Justiça do Trabalho?

Para a sociedade, o legado que vai ficar é a desigualdade social e a necessidade de se pensar em um novo modelo em que possamos incluir não apenas os trabalhadores subordinados [com carteira assinada], mas também os autônomos e colaborativos.

O colaborativo é o pessoal de entrega, Uber e outras pessoas mais que estão excluídas da proteção social.

Quanto à Justiça do Trabalho, o grande legado é a possibilidade de atuação pelo meio remoto.

As sessões telepresenciais ficarão? Têm de ser regulamentadas?

Nesse momento, estão sendo feitas em razão da pandemia, mas eu penso que isso veio para ficar e certamente vamos ter uma situação mesclada, em que vamos ter a atuação presencial com a possibilidade de mesclar com a atuação a distância.

O sr. é da comissão de tecnologia do TST. Manter essa tecnologia é caro? Precisa de investimento e há dinheiro para isso?

Caro é. Lógico que tudo aquilo que é tecnologia de ponta, que envolve investimento, ainda mais no Brasil que não produz tecnologia, é caro.

Vamos chamar de investimento para obter uma solução bem melhor, que vai fazer com que isso resulte em menos gastos.

Na primeira resposta, o sr. disse que um dos legados da pandemia será a desigualdade. A Justiça do Trabalho está preparada para enfrentar possível aumento de demandas por causa de desigualdade, desemprego, litígios?

A Justiça do Trabalho sempre esteve preparada para receber grandes demandas. Lógico que vai haver aumento de demanda. O desemprego é muito grande, e esse desemprego vai parar na Justiça do Trabalho.

Em relação a trabalhadores de aplicativos, a Justiça do Trabalho tem um papel nesse tipo de relação também?

Com relação à questão de Uber, de entregadores, Loggi, Rappi, seja lá o que for, é preciso dar uma proteção social. Eles não têm proteção nenhuma.

Não é dar vínculo trabalhista. Mas é preciso se pensar em limitação de jornada, em uma distribuição racional dos trabalhos que executam. Incluí-los na Previdência.

Penso que a Justiça do Trabalho teria competência para julgar todo e qualquer trabalho pessoal com base na letra da Constituição.

O teletrabalho ou o home office vai ser um legado também?

Nós precisamos distinguir teletrabalho de home office. Home office é uma espécie de teletrabalho. Ou seja, é o teletrabalho prestado em casa.

Há o teletrabalho prestado em telecentros. É um centro tecnológico [que não é do empregador nem do empregado] onde se pode a distância prestar o trabalho. Isso é comum em São Paulo.

Há o teletrabalho móvel ou nômade, em que às vezes se encontra um trabalhador em uma cafeteria no computador trabalhando. Ele está prestando trabalho remoto.

Há um outro tipo de teletrabalho, que é o call center e pode ser prestado em home office ou em telecentro.

O teletrabalho que está previsto na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] é o home office. Já o anexo 2 da NR 17 [norma com regras sobre ergonomia no trabalho] regulamenta o call center, que tem limitação de jornada, dois intervalos de dez minutos computados na jornada de 6 horas.

Já o home office não está, via de regra, subordinado a horário. Como o empregador vai saber se o sujeito está trabalhando ou não?

Há problemas no home office?

O problema relacionado ao home office é que nossa legislação estabelece atualmente que o trabalhador vai negociar com o empregador a manutenção dos equipamentos que ele usa em casa.

O trabalho remoto, o trabalho home office, foi colocado à prova. É como se fosse um teste durante a pandemia. Tanto que ele aumentou significativamente.

Não é justo que isso [custos] seja colocado a esse tipo de ajuste [acordo individual], porque o trabalhador fica totalmente à mercê do empregador. O que se pretende é uma modificação da lei, fazendo o contrário.

A regra seria o empregador oferecer equipamento e manutenção, mas, se o empregado tiver e quiser alugar, nada impediria, por exemplo.

O sr. faz parte de um grupo de estudos formado pelo governo para propor mudanças na legislação trabalhista. O que o grupo deve prever na questão do teletrabalho?

Nós propusemos antes da pandemia modificações na CLT, modificações de natureza constitucional, em relação a leis já existentes. Como resultado da pandemia, nós enfatizamos que, daquelas cem propostas apresentadas, 15 seriam de natureza urgente e encaminhamos ao governo.

Não posso falar o conteúdo delas, mas encaminhamos propostas de alteração no teletrabalho. Há previsão de ajuste no teletrabalho.

Soube recentemente que o governo iria dar início à tramitação. Isso deve ser apresentado ao Congresso neste ano ainda, mas depende de outras reformas, como a administrativa.

Hoje pode trabalhar parte em casa e parte na empresa?

A lei prevê que o trabalhador que presta serviço em casa, ao comparecer à empresa, semanalmente, quinzenalmente ou mensalmente, não tem descaracterizado o teletrabalho. Nada impede que preste serviços na empresa, desde que predominantemente, como está na lei, trabalhe em casa.

E se for período da manhã em casa e da tarde no escritório, ou três dias no escritório e dois em casa?

Pelo que está na lei, é possível desde que na maior parte do tempo ele fique em casa. Mas tem uma nuance, é possível fazer isso em termos.

Pelo que está na lei, não tem controle de jornada. Porém, a partir do momento em que presta parte do serviço em casa e parte do serviço no escritório, quando estiver no escritório terá controle de horário.

Essas novas configurações flexíveis então vão precisar de ajuste legislativo?

Vão precisar de atualização legislativa, sim. A lei deixou capenga o teletrabalho. Não que esses arranjos estejam na ilegalidade, apenas não há previsão.

Precisa [de atualização], porque, se nesse caso não for predominantemente home office, vai descaracterizar o teletrabalho. A ideia é dar flexibilidade.

O teletrabalho é bom? É. Evita deslocamento, o trabalhador não precisa gastar tempo para ir ao trabalho. Para o empregador é bom porque não vai haver ocupação de um posto de forma desnecessária.

O home office hoje é um tipo de trabalho de categorias da elite?

Só vai se poder fazer home office em trabalho de natureza intelectual, porque manual acho bastante difícil. Não creio que haja elitização, e sim há uma decorrência normal daquele tipo de trabalho que pode ser efetuado em home office.

Quais devem ser os grandes temas da Justiça do Trabalho em 2021?

Os acordos individuais do programa emergencial de manutenção do emprego e da renda [que permitiu redução de jornada e salário, além de suspensão dos contratos, durante a pandemia].

O STF considerou esses acordos [individuais] constitucionais. Mas, se teve coação para o empregado assinar, isso é [tema] próprio da Justiça do Trabalho. Várias ações vão ser ajuizadas diante disso.

O que mais?

Responsabilidade civil por acidente de trabalho diante da contaminação da Covid. Também vamos ter um grande número de casos em relação ao teletrabalho, por exemplo tratando das despesas que o trabalhador tem e sobre o horário de trabalho no home office.

Seria possível um trabalhador comprovar que a contaminação da Covid se deu por causa do trabalho?

Seria. O artigo 501 da CLT diz que a imprevidência do empregador elimina motivo de força maior [acontecimento inevitável].

O que propomos de distinção é o seguinte: em se tratando da área de saúde, presume-se que o trabalhador adquiriu a doença em razão do trabalho.

Se a atividade não é de risco, a comprovação passa a ser do empregado. Ou seja, ele tem de provar que não adquiriu fora do trabalho, e sim no trabalho, cabendo ao empregador comprovar que tomou todas as medidas de precaução.

Quais as penalidades?

O empregador teria de pagar o valor correspondente aos dias de afastamento e, se o trabalhador vier a ter alguma sequela, o empregador teria de pagar dano moral. Se o trabalhador ficar incapaz de exercer aquele trabalho, há, nesse caso, dano patrimonial também. Vai receber uma pensão.

Já chegou algum caso assim ao TST?
Que eu conheça não. No TST talvez chegue no meio do próximo ano.


Alexandre Agra Belmonte, 61
Ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho), é coordenador da comissão de tecnologia da corte, integrante do Gaet (Grupo de Altos Estudos do Trabalho) do governo Jair Bolsonaro e presidente da ABDT (Associação Brasileira de Direito do Trabalho). Formado em direito pela Universidade Gama Filho, com mestrado e doutorado pela mesma instituição. É professor universitário. Chegou ao TST em 2012

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