Trabalhadores de obra na Aeronáutica corriam risco de choque, amputação e fratura, cita decisão judicial

Sete operários foram resgatados de condição análoga à escravidão; Força Aérea diz que analisa providências cabíveis contra empresa contratada

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Brasília

Os trabalhadores de um canteiro de obras na Aeronáutica, resgatados de condições análogas à escravidão, corriam risco de choque elétrico, amputações, fraturas, lacerações e queda de pontos altos da estrutura metálica montada. O canteiro fica dentro da Base Aérea de Anápolis (GO).

Os riscos foram detalhados em relatórios de vistoria feita por auditores fiscais e procuradores do trabalho, os mesmos que fizeram o resgate dos trabalhadores em razão das condições análogas à escravidão.

Os documentos embasaram o termo de embargo da obra da Aeronáutica. O conteúdo é reproduzido numa decisão da Justiça do Trabalho a favor dos operários, assinada na tarde desta sexta-feira (27).

Relatório fotográfico das condições de alojamento dos operários da empresa Shox do Brasil Construções LTDA na foto hall de acesso ao alojamento: ausência de limpeza e muito lixo espalhado pelo local
Relatório fotográfico das condições de alojamento dos operários da empresa Shox do Brasil Construções LTDA na foto hall de acesso ao alojamento: ausência de limpeza e muito lixo espalhado pelo local - Reprodução / Relatório​

A Folha revelou nesta sexta que o grupo móvel de combate ao trabalho escravo, formado por auditores e procuradores, resgatou sete trabalhadores que atuavam dentro da base aérea. Eles montavam um hangar que servirá para manutenção do avião cargueiro KC-390. A aeronave é uma das principais apostas da Força em termos de logística aérea.

A configuração do trabalho como análogo à escravidão se deu em razão das condições do alojamento dos trabalhadores, que fica a quatro quilômetros da base aérea. Os fiscais constataram que não havia comida, água potável, produtos de higiene, mobília, colchões suficientes e banheiros em condições de uso.

Os relatórios da fiscalização registram que os trabalhadores precisaram recorrer à fritura de formigas tanajuras para matar a fome. Ainda segundo os auditores, havia jornadas de segunda a segunda e acertos salariais fora do combinado entre as partes.

A Justiça do Trabalho em Anápolis acatou um pedido do MPT (Ministério Público do Trabalho) e determinou a rescisão dos contratos e o pagamento das verbas rescisórias, além do custeio de passagens rodoviárias, hospedagem e comida aos trabalhadores que querem voltar a suas cidades em Sergipe, Pernambuco e Paraná.

O custo deve ser arcado pela empresa contratada pela Aeronáutica, a Shox do Brasil Construções. É esta empreiteira a responsável pelo alojamento e pela obra, segundo a fiscalização.

A decisão assinada pelo juiz do trabalho Vinicius Augusto de Paiva reproduz o conteúdo do termo de interdição da obra dentro da base aérea. “As situações narradas no termo de embargo foram comprovadas por fotografias colacionadas ao caderno processual”, afirma.

Segundo os relatórios citados pelo juiz, os riscos de acidentes por choque elétrico existiam em razão de “partes vivas e expostas e total falta de aterramento na área de fabricação”. A falta de treinamento dos trabalhadores elevava o risco de fraturas e quedas.

Os documentos apontam a existência de “serra circular instável e sem coifa protetora e pontas verticais de vergalhões de aço desprotegidas”. Isto gerava um risco de amputações e lacerações, segundo os relatórios citados na decisão judicial.

Ao todo, o termo de embargo lista 13 irregularidades na construção do hangar dentro da base aérea, com desrespeito a NRs (normas regulamentadoras) existentes para minimizar as possibilidades de acidentes do trabalho.

Entre essas irregularidades estavam, segundo a fiscalização, a falta de equipamentos de proteção individual e a exposição de instalações elétricas.

“Os elementos probatórios indicam a existência de graves violações da legislação trabalhista em matéria de segurança do trabalho, bem como condições precárias de trabalho e alojamento”, diz o juiz Paiva. “Tal situação pode degradar ainda mais a saúde física e mental dos trabalhadores.”

Tanto a obra do hangar quanto o alojamento foram interditados. A Shox do Brasil tem um contrato com a Aeronáutica, assinado em janeiro, no valor de R$ 15,3 milhões para construir o hangar de manutenção do KC-390.

A reportagem tenta contato com a empresa, pelos telefones disponíveis na internet e no registro na Receita Federal, mas eles não recebem chamadas.

Depois da publicação da primeira reportagem, a Aeronáutica se manifestou sobre o assunto, em nota enviada à Folha na manhã deste sábado (29). “A Força Aérea Brasileira repudia qualquer descumprimento da legislação vigente e analisa, com base no contrato assinado, eventuais providências cabíveis a serem adotadas”, diz a nota.

A Aeronáutica afirma ter notificado a empresa contratada para prestar esclarecimentos e informar as ações tomadas para sanar as irregularidades. A ação ocorreu “assim que a unidade responsável pelo acompanhamento e gestão da obra tomou conhecimento da autuação sofrida pela empresa Shox do Brasil”.

“A Força Aérea segue os dispositivos legais previstos para contratação e fiscalização dos serviços”, afirma a nota.

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