Após planejar manter meta flexível, Guedes recua e vai alterar proposta para 2021

Interlocutores do TCU mencionam que nem Arno Augustin teria ousado com projeto semelhante

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Brasília

O ministro da Economia, Paulo Guedes, mudou de planos e vai apresentar ao Congresso uma meta fixa de resultado primário para 2021. A alteração ocorreu após uma escalada de tensão nos últimos dias entre a pasta e o TCU (Tribunal de Contas da União), que não permitiu a continuidade de um resultado flexível a ser perseguido no ano que vem.

Conforme revelou a Folha, Guedes planejava, até a última quarta-feira (2), manter a proposta flexível prevista desde abril no PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias). O texto tem votação marcada no Congresso para 16 de dezembro.

O governo propôs que o valor da meta (receitas menos despesas) irá mudar ao longo de 2021 para se adaptar às estimativas fiscais a serem recalculadas durante o ano. Na prática, isso liberaria o governo de perseguir um limite fiscal.

No fim de outubro, os ministros do TCU aprovaram por unanimidade um acórdão em que emitiam um alerta ao governo dizendo que a proposta não atendia os objetivos da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e da Constituição.

Recentemente, conforme mostrou a Folha, o TCU subiu o tom e passou a falar em possível condenação de Guedes por crime de responsabilidade. A equipe econômica, mesmo assim, interpretava que o acórdão não exigia uma meta fixa em 2021, mas apenas em 2022 (o que teria sido respaldado pela equipe técnica do TCU, na visão do Ministério).

Interlocutores do ministro também mencionaram que não seria possível estabelecer uma meta fixa para 2021 porque a dificuldade de prever números fiscais depois da chegada da pandemia ao país permanecia e ainda não se teria total clareza sobre os efeitos do coronavírus e as consequências disso para a arrecadação nos próximos meses.

Paulo Guedes (economia) durante cerimonia alusiva à marca dos 100 milhões de poupanças sociais digitais, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 04.nov.20/Folhapress

Foi mencionado nos bastidores do governo que definir uma meta fixa em meio a um cenário ainda complexo da economia, com números de arrecadação ainda incertos, poderia levar o governo a ter de elevar impostos para cumprir o objetivo. Isso seria uma tolice que prejudicaria ainda mais a situação de pessoas e empresas, segundo essa avaliação.

Nesta quinta pela manhã, conforme relatos ouvidos pela Folha, uma nova comunicação foi feita entre as equipes do Ministério e do TCU. Membros do órgão de controle comunicaram à cúpula da pasta que há consenso no tribunal sobre a impossibilidade da meta flexível.

A interpretação é que, para continuar com o plano, o governo teria que mudar a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), que exige uma meta de resultado todo ano. Por isso, o TCU não poderia dar aval à proposta.

Interlocutores do TCU mencionam que nem mesmo Arno Augustin teria ousado a não apresentar uma meta fiscal, em referência ao secretário do Tesouro que executou o que foi posteriormente chamado de "pedaladas" do governo Dilma (que respaldaram o impeachment da ex-presidente).

Após o novo alerta nesta quinta, o Ministério da Economia afirmou ao TCU que enviará uma nova meta.

Guedes afirmou a jornalistas durante a manhã desta quinta que vai conversar com o TCU sobre o tema. "Quando enviamos a LDO, o Brasil ainda estava em meio à pandemia. Naquela ocasião, você não podia estimar ainda as receitas. Você tinha que continuar com a meta flexível para o ano que vem", disse.

"Tanto que o próprio TCU havia manifestado que só em 2022 é que voltariam as metas, porque a pandemia podia durar mais tempo, podia haver uma segunda onda [da pandemia] ou qualquer coisa do tipo", afirmou.

"Agora, com a economia se firmando e voltando, já teremos possibilidade, e vamos conversar com o TCU sobre isso, teremos possibilidade então de rever as previsões de receitas e aí podemos então anunciar a meta. Está certo? Não tem problema nenhum, está tudo certo, o Brasil está voltando", disse.

Guedes ainda procurou elogiar o TCU. "Não há nenhum problema entre o Ministério da Economia e TCU. O TCU é um parceiro confiável. Está sempre examinando nossas contas, nos ajuda", afirmou.

Mais tarde, Guedes voltou ao assunto. "É um mal-entendido. A meta flexível foi feita lá atrás, o TCU disse que entendia isso, ia olhar a meta só para 2022. Agora, o TCU está falando que vai olhar para 2021 também", afirmou.

"E nós estamos falando, realmente, se a economia voltar, e está voltando, já podemos estimar uma taxa de crescimento para o ano que vem. Sabemos o que deve acontecer com a inflação, está clareando o horizonte. Podemos então trabalhar com meta novamente para o ano que vem", disse em evento promovido pela CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção).

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), atacou a proposta de meta flexível. “O que está me deixando impressionado é essa coisa de meta flexível que o Paulo Guedes está inventando”, declarou Maia.

“Não ter meta, uma meta flexível é uma jabuticaba brasileira”, criticou o presidente da Câmara, que tem um histórico de atritos com Guedes e lembrou que, no começo do governo, a promessa da equipe econômica era acabar com o déficit primário.

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