Faculdades privadas tentam ampliar diversidade nos cursos de economia

Ações buscam incentivar mais mulheres e negros a ingressar e persistir na carreira acadêmica na área

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São Paulo

No dia 25 de novembro passado, uma quarta-feira, Michael França se sentou à frente do computador com uma missão que se estendeu madrugada adentro e se mostrou tão trabalhosa quanto as análises de dados feitas por economistas acadêmicos como ele.

O Insper, faculdade privada de São Paulo onde o pesquisador faz seu pós-doutorado, havia decidido, em julho deste ano, incluir a busca por maior diversidade em seu planejamento estratégico.

Algumas medidas nessa direção já tinham sido tomadas em 2020. O cursinho pré-vestibular mantido pela Educafro recebeu uma doação de R$ 25 mil para que os alunos interessados em prestar o vestibular do Insper pudessem se dedicar o tempo necessário aos estudos.

Houve uma campanha para divulgar o programa de bolsas com recorte socioeconômico da faculdade junto a outras instituições que, como a Educafro, trabalham com foco em jovens negros de baixa renda.

Na área de pesquisa, foi criado o Núcleo de Estudos Raciais, coordenado por França, que terminou, há pouco, o doutorado em Teoria Econômica na Universidade de São Paulo (USP).

Quebrando trâmites convencionais, profissionais da instituição dispararam em seus grupos de WhatsApp uma mensagem informando que o Insper estava interessado em contratar professores negros.

O economista Michael França, em uma quadra próxima de sua casa, na zona Sul de São Paulo
O economista Michael França, em uma quadra próxima de sua casa, na zona Sul de São Paulo - Bruno Santos/ Folhapress

“Recebemos 600 currículos em poucos dias. Precisamos criar um filtro, via uma página de inscrição para os interessados, que reduziu esse número para 227”, diz Ana Carolina Velasco, gerente de relacionamento institucional da instituição.

“Aí, formamos um mutirão de coordenadores e professores para analisar os currículos e ver se havia bons candidatos para eventuais vagas que surgissem em suas áreas”, afirma ela.

Dessa triagem, 39 candidatos foram pré-selecionados e uma professora negra, contratada recentemente.

“É muito pouco ainda para mudar o enorme desequilíbrio que existe aqui e nas outras instituições. Mas era importante começar de alguma forma”, diz Velasco.

Atacadas as frentes de graduação, pesquisa e docência, faltava aquela que é considerada um dos maiores obstáculos ao aumento da diversidade na área econômica: o acesso ao mestrado.

Daí, surgiu a missão que levou França a virar a noite do último dia 25: motivar candidatos de minorias que tenham perdido por pouco a chance de ingressar nessa etapa acadêmica a tentar novamente.

O funil que deixa muitas mulheres e negros de fora do mestrado no Brasil é o exame oferecido, anualmente, pela Anpec (Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia).

Historicamente, esses grupos são minoria entre os candidatos. A fatia de mulheres que fazem a prova gira em torno de 30% do total. Os pardos – de ambos os sexos – não passam de 26%. E a parcela de pretos oscila entre 6% e 8%.

Esses dados têm sido, periodicamente, levantados pelo economista Claudio Ferraz, que se tornou uma das vozes mais ativas no debate público brasileiro sobre a falta de diversidade na Economia.

Os números evidenciam a sub-representação desses grupos na área, considerando que as mulheres (de todas as raças) e os pardos e pretos (de ambos os sexos) representam, respectivamente, 51,8%, 46,8% e 9,4% da população brasileira.

“Essa situação não irá mudar sem ações institucionais, em nível da graduação, para encorajar mais minorias e mulheres a seguirem para o mestrado”, diz Ferraz, que é professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e da Universidade de British Columbia, no Canadá.

A baixa diversidade nas candidaturas é agravada pelo pior desempenho de mulheres e negros que tentam a prova.

No exame deste ano, 10% dos top 50 eram mulheres, outros 10% eram pardos – de ambos os sexos – e 4%, pretos.

Os departamentos reputados de pós-graduação são disputados pelos estudantes mais bem colocados nessa prova e, tradicionalmente, não escolhem candidatos fora das primeiras 40 ou 50 posições. Isso reduz a diversidade nesses centros.

“A prova da Anpec tem um viés que favorece homens brancos”, diz França.

Ele conhece bem esse diagnóstico não apenas por que acompanha números como os que Ferraz vem divulgando, mas por ser parte da reduzida minoria de negros que progrediram na área acadêmica econômica.

Nascido em Uberaba (MG) em uma família de baixa renda – filho de uma doméstica e de um soldador–, França soube da possiblidade de frequentar uma universidade quando já estava no ensino médio e ouviu seu irmão falando sobre o tema.

A partir dos 16 anos, começou a estudar para valer e não parou mais.

“Durante esse período, vi muita gente talentosa, com muito potencial, desistir”.

“O custo e as barreiras para aqueles que vieram de famílias de baixa renda são enormes, por isso o Brasil tem baixa mobilidade social”, diz o pesquisador.

Por conhecer essa realidade, França foi parte do time que idealizou o programa Novas Trajetórias do Insper. A ideia é oferecer a mulheres e negros de baixo nível socioeconômico, que tenham ficado relativamente próximos à 100ª colocação na Anpec, a estudar novamente para a prova.

Segundo o economista, não é fácil identificar o patamar de renda dos candidatos a partir do cadastro do exame. Para contornar esse problema, França pegou o endereço de cada um dos estudantes e analisou o perfil de suas residências usando o Google Maps (serviço de visualização de imagens via satélite).

Complexa, a tarefa levou horas e terminou com uma lista de 21 nomes, dos quais três alunos – uma jovem branca e dois rapazes negros – aceitaram a oferta de uma bolsa e uma vaga no curso preparatório para a Anpec do Insper. Como contrapartida, dedicarão 20 horas de trabalho por semana ao Núcleo de Estudos Raciais da instituição.

“Para mim, foi uma oportunidade única. Minha trajetória for marcada por dificuldades como não ter um computador nem dinheiro para comprar livros durante a graduação”, conta Bruno Gomes, 24, um dos beneficiados pelo programa.

Ele concluiu a graduação em Economia na Universidade Federal do Ceará (UFC). Mesmo sem ter feito um curso preparatório para a Anpec, foi aceito para o mestrado na mesma instituição, mas preferiu estudar para a prova novamente e tentar vaga em um departamento mais bem avaliado.

OUTRAS FACULDADES TAMBÉM TÊM TOMADO MEDIDAS, MAS COM FOCO MAIOR EM GÊNERO

Além do Insper, outras faculdades privadas têm adotado medidas em prol de uma maior diversidade.

A Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP) elegeu a 40ª colocação na Anpec como linha de corte para a oferta de vagas em seu disputado mestrado neste ano. Mas, no caso das candidatas mulheres, o departamento olhou além dessa marca.

Como resultado, as ingressantes do sexo feminino, em 2021, serão 19% do total de 26 alunos, contra 11% neste ano.

Braz Camargo, coordenador da pós-graduação acadêmica da instituição, ressalta que a baixa diversidade no meio é ruim para a própria profissão. Ele recorre ao conceito econômico de “eficiência alocativa” para explicar uma das causas desse prejuízo.

“Se partimos do pressuposto de que as habilidades estão, proporcionalmente, distribuídas na população, que é composta por cerca de 50% de mulheres, estamos perdendo pessoas muito boas”, diz.

Além disso, afirma o economista, grupos diversos geram ideias diversas, o que contribui para uma maior produção de conhecimento.

Assim como a EESP, a PUC-Rio também olhou além dos primeiros colocados na Anpec neste ano. Segundo Gustavo Gonzaga, coordenador do mestrado em Economia da instituição, a nota no exame nunca foi o único critério de seleção usado.

“Analisamos também históricos escolares, cartas de referências, mas os candidatos nem sempre nos mandam todo esse pacote”, diz ele.

O receio de que a pandemia atrapalhasse a realização da prova da Anpec em 2020 levou a PUC a disparar um email para todos os inscritos enfatizando a importância de mandarem o máximo de informações possível.

“Recebemos 120 pacotes completos e ficou evidente a diferença que isso faz para identificarmos excelentes candidatos, fora da lista dos primeiros colocados na prova”, diz Gonzaga.

Isso contribuiu para uma maior representatividade feminina na seleção. Entre os 12 ingressantes no mestrado em 2021, cinco serão mulheres. Neste ano, entre 18 alunos, quatro eram do sexo feminino.

Segundo Gonzaga, de agora em diante, a PUC reforçará o procedimento de enfatizar para os candidatos a importância de mandar informações mais completas.

Tanto a PUC-Rio quanto a EESP também adotarão um modelo de mentoria em que professoras e alunas do doutorado orientarão as estudantes do mestrado.

“Ter referências é muito importante. Lembro do caso de uma aluna que, ao ser perguntada, no início da graduação, em quem se inspirava, não conseguiu mencionar nenhuma mulher”, diz Gonzaga.

“Claro que há excelentes mulheres economistas no Brasil, mas o fato de ela não ter se lembrado confirma que essa representatividade é baixa”, afirma.

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