Fechamento de fábrica da Mercedes em SP expõe limites do Inovar-Auto

Com vendas baixas, marcas de luxo foram pouco beneficiadas pelo programa

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São Paulo

O último Mercedes Classe C nacional foi montado nesta quarta (16), três meses após do encerramento da produção do utilitário compacto GLA. Ambos eram feitos em Iracemápolis, cidade do interior de São Paulo que vê mais uma fábrica de automóveis ser fechada no país.

É o fim de mais uma história que começou com o programa Inovar-Auto, criado no governo Dilma Rousseff (PT) e que vigorou de 2012 a 2017. O plano concedia incentivos fiscais a empresas que investissem no avanço tecnológico e na produção local de veículos, mas os resultados foram desiguais.

A montadora divulgou nesta quinta (17) que a matriz alemã optou pelo fechamento da unidade, que empregava 370 funcionários e jamais chegou perto de sua capacidade máxima de produção, estimada em 20 mil unidades por ano.

O sedã Mercedes C180 foi o último modelo produzido pela empresa alemã em Iracemápolis, interior de São Paulo - Divulgação

Foram investidos R$ 600 milhões na unidade, que começou a operar em março de 2016.
A empresa afirma, por meio de sua assessoria, que não está demitindo seus funcionários. “Estamos começando as negociações com o sindicato dos trabalhadores e buscando alternativas para os colaboradores e para o local.”

Entretanto, a solução adotada deverá ser o desligamento dos contratados por meio de um plano de demissão voluntária. Em novembro de 2019, antes da pandemia de Covid-19, a Mercedes já havia anunciado um programa global que previa o corte de 10 mil postos de trabalho.

O Sindicato dos Metalúrgicos de Limeira, Rio Claro e Região convocou os funcionários da montadora para uma assembleia, que deverá ser realizada na próxima semana. O clima é bem diferente da euforia vivida há quatro anos.

Em 2016, a Mercedes acreditava na retomada da economia e calculava contratar 750 funcionários em Iracemápolis. Os trabalhadores eram jovens altamente qualificados. A Mercedes desenvolveu um programa de treinamento em parceria com o Senai.

A montadora falava também na geração de até 3.000 empregos indiretos na região, apesar de o mercado nacional passar por uma crise que fazia as vendas voltarem uma década no tempo.

É a terceira vez que a Mercedes encerra a produção de carros de passeio no Brasil. A primeira vez foi em 2005, quando o hatch compacto Classe A deixou de ser montado em Juiz de Fora (MG) após seis anos de mercado.

A mesma fábrica mineira abrigou por um curto espaço de tempo a montagem do modelo CLC, cujas peças eram 100% importadas. Hoje essa planta se dedica à construção de cabines para caminhões.

Veículos pesados são o forte da empresa no Brasil, com destaque para a fábrica de São Bernardo do Campo (Grande São Paulo), que está em atividade desde o fim dos anos 1950 e segue como uma das mais rentáveis do país –rentabilidade que faltou à divisão de automóveis.

“Em função das vendas em baixa no mercado brasileiro, isso já era esperado desde o início. Não houve ampliação das vendas e nem exportações em volume para outros mercados na América Latina. É uma pena, pois fábricas como a da Mercedes elevam a qualidade da indústria nacional”, diz Milad Kalume, gerente de desenvolvimento de negócios da Jato Dynamics Brasil.

A reestruturação global da Mercedes se deve à maior mudança que a indústria automotiva já encarou em seus mais de 120 anos de história: a transição dos carros a combustão para os modelos híbridos e elétricos. Esses veículos têm relação direta com o fechamento da fábrica.

Carros que podem ser movidos a eletricidade têm benefícios tributários no Brasil, que variam de acordo com a tecnologia utilizada. Em breve, esses modelos serão maioria nas linhas de produção europeias.

Marcas premium como a Mercedes precisam manter seus veículos atualizados globalmente, e não valeria a pena investir na fábrica brasileira diante dos baixos volumes de venda no mercado interno. A melhor solução nesse caso é importar carros e apostar em versões que se enquadrem nas isenções fiscais.

A estratégia foi adotada pela Volvo, que concentra seus esforços na comercialização de modelos híbridos. A empresa sueca, que sempre negou ter intenção de produzir carros de passeio no Brasil, ocupa hoje a segunda ocupação entre as marcas de luxo –em outubro, ultrapassou a Mercedes.

A líder do mercado premium é a BMW, que monta a maior parte de seus carros vendidos no mercado nacional em Araquari (SC).

No comunicado divulgado nesta quinta (17), a Mercedes confirma que veículos híbridos e elétricos estão no foco. “A Mercedes-Benz AG está trabalhando rumo ao futuro da mobilidade neutra em CO2 e investindo na transformação da companhia, com foco na eletrificação e digitalização de seus veículos. Isso inclui a otimização de sua rede global de produção”, diz o texto.

Diante do cenário internacional, fatores como a desvalorização do real perante o dólar têm peso menor na decisão de fechar a fábrica. A questão preponderante é o baixo volume de vendas apontado por Kalume, que não justificaria a continuidade da produção local.

É o mesmo problema vivido pela Audi, que já manifestou a possibilidade de encerrar a montagem do sedã A3 em São José dos Pinhais (PR). A linha de produção será interrompida em janeiro, devendo ficar paralisada por um ano.

A próxima geração do modelo A3 chega ao Brasil no próximo ano, mas deverá ser importada da Alemanha.
A marca também tem investido em modelos 100% elétricos. O e-Tron surpreendeu a empresa, tenho superado as expectativas de vendas. Enquanto isso, a montadora aguarda o reembolso de tributos gerados sob o regime do Inovar-Auto. As marcas teriam direito a parte do que foi gasto com a sobretaxa do IPI (Imposto sobre produtos Industrializados).

Dos cerca de R$ 300 milhões retidos desde o governo Dilma, entre 70% e 80% são devidos à Audi.
“Temos tido muito apoio na indústria e também no Paraná, não querem perder nossa produção lá. Não estamos falando de incentivos, mas de algo que foi prometido que seria devolvido. Dei minha palavra à matriz de que vou fazer tudo para ter esse dinheiro de volta, mesmo em um patamar de 10 anos”, diz Johannes Roscheck, presidente da Audi no Brasil.

O executivo fala em quebra de contrato, o que dificulta as negociações para manutenção da produção local. “É uma questão de confiança, é muito difícil convencer uma matriz que se sente enganada”.

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