Fim de alíquota de importação de armas gera novo choque entre Bolsonaro e indústria nacional

Sindicato do setor diz que governo não preserva empregos com políticas defendidas pelo clã presidencial

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São Paulo

Em mais um capítulo do azedume entre a indústria de defesa nacional e o presidente Jair Bolsonaro, causou contrariedade no setor a decisão do governo federal de zerar, a partir de janeiro, a alíquota de 20% de importação de revólveres e pistolas.

Pistolas da Taurus em estande na LAAD, feira de defesa e segurança no Rio, em 2019
Pistolas da Taurus em estande na LAAD, feira de defesa e segurança no Rio, em 2019 - Erbs Jr. - 3.abr.2019/FramePhoto/Folhapress

O mal-estar foi ainda maior porque na véspera (8) empresários e entidades da área de defesa e segurança fizeram um encontro virtual o ministro André Mendonça (Justiça e Segurança Pública) em que o tema não foi colocado.

"A decisão surpreende a indústria, na medida em que não preserva empregos, não atrai investimentos para instalação local de fábricas", afirmou, em nota, o Simde (Sindicato Nacional das Indústrias de Materiais de Defesa).

A Abimde (Associação Brasileira de Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança) foi na mesma linha, dizendo que a medida "aumenta a assimetria tributária e afeta de forma negativa diretamente a indústria nacional e sua cadeia produtiva".

Segundo a entidade, as empresas nacionais seguirão pagando mais impostos e sendo levadas a produzir no exterior, quando têm escala produtiva e capacidade financeira para tanto. O setor de defesa e segurança emprega 1 milhão de pessoas, direta e indiretamente, e estima movimentar 4% do Produto Interno Bruto.

A maior crítica individual, como não poderia deixar de ser, veio da Taurus/CBC, líder do mercado nacional e uma das maiores produtoras de armas leves e munição do mundo.

"Lamentavelmente essa medida irá acelerar o processo de priorização de investimentos nas fábricas nos EUA e na Índia, em detrimento aos investimentos que iriam gerar mais empregos e riqueza no Brasil", afirmou o presidente da empresa, Salésio Nuhs.

A Taurus até apontou o paradoxo, lembrando que tem fábricas no exterior (Geórgia e uma futura unidade indiana) capazes de vender para o mercado brasileiro aproveitando a medida —e ressaltou que nada muda na aplicação de outros impostos, com ICMS, IPI e PIS/Cofins. No produto brasileiro, tributação responde por 73% do preço.

O mercado nacional responde apenas por 15% das vendas da Taurus, justamente por ter margens menores do que o de exportação. Só nos EUA, a carteira da empresa é de 1,1 milhão de pedidos, ou oito meses de vendas no Brasil.

As ações da empresa fecharam em queda de 9,7% nesta quarta. Na terça (8), os papéis subiram 5,68%.

Questionado, o Ministério da Economia não divulgou o impacto da redução da alíquota porque ela não tem efeito fiscal arrecadatório. "Estima-se que a medida reduza os preços domésticos ao consumidor final e amplie o acesso a novas tecnologias", disse, em nota.

Bolsonaro e seus filhos fazem campanha pelo que chamam de abertura do mercado de armas no Brasil desde antes da disputa eleitoral que levou o chefe do clã à Presidência.

O argumento central da família, notória por sua ligação com forças policiais e promoção de causas do setor, é que o produto importado seria de melhor qualidade do que o nacional.

A ideia acompanha as políticas de Bolsonaro em favor do armamento da população, que vão no sentido contrário das recomendações de entidades de monitoramento de violência urbana. Na infame reunião ministerial de 22 de abril, o presidente disse: "Eu quero todo mundo armado! Que povo armado jamais será escravizado!".

O fato de a Taurus/CBC ser uma das quatro maiores do mercado de pistolas americano e principal fornecedora de munição para armas leves da Otan (aliança militar ocidental) depõe contra a teoria, ainda que haja casos notórios de problemas de qualidade de produtos da empresa no passado.

Seja como for, como a Folha mostrou em junho, o filho presidencial Eduardo é promotor das armas de empresas como a americana SIG Sauer, que ele promove em vídeos e postagens nas redes sociais.

A empresa negocia uma parceria com a fábrica de fuzis do Exército, a Imbel.

Além disso, causou preocupação a notícia de que a PF e Polícia Rodoviária Federal iriam estabelecer equipes para fazer compras internacionais, à margem da Lei de Licitações.

Há outros passos dados pelo governo, como por exemplo a retirada do monopólio de testes de produtos controlados de defesa do Exército, enquanto não há laboratórios privados certificados para tanto no país.

Isso acabou dando vantagem aos estrangeiros, que receberam ao mesmo tempo uma moratória de fornecimento de produtos sem testes no Brasil por dois anos.

Pontualmente, a indústria também se queixa dos processos de licitação do governo. A Polícia Federal, por exemplo, está com duas concorrências em curso para a aquisição de lanchas no valor de R$ 327 milhões.

Como a Folha mostrou na semana passada, um requisito na prática excluía fabricantes de barcos nacionais. A PF negou haver qualquer tipo de restrição ou de favorecimento, mas não explicou o óbice técnico presente no edital.

A Abimde (Associação Brasileira de Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança) se queixa, e pede que o fomento à indústria nacional do setor, previsto numa lei de 2012, seja executado na prática.

Colaborou Diego Garcia, do Rio

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