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Eduardo Sampaio

Flexibilização de regras provocou duas bolhas na indústria mundial da erva

Concorrência internacional e desafios técnicos, regulatórios e de distribuição ainda limitam mercado

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Eduardo Sampaio

Presidente e fundador da Piauhy Labs Portugal, foi investidor e co-fundador da primeira empresa de Cannabis medicinal do Uruguai

Nos últimos meses reacendeu-se no Brasil a discussão sobre o mercado de plantio local de Cannabis para uso medicinal. Em particular, aos defensores do uso mais amplo de fitocanábicos somou-se o apoio e interesse da bancada ruralista no Congresso.

Executivos do agronegócio brasileiro vislumbram a possibilidade de fazer cultivos de Cannabis em grande escala, aquilo que chamamos de cânhamo industrial.

Sou bastante cauteloso com relação a estas estimativas. Digo, empreendo há anos no mercado de Cannabis com negócios em três países diferentes e sou um fervoroso defensor dos efeitos terapêuticos de medicamentos obtidos a partir das plantas do gênero Cannabis. Mas não acredito nas estimativas e entusiasmo destes potenciais empreendedores locais.

Plantação de maconha da empresa multinacional Fotmer Life Sciences, na cidade de Colônia
Plantação de maconha da empresa multinacional Fotmer Life Sciences, na cidade de Colônia - Danilo Verpa - 18.fev.2020/Folhapress

Há três pontos principais que me levam a acreditar que este é um mercado com desafios maiores do que se imagina: concorrência internacional e declínio de preços; desafios técnicos; e desafios regulatórios e de distribuição.

A produção de Cannabis para fins medicinais pode ser feita em três modalidades, cultivo indoor (mais alto padrão), cultivo em estufas ou cultivo em áreas abertas, similar aos plantios de monocultura.

O ciclo de plantio em áreas abertas é coincidentemente parecido com a da soja, ou seja, no hemisfério sul planta-se em novembro, e no hemisfério norte planta-se em maio.

Nos últimos anos houve um vertiginoso crescimento do uso e demanda por CBD, um dos muitos canabinóides produzidos pelas plantas deste gênero botânico.

Em pesquisa junto a usuários de CBD eles relatam redução de ansiedade e melhor qualidade do sono como os principais motivos de uso deste medicamento. Este recente aumento da demanda levou ao desenvolvimento de variedades de cânhamo ricas em CBD.

No ocidente a maior parte dos plantios em áreas abertas é de cânhamo industrial rico em CBD. O cânhamo industrial é definido como as espécies do gênero Cannabis que possuem uma baixíssima concentração de THC, outro canabinóide bastante comum.

Nos Estados Unidos este limite superior da concentração de THC foi definido em 0,3% com a lei de 2018, “Industrial Hemp Act ou Hemp Farming Act”. Na Europa o limite é de 0,2%.

O cânhamo é utilizado há milênios principalmente pela sua fibra e também de suas sementes produz-se alimento (farinha e óleo) ricos em proteínas e vitaminas. Importante, não há canabinóides, CBD ou THC, nas sementes e seus derivados alimentícios.

Entre seus mais famosos usos temos a declaração de independência dos Estados Unidos impressa em papel de cânhamo e as velas das naus de Pedro Álvares Cabral que chegaram ao Brasil.

A verdade inexorável é que a China é o líder mundial de produção de cânhamo há vários anos. Estima-se que a China seja responsável por 70% da produção mundial. É também verdade que quase toda a produção seja destinada ao uso de suas fibras na indústria têxtil, automotiva, dentre outras.

Nos EUA, com a flexibilização da lei de cânhamo de 2018 e com o impacto desta crescente demanda houve uma explosão no plantio.

Estima-se que em 2019 plantou-se naquele país o equivalente a 10 vezes o tamanho da demanda local.

Consequentemente os preços e rentabilidade despencaram, ao ponto que fazendeiros americanos colheram e estocaram suas colheitas na expectativa de preços melhores, que até o momento não aconteceu.

Em 2019 estouraram duas bolhas na indústria de Cannabis mundial, a bolha das empresas canadenses e a bolha de cânhamo nos EUA.

As principais empresas de Cannabis do Canadá viram o valor de suas ações despencarem entre 60% e 85% em 2019. E entre maio 2019 e abril 2020 estima-se que os preços de cânhamo rico em CBD caíram em torno de 60% nos Estados Unidos.

O Brasil é uma potência mundial no agronegócio. Todos sabemos. Porém precisamos de muitos anos de investimento, pesquisa e empreendedorismo para aumentar nossa rentabilidade e expandir nossas fronteiras agrícolas.

Enquanto vários países produtores já têm sementes e técnicas adequadas ao seu solo e microclimas, por aqui temos nenhuma experiência prática de cultivo em grande escala. Some-se a isto os desafios de mão de obra qualificada, equipamentos e fertilizantes específicos.

O Brasil ainda não tem um marco regulatório sobre o cultivo de Cannabis, seja para uso individual seja para cultivo de cânhamo em grande escala. É exatamente esta última que os empresários agronegócio pretendem alterar. Note-se porém que por ser uma planta e substâncias controladas, e portanto sujeito a legislações internacionais e locais sobre o tráfico, urge mudar diversos aspectos de diversas leis.

“Da porteira para fora, infraestrutura do agronegócio é um caos”, é uma das frases que se ouve com frequência nas rodas de agronegócio. Acrescente-se a isso que o cultivo de cânhamo tem suas idiossincrasias onde plantio, estocagem, armazenagem e exportação não tem precedente no país.

O “custo Brasil” pode indiretamente inviabilizar este negócio. Em alguns estados americanos os custos diretos, como impostos, e indiretos —licenças de funcionamento— levaram vários pequenos empreendedores a abandonar suas iniciativas.

Indubitavelmente o mercado de Cannabis medicinal no Brasil e no mundo crescerá a níveis muito maiores do que os atuais. A empresa Prohibition Partners estima em US$ 62,7 bilhões o mercado de Cannabis medicinal no mundo até 2024. A eventual superação dos desafios mencionados acima poderá colocar o Brasil em uma posição privilegiada neste setor.

Uma combinação engendrada de esforços de fazendeiros empreendedores, temas regulatórios acertados e panorama global dará a resposta. Em alguns anos saberemos se o Brasil conseguiu incluir este produto no rol das vitórias do seu agronegócio. Haja vista a experiência ruim de outros países, convém ser cauteloso.

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