Gastos federais acima do necessário na pandemia ajudam novos prefeitos

Socorro da União superou em R$ 2,7 bilhões perda de arrecadação municipal em vinte capitais

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Brasília

Diversos prefeitos terão uma folga de caixa no início da sua gestão porque o socorro financeiro da União superou o necessário para compensar perdas de receitas com a crise causada pela pandemia do coronavírus.

Levantamento feito pela Folha com base em dados do Tesouro Nacional mostra que, de janeiro a agosto deste ano, 20 das 26 capitais receberam R$ 2,7 bilhões acima do valor de suas perdas de arrecadação com o ISS (Imposto Sobre Serviços), principal indicador da atividade econômica do município.

Nesse período, nenhuma capital registrou queda da Receita Corrente Líquida, que combina receitas próprias --como o ISS-- e transferências da União.

Sessão do Senado de maio que votou auxílio financeiro da União aos estados e municípios para mitigar os efeitos da pandemia da Covid-19 - Edilson Rodrigues/Agência Senado

Em média, essas receitas cresceram 37% de janeiro a agosto deste ano, chegando a R$ 58,4 bilhões ante R$ 36,5 bilhões do mesmo período do ano anterior.

O projeto de lei complementar que definiu o programa de socorro a estados e municípios foi aprovado em maio deste ano e destinou o valor fixo de R$ 60 bilhões da União para os entes compensarem suas perdas de arrecadação.

Deste total, R$ 50 bilhões poderiam ter destinação livre. Os outros R$ 10 bilhões deveriam ter sido obrigatoriamente direcionados para saúde e assistência.

Os pagamentos foram feitos em quatro parcelas, entre junho a setembro.

Os dados do Tesouro constam no Relatório de Acompanhamento de Execução Orçamentária, municiado com informações fornecidas pelas próprias prefeituras, e confirmam que as perdas provocadas pelo isolamento social na economia local não foram tão acentuadas quanto o governo e o Congresso imaginaram nas capitais.

Além disso, na avaliação de técnicos da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), houve problema na distribuição dos recursos, que usou o tamanho da população como critério para a divisão.

“Em geral, as cidades menores, com até 20 mil habitantes, se beneficiaram mais. As cidades com população entre 50 mil e 200 mil habitantes foram as que menos se beneficiaram”, disse Kleber Castro, consultor da FNP.

Levantamento prévio feito por Castro mostra que somente 162 cidades tiveram, de fato, prejuízos --em que o auxílio não foi suficiente para compensar as perdas de receitas. “A grande maioria dessas cidades tem população entre 50 mil e 120 mil habitantes”, disse.

Os dados do Tesouro mostram que, nas capitais, mais populosas, a situação foi inversa. Em Campo Grande (MS), o valor do socorro foi 82 vezes maior que a perda de arrecadação do ISS. Em Macapá (AP), ele foi 51 vezes maior e em Rio Branco (AC), 29 vezes.

Isso também se verificou em Cuiabá (MT), Porto Velho (RO), Belém (PA), e Manaus (AM), com o auxílio superando em cerca de 20 vezes as perdas de ISS.

Em Vitória (ES) e Goiânia (GO) esse impacto foi um pouco menor --de 14 vezes para capixabas e goianos, e de 9 vezes para Belo Horizonte (MG).

Em Teresina (PI), Rio de Janeiro (RJ), Curitiba (PR), Natal (RN), Recife (PE) e Palmas (TO) a ajuda ultrapassou algo entre três e sete vezes as perdas com o imposto.

Essa diferença entre as perdas com o ISS e o auxílio a mais representou R$ 2,7 bilhões no período considerado.

Nas demais capitais houve aumento da arrecadação no período, segundo dados do Tesouro.

A legislação que definiu o programa de socorro não estabeleceu a devolução dos valores caso não houvesse perdas de arrecadação.

Por isso, em boa parte dessas prefeituras, a situação para os prefeitos que tomarem posse será menos dramática.

Esse cenário levou o ministro da Economia, Paulo Guedes, a se posicionar contrariamente a uma nova rodada de auxílio nas discussões com o Congresso.

No momento das discussões em torno do pacote de socorro emergencial aos entes federativos, Guedes se recusou a acatar a proposta do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ).

Para evitar gastos desnecessários, o deputado pretendia criar uma espécie de seguro pelo qual a União só destinaria recursos para cidades e estados que tivessem perdas na arrecadação.

Guedes criticou a proposta do parlamentar e afirmou que ela significava entregar um cheque em branco aos governadores e prefeitos.

Definiu-se então um valor fixo capaz de cobrir perdas de receitas.

No caso dos estados, um levantamento feito pelo economista do Insper e colunista da Folha Marcos Mendes mostrou que o socorro para os governos estaduais superou em 54% o impacto econômico sofrido. Ou seja, o choque foi transferindo para a União.

Segundo o economista, os estados já receberam R$ 36,3 bilhões a mais do que sua perda de arrecadação.

Mendes considera que o excesso de dinheiro praticamente não foi gasto e pode ajudar os governadores a enfrentar dificuldades em 2021, sem que seja necessário o socorro adicional que está em discussão em algumas propostas no Congresso. Ele calcula que haja uma reserva de pelo menos R$ 34,6 bilhões nos caixas estaduais.

Essa situação se repete nos municípios. A FNP e a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados estão concluindo um levantamento detalhado sobre o impacto em todos os municípios.

Para Ursula Dias Peres, professora de Gestão de Políticas Públicas da EACH/USP (Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo), quando o programa de ajuda foi definido três das quatro parcelas seriam pagas no segundo semestre, em meses bastante instáveis do ponto de vista da arrecadação.

Hoje, os dados mostram que a arrecadação superou as expectativas e o auxílio acabou se tornando um reforço de caixa.

A reportagem procurou as cinco prefeituras que mais se beneficiaram do auxílio, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

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